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Vendendo flores, jovem custeia curso de direito e sonha em se tornar advogada

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Vendendo flores, jovem custeia curso de direito e sonha em se tornar advogada

“Nem tudo são flores”, essa velha máxima é encarada por Júlia Galvão todos os dias. Mas a jovem mulher de 25 anos, com muita determinação, encontrou nos buquês de flores, que vende na noite, a saída para o sustento de seu lar. Com dois filhos e marido desempregado, Júlia ainda carrega o sonho de se tornar advogada. E é este sonho que a faz peregrinar quase todas as noites por bares da baixada cuiabana, para vender seus arranjos.

Sempre com sorriso no rosto, Júlia aborda casais nas animadas mesas de bares, incentivando rapazes a quebrarem o gelo durante a paquera e presentear as moças, que raramente negam o gesto de afeto.

Seu dom para as vendas despontou cedo. Aos sete anos de idade, Júlia e o irmão Thiago, à época com 10 anos, vendiam amendoim torrado. Para cativar a clientela, os dois tinham a animada frase “Quem vai querer amendoim descascadim, tostadim, salgadim e gostozim?” A venda era certeira. Os clientes achavam engraçado duas crianças fazendo a brincadeira trava-língua.

O pai, que trabalhava fazendo fretes, ensinou os filhos a, desde pequenos, valorizar a importância do trabalho e a ajudar nas despesas da família, mas sem abandonar os estudos. E foi assim que ele ajudou a filha a ingressar na faculdade.

Assim que iniciou o curso, a oportunidade em fazer estágio em uma delegacia de VG apareceu – o que contribuía para pagar as mensalidades de seu curso. Mas, com marido desempregado e dois filhos pequenos, Júlia se viu obrigada a despertar a vendedora ambulante que havia adormecido.

Desta vez, ao invés de amendoins torrados, flores. Começou vendendo em pequenos estabelecimentos próximos a seu bairro. Hoje Júlia vende em média 200 flores naturais e artificiais por semana com preços que variam entre R$10 a R$ 25 nos bares de Cuiabá e Várzea Grande. E foi assim, através das flores, que alcançou o quinto semestre de direito na Univag.

Júlia preparando os buquês para vender nos bares da cidade

Todos os dias vai ao viveiro e faz questão de escolher rosa por rosa. “Quando estou montando os buquês, imagino as mulheres que irão receber, e que talvez daquela simples rosa possa nascer uma linda história, ou fortalecer casais estremecidos. Por isso, faço com amor”, conta a moça, que recebeu flores de seu marido apenas uma vez. “Ele não faz o tipo romântico, mas é um pai excelente e um marido muito companheiro”.

Ela já chegou a vender 100 rosas numa noite, como aconteceu no show do cantor Fabio Júnior, onde homens apaixonados perguntavam pela moça das flores, na intenção de presentear suas amadas.

Infelizmente, o trabalho de Júlia não é um mar de rosas. Ela conta que já foi destratada na noite, como ainda existem homens deselegantes e lembra um fato constrangedor.

“Certa vez abordei um casal em um show na capital, como sempre faço, ‘boa noite, quer presentear essa linda moça com uma rosa?’ e, inesperadamente, ele me empurrou com o cotovelo, dizendo que eu estava atrapalhando. Ele gritava, e isso chamou a atenção de quem estava em volta. Todos me olhavam. Alguns com pena, outros sem entender o que estava acontecendo. Controlei o choro para não me vitimizar mais do que a situação já havia me exposto. Corri para o banheiro e lá desabei. Devo ter ficado chorando por 1 hora”, lembrou a moça, meio sem jeito e com a voz embargada.

Mas, para alegria de Julia, há aqueles que fazem questão de comprar suas flores. Como o cliente Leandro, que conquistou sua namorada através das flores.

“Esse é um daqueles clientes que salvam minha noite. Compra tudo que tenho nas mãos e às vezes manda buscar mais. Já nos tornamos amigos, tanto que mesmo quando ele não tem dinheiro em espécie na carteira, ele deposita o valor na minha conta no outro dia. Eu fico aliviada em poder vender para clientes como ele, porque tem noites que volto para casa sem vender nenhuma flor e essas vendas me ajudam muito. Também tenho cliente famoso, a dupla Humberto e Ronaldo sempre que me veem na multidão, compram todas as rosas e distribuem para as fãs”, conta, empolgada.

Como a quantidade de flores que vende não é suficiente para pagar as despesas do lar e arcar com os custos da faculdade, Júlia, mesmo contrariada, se viu obrigada a largar o curso de direito. O plano de concluir a faculdade persiste, mas a prioridade em alimentar os filhos interrompeu seus sonhos. “Encontro com meus colegas de sala na balada e eles me abraçam em demonstração de consolo. Me dá uma pontinha de tristeza em ver que eles já se formaram e eu fiquei para trás. É uma escolha injusta entre o leite dos das crianças e meu sonho”, reflete a moça em tom pensativo.

A simplicidade e amor como encara os percalços da vida são outras qualidades que surpreendem quem estudou com Júlia.

“Quando a encontrei, eu estava sentada num barzinho badalado. Levei um susto, minha colega de sala ali vendendo flores. A reação dela me surpreendeu, veio até minha mesa, sempre muito querida, eu é que fiquei sem graça, tanto que comprei as flores, e ela, toda feliz, agradeceu e foi vender em outras mesas. Quando a Júlia parou de ir, a turma da sala sentiu a falta dela, sabíamos o quanto ela batalhava para estar ali, porque sempre aparecia vendendo doces na sala”, contou Letícia Lobo, colega de Júlia e recém-formada.

Diante dos elogios da colega, Júlia ainda disse: “eu sei do meu valor, mas tem dias que bate o desânimo, o desespero. E ver a torcida dos meus amigos e da minha família me fortalece. Meu trabalho é digno e sei que ainda vou dar muito orgulho para meus filhos e meus pais, que hoje são feirantes. Serei uma excelente advogada para dar uma vida mais tranquila a eles, e as flores serão uma doce lembrança das minhas lutas”.

Júlia costuma vender seus buquês nos bares da Praça Popular, Choppão, Musiva, Mamuti, em Várzea Grande, e em eventos fechados quando é solicitada. Quem se interessar, o contato é: (65) 99240-4163

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