Ednilson Aguiar/ O Livre
O caminhoneiro Vanderley era o último da fila de carretas rumo ao porto de Miritituba (PA)
Em meio aos motoristas das três mil carretas paradas nos atoleiros da BR-163, entre o distrito de Moraes de Almeida e Bela Vista do Caracol, o paranaense Vanderley Del Sent era o que tinha mais motivos para ficar desanimado. No último lugar da fila de mais de 50 quilômetros, ele contabilizava 16 dias de sofrimento quando conversou com a reportagem do LIVRE.
Aos 57 anos, dos quais 39 são dedicados ao transporte de cargas, ele estava impaciente, gesticulava, andava de um lado para o outro, parecia querer compactar a terra com os pés. “O que nós precisamos aqui é de um engenheiro”, esbravejava, enquanto aguardava sua carreta ser puxada por um trator de esteira para, enfim, seguir viagem.
Atento aos acontecimentos políticos, o caminhoneiro disse acompanhar a movimentação em Brasília em relação às medidas tomadas para desafogar o trânsito na região. Com o celular na mão, mostrou vídeos recebidos em grupos de WhatsApp. “Essa obra é urgente para 2017, não podemos esperar o próximo ciclo da soja em 2018, o milho vem aí”, afirmou.
Foi essa tecnologia que também amenizou a saudade de casa. Morador de Sinop, Vanderley deixou por lá esposa, dois filhos e três netos. “Essa situação é terrível, longe da família, tenho filho na faculdade, caminhão para pagar, oficina para pagar. É uma situação dramática”, lamenta.
Na região, poucas operadoras de telefonia móvel funcionam. Para o contato com qualquer parte do mundo, moradores e caminhoneiros utilizam aplicativos que funcionam via internet. Postos e restaurantes com wi-fi liberado são os favoritos pelos que utilizam a via.
Mesmo com chegada das cestas doadas pelo governo federal, Vanderley não tinha recebido os mantimentos prometidos. Passou semanas comendo bolachinhas de manhã, tarde e noite. Banho era privilégio quando avistava um riacho próximo a estrada ou quando a chuva chegava. “Às vezes entramos nuns banhados em meio as sucuris”, conta.
Ednilson Aguiar/O Livre
Trator de esteira guincha carreta em uma das subida do atoleiro na BR-163
Reencontro
Debaixo de chuva, nos despedimos do caminhoneiro e seguimos rumo a Trairão, onde passamos a noite. No dia seguinte, saímos com destino ao porto de Miritituba, na margem direita do rio Tapajós. Passamos a manhã no local colhendo depoimentos.
Aproveitamos para conhecer o município de Itaituba, gastamos 27 minutos só para atravessar o Rio Tapajós por meio da balsa. Almoçamos e, como o tempo estava bom, decidimos voltar por todo o trecho com objetivo de chegar a Novo Progresso até a noite.
Deu certo, mas, para a nossa surpresa, quem tinha andando uns dois ou três quilômetros apenas tinha sido seu Vanderley. O encontramos com a mesma roupa, continuava sem comida e com uma ideia fixa: não voltar tão cedo a descarregar nos portos do Arco-Norte, em razão das péssimas condições da via. “É revoltante”, dizia ele ao mesmo tempo que rezava para a chuva não cair.
Assim como ele, outros 15 caminhoneiros continuavam no atoleiro com as carretas carregadas de soja. Algumas com a soja já brotando e fermentando devido ao forte calor. “O pessoal fala muito do prejuízo com a soja, mas e o nosso? Quando faz sol temos que ficar embaixo das carretas, pois na cabine é muito quente. Quando chove entramos na cabine, mas não podemos ligar o ar para não acabar com o diesel”.
O caminhoneiro só conseguiu descarregar no porto na segunda-feira (06/03). De volta ao trecho, passou pela base do Exército e Defesa Civil onde – até que enfim – recebeu a cesta básica. “Uma cesta boa”, avaliou.
Seu Vanderley só foi chegar em casa no final da tarde de terça-feira (07/03). “Agora estou no QTH sossego”, brinca, em alusão aos códigos que os caminhoneiros utilizam para se comunicar via rádio. QTH quer dizer “posição da estação”. Ao lado da família e brincando com os netos, disse querer esquecer o tempo em que ficou bebendo água quente, sem ter o que comer.
Arquivo Pessoal
Em casa, seu Vanderley mata a saudade de um dos netos depois de 20 dias na BR-163