A Câmara Federal deve começar a votar neste ano um projeto de lei que autoriza a venda de até 25% de terras brasileiras para estrangeiros. O texto já passou pelo Senado, na última sessão em plenário de 2020, e causou alvoroço entre produtores rurais.
A autorização é vista como perda da autonomia de empresários brasileiros no próprio solo. A linha de raciocínio passa pela decisão de países compradores de grãos do Brasil de iniciar suas próprias produções em terras brasileiras.
A Associação dos Criadores de Gado de Mato Grosso (Acrimat) vê risco de mercado na flexibilização. Segundo ela, se aplicado o limite de 25% aos 10 maiores municípios de Mato Grosso, uma área no tamanho da Paraíba (cerca de 56 milhões de km²) poderia passar para o domínio de outros países.
Mas o argumento contra a aprovação utiliza o aspecto político. A expressão já afinada nos partidários do contra é que o Brasil poderá “virar curral” dos países de primeiro mundo.
“Os fatores que compõem o tripé da produção são terra, capital e trabalho. Muitos países importadores de nossos produtos possuem capital para adquirir grandes áreas no Brasil, que passarão a produzir o que compram hoje de nós. Sem sombras de dúvidas este projeto de lei não serve para o Brasil; afinal, está em curso a transferência de boa parte da logística brasileira para estrangeiros, mas entregar nossas terras produtivas não é uma ação de cidadania”, diz a Acrimat.
Balão de ensaio
O Projeto de Lei 2.963, do senador Irajá (PSD-TO), começou a tramitar no Senado em 2019 e somente entrou em pauta de votação no afogadilho da última semana de atividades do ano passado no Congresso. Houve resistência de alguns parlamentares, mas ela não impediu a aprovação e remissão para a Câmara.
O senador Wellington Fagundes (PR-MT), membro da Comissão de Agricultura, afirma que a decisão serviu mais para “desencalhar” o projeto e colocar em debate um assunto que já ronda o Congresso há alguns anos. E essa percepção teria sido compartilhada pelos senadores que votaram a favor.

“Esse assunto estava parado há algum tempo no Senado e nunca foi discutido abertamente com a sociedade. A aprovação dele é para incitar essa discussão; se deixássemos passar essa oportunidade agora, daqui dois anos ele voltaria de novo”, disse ele por meio da assessoria de imprensa.
A aposta dos senadores é que, na Câmara Federal, o assunto vai gerar mais polêmica. A díade de direita e esquerda entre os deputados é mais definida e protestos de progressistas e nacionalistas devem aparecer, quando o projeto entrar em pauta.
Sem conflito constitucional
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Marcelo Theodoro diz que não há empecilho na Constituição Federal para o aumento do limite de venda de terras brasileiros a outros países.
O assunto está livre para a discussão âmbito político, justamente nas propostas de lei que regulem, temporariamente, o comércio.
“Juridicamente, não há nada que impede a aprovação do projeto de lei. A Constituição não traz nenhuma observação sobre isso. E o projeto em andamento no Congresso trata as empresas estrangeiras da mesma maneira que as brasileiras. Então, não há por que reclamar”, comenta.
Ele diz que o conflito que poderá surgir – e já foi anunciado pela reação de alguns segmentos – está mais para a manutenção do prestígio do mercado brasileiro. E a regra de tratamento de empresas cabe ao agronegócio, que evoluiu de um perfil mais de sustentação populacional para um ramo empresarial.
“Se for ponderado o aspecto nacional, da presença de outras empresas em serviços no Brasil, teríamos que repensar a telefonia e outros serviços, como o novo marco regulatório do saneamento básico que, com certeza, vai ter capital estrangeiro”, ele pontua.