Colunas

Verdevaldo e o classismo nosso de cada dia

5 minutos de leitura
Verdevaldo e o classismo nosso de cada dia
George Whitefield, no século XVIII, pregava sobre a igualdade para multidões de colonos britânicos na Virginia

Achei engraçadinho quando começaram a chamar o Greenwald de “Verdevaldo.” O abrasileiramento do nome traz bom humor para a conversa, e mais do que isto, evoca uma desimportância, substituindo a falsa autoridade imposta pelo nome estrangeiro pelo teor comezinho às vezes sentido em nomes multissilábicos terminados em “valdo.”

Rosevaldo, Fredisvaldo, e agora o Verdevaldo, soam como nomes apropriados para o dono da venda, o auxiliar de pedreiro, mas não para ser o nome de um jornalista internacional.
O humor da alcunha está aí. Além de abrasileirar, o nome “Verdevaldo” faz uma alusão à classe social. Comum no Nordeste, a prática de amalgamar nomes não é bem vista no Sudeste. O Sudeste tem a primazia socioeconômica, estipulando o que é considerado honorável ou não, e é entusiasta dos nomes simples, recusando a individuação excessiva dos nomes inventados que proliferam no Nordeste.

Portanto, o eco de Verdevaldo é carregado de preconceito antinordestino. Verdevaldo soa como nome de retirante, lembrando ausência de educação formal, trabalho braçal, classe baixa, o “paraíba” do Rio ou o “baiano” de São Paulo, os nordestinos genéricos do Sudeste.

O Brasil cultiva uma cosmovisão classista que se faz presente no mecanismo social, na arquitetura, na música, na maneira de as pessoas se vestirem e principalmente no mercado de trabalho.

Se você já foi a um apartamento de classe média numa grande cidade qualquer do Brasil, pode ver a casta na arquitetura. No fundo do apartamento um quartinho de dois metros por um e meio e um banheiro mais mínimo ainda, sem janela, com uma entrada à parte que leva à cozinha e à área de serviço, revela: ainda existe a senzala no Brasil do século XXI.

Você sabe a que classe a pessoa pertence pelo jeito dela falar, pelas roupas que usa, pelo carro, pelo bairro onde mora, e até pelo nome que tem. No Brasil a classe determina como se processa o relacionamento social, as oportunidades que ela vai ter na vida e os direitos que tem diante da lei. Somos o país onde a frase de Machiavelli – “Para os amigos os favores e para os inimigos a lei” – ganhou eco em Getúlio Vargas e se encarnou em nosso sistema político.

O PT e os partidos de esquerda deitaram e rolaram nesta noção intrínseca de desigualdade para construir seu sistema corrupto de poder e sua narrativa sobre as injustiças sistêmicas.

Mas a divisão não é um fato inexorável. Alguns fenômenos sociais são capazes de quebrar esta divisão e provavelmente o mais efetivo é a igreja evangélica. Assim como na América, me parece que algumas convicções profundas semeadas pela teologia Pentecostal estão produzindo um novo consenso de valor social no Brasil. Na América, George Whitefield, no século XVIII, pregando para multidões de colonos britânicos na Virginia ajudou a produzir a sociedade sem precedentes que nasceu em 1776.

A ideia da salvação individual que ele pregava, até então quase desconhecida, provocou ondas de avivamentos que chamavam para uma vida cristã holística, que cuidava do pobre e do necessitado, que se fazia presente em todas as esferas da sociedade e que valorizava a cada indivíduo como um cidadão. A partir de Whitefield os americanos rejeitaram a sombra da Europa injusta, de governo autoritário e sociedade dividida e lançaram as bases filosóficas de um Novo Mundo, onde todos são iguais diante de Deus e têm igual oportunidade de trabalho.

Teóricos liberais se esmeram hoje para semear a convicção de que o trabalho duro num mercado livre por si só vai gerar a sociedade justa com a qual sonhamos neste novo Brasil. Mas acredito que trabalho duro em si não gera mais justiça social. O que gera uma sociedade mais justa é o pressuposto básico da igualdade. Quando todos somos iguais, o trabalho do outro também merece um pago digno. As diferentes funções sociais e profissões se tornam complementares e todos têm acesso a viver com dignidade à custa de seu esforço próprio, ao invés de ter que contar com a esmola do Estado. A constituição indiana aboliu o sistema de castas no país em 1950; no entanto, na prática ele continuou existindo. A força da lei somente não opera o milagre da igualdade.

Na igreja evangélica se aprende que trabalho braçal não é desonroso e roupa velha não te faz menos gente. Para o evangélico, o grito primal da igualdade é o amor de Cristo. Porque Cristo nos ama primeiro, temos a obrigação de amarmos uns aos outros sem discriminação. Seu João do alto de sua origem aristocrata precisa de salvação tanto quanto o seu Manoel da venda, que é descendente de escravos. O Ricardo que estudou na faculdade precisa da salvação tanto quanto o Ricardo que trabalha tapando buracos na rua e nunca passou da quarta-série.

Engraçado é perceber que, apesar de nos termos nos livrado da esquerda, o novo direitismo ainda repete os velhos preconceitos que geraram o nosso Brasil estatista e aristocrático. A sociedade liberal depende de uma convicção de igualdade de valor entre os cidadãos que o Brasil do Verdevaldo ainda não cultiva.

Creio que a base teológica que pode nos salvar deste abismo de desigualdade está sendo nutrida pelas igrejas evangélicas, seja uma catedral revestida de granito, seja uma pequena garagem. Onde se prega salvação individual e o amor de Cristo, prega-se também a doutrina da igualdade de agência em sua melhor forma liberal. Declaro aqui a minha esperança. Que esta teologia venha a substituir num futuro próximo a percepção de valor relativo entranhada em nós, para que fiquemos livres do classismo elitista que atrasa o Brasil.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes