Com a suspensão das exportações de carne brasileira aos Estados Unidos, veio à tona a questão sobre as lesões purulentas encontradas nos animais. E, como não poderia deixar de ser, vídeos bem ~ chamativos ~ começaram a circular nas redes sociais.
Num deles, divulgado por meio do WhatsApp, um homem — supostamente um servidor do Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura — examina um bovino recém abatido e identifica um abscesso.
Durante mais de dois minutos, é possível ver o profissional fazendo a inspeção na carcaça, até o momento em que retira um grande pedaço de carne em formato oval e o disseca, revelando o líquido amarelado dentro. Segundo especialistas, o acúmulo de pus, seria uma reação à vacina contra a febre aftosa. Clique aqui se você quiser ver o vídeo
“A reação inflamatória é
o princípio básico do funcionamento das vacinas virais. Alguns animais produzem uma reação mais intensa, outros, menos”
Para sanar dúvidas e tentar tranquilizar a população diante das imagens fortes, o LIVRE entrevistou o professor de medicina veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Edson Moleta, que afirmou ser natural a reação. Segundo ele, não há riscos para a saúde.
O professor explica que a formação de um abscesso – uma lesão com pus dentro – é uma reação natural à vacina e proposital.
Segundo ele, um dos componentes da vacina, o hidróxido de alumínio, produz uma reação inflamatória para que o sistema imunológico do animal reconheça a substância e produza imunidade.
“É o princípio básico do funcionamento das vacinas virais. Alguns animais produzem uma reação mais intensa, outros, menos”, explica.
Por esta razão, pontua, é recomendada a aplicação da vacina em uma área onde haja menor perda econômica. “O local onde a carne é menos apreciada e logo abaixo do couro”, explica. “Mas, normalmente, o indivíduo que está aplicando a vacina pega no músculo”, diz.
É preciso ainda levar em conta a força do animal – e a habilidade e força que o profissional precisa ter para aplicar a injeção – e o volume de animais a serem vacinados num mesmo dia. Tudo isso dificulta que a vacinação seja feita de maneira adequada, o que inclui a técnica de aplicação e também a limpeza do local para evitar contaminação.
Reprodução
Abscessos podem ser visíveis, como na foto; essas ‘bolas’ são lesões
Veja os principais pontos da entrevista com o professor da UFMT:
O LIVRE – O que são abscessos?
Edson Moleta – É uma inflamação ou lesão com pus que pode ser formada devido à reação da vacina. O abscesso pode ser causado também por uma contaminação na hora da vacinação, causando uma pequena infecção, devido à falta de higienização adequada. A infecção acontece mais raramente, quando não há cuidados com a seringa ou limpeza e bactérias do ambiente acabam sendo levadas para dentro do animal.
O LIVRE – Por que alguns abscessos passam pela fiscalização?
Edson Moleta – Nesse vídeo que está circulando, o abscesso que aparece é grande e visível. Isso deve ocorrer em cerca de 20% dos casos. O problema é quando um nódulo é pequeno e está atrás do músculo. Algumas aplicações acabam passando para o músculo, muitas vezes, devido ao movimento brusco que o animal faz na hora da vacinação. Nesses casos, ninguém vai cortar a peça — que é vendida inteira — para verificar se há ou não uma lesão. Quando isso ocorre [abscessos com tamanhos menores], é possível que a lesão passe despercebida pelo inspetor, sendo identificada somente quando essa carne já chegou em seu destino.
O LIVRE – Há risco para quem não dispensa uma boa carne?
Edson Moleta – Não há riscos para a saúde, mas é lógico que é desagradável encontrar um nódulo numa carne. O grande problema é o aspecto. O assunto só veio à tona porque os Estados Unidos são rigorosos, mas aqui nós já conhecíamos essa reação. Não há o que temer. Nosso sistema de inspeção é um dos mais rigorosos do mundo.
O LIVRE – Todos os bovinos precisam ser vacinados?
Edson Moleta – Sim, de mamando a caducando todos os bovinos e bubalinos devem ser vacinados. No país, o índice de cobertura vacinal está acima dos 95%. Em Mato Grosso, esse índice ultrapassa os 98%. O único Estado que não aplica a vacina é Santa Catarina, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OIE) como livre da doença desde 2010.
O LIVRE – Qual seria a solução?
Edson Moleta – A alternativa seria trocar o adjuvante, esse óleo que compõe a vacina, ou encontrar um composto que cause reações menores. Também já se fala na retirada da vacina contra a aftosa em todo o país, o que resolveria o problema.
Ednilson Aguiar/O Livre
Abscessos podem não ser identificados facilmente nos frigoríficos
Entenda mais sobre o caso
O Brasil havia voltado a exportar carne fresca para os Estados Unidos em 2016, depois de 17 anos de negociações. O país foi um dos poucos mercados que não havia interrompido a compra de carne brasileira depois da deflagração da Operação Carne Fraca em março.
Quinze frigoríficos brasileiros estavam habilitados a exportar carne fresca (in natura) para os EUA. Desses, cinco foram descredenciados pelo Ministério da Agricultura no último dia 16, sendo dois deles em Mato Grosso. Dois dias depois da medida, os EUA decidiram suspender todas as importações de carne do Brasil.
Interesses comerciais
O mercado norte-americano serve como um “cartão de visitas” para o Brasil em relação a conquista de novos mercados. Devido ao alto rigor no controle de qualidade, outros países se baseiam no que os EUA comercializam.
Entre os meses de janeiro e maio deste ano, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), o Brasil negociou mais de US$ 18,9 milhões em carne bovina fresca com os EUA.
Um gerente de frigorífico que pediu para não ser identificado, alegou que essa situação diz mais a respeito dos interesses comerciais do que questões sanitárias. Segundo ele, foi uma surpresa para os americanos, já que eles não vacinam contra a aftosa. “Estão tentando desqualificar o que temos de melhor”, desabafa. “O que as pessoas precisam saber é que nossa carne é uma das melhores do mundo”, finaliza.