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Umbanda: Uma ode à fé e aos Orixás

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Umbanda: Uma ode à fé e aos Orixás
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

O som do atabaque anuncia: a gira está começando. A voz do pai de santo Jupirany D’Ode declama o primeiro cântico da noite: “Meu anjo na guarda, bendito sejais, em nome de Deus, seus filhos guardais”. Na sequência, todos os filhos da casa seguem entoando a canção.

A Umbanda é uma religião monoteísta, com matrizes africanas, criada no Brasil em 1908, com influências do espiritismo e do catolicismo. Nela, são cultuados nove Orixás, divididos em sete linhas. Mas, antes de se aprofundar nesse universo de amor, fé e caridade, vamos entender algumas palavras do linguajar dos umbandistas.

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O LIVRE conversou com pai de santo e mentor espiritual Jupirany D’Ode e com sua esposa Tanane D’Oxum, que contaram um pouco mais sobre a Umbanda. Juntos, eles são os responsáveis pela Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas das Matas, que funciona no Bairro Flamboyant, em Cuiabá, há 10 anos.

Jupirany, desde pequeno, foi criado dentro da religião, visto que seus pais eram praticantes, inclusive o pai era médium e “incorporava”. Já Tanane estudou em colégios católicos e mais tarde foi espírita, mas foi na Umbanda que ela afirma ter encontrado sua espiritualidade.

“Nossa iniciação aconteceu a partir do momento em que eu descobri a felicidade dentro dessa religião. E agradeço muito aos guias e aos Orixás, por hoje poder iniciar outros, poder ajudar outras pessoas”, disse Tanane.

A Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas das Matas trabalha com giras de Umbanda abertas ao público e toca o Candomblé somente para os filhos da casa, pessoas iniciadas na religião no terreiro.

A criação da Umbanda

Em 1908, no Rio de Janeiro, o médium Zélio de Moraes, recebeu a primeira entidade que desceu em terra, ela se chamava Caboclo das Sete Encruzilhadas. Ao descer, ele disse a todos participantes que lá estavam que naquele momento estava sendo criada uma nova religião.

A única religião com raiz brasileira tem três princípios: amor, fé e caridade. Por meio dessas três virtudes, a Umbanda busca auxiliar para que todos alcancem o entendimento, a felicidade e a evolução espiritual.

Umbanda
Atendimento na Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas das Matas

Quando Zélio recebeu o Caboclo, estava em um centro espírita Kardecista (seguidores de Allan Kardec), o que fez com que a religião tivesse também muito do kardecismo, como a busca pela evolução, sendo a principal diferenciação que a umbanda tem incorporações e o kardecismo não.

A influência do catolicismo também é forte e vem desde a época da escravatura. Vários santos da igreja Católica foram sincretizados juto com os Orixás da Umbanda, para que os escravos pudessem fugir da perseguição dos jesuítas à época.

“Temos vários exemplos, como São Jorge da igreja católica, que é Ogum, nosso Orixá. São Sebastião da igreja católica é Oxóssi na Umbanda. São Lázaro é Omulu”, disse o pai de santo Jupirany de Ode.

A Umbanda também é muito próxima do Candomblé, com algumas diferenças. Na primeira são cultuados nove Orixás, que são representados em imagens no altar, na segunda 16, ou mais, dependendo na nação e não são representados em imagens.

Imagens de entidades Caboclos (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

“Na Umbanda cantamos para todas as entidades e Orixás em português. Já no Candomblé temos giré em yoruba, que é o dialeto africano. Na Umbanda nós trabalhamos com as entidades chamadas guias de luz, que dão passes, fazem atendimento, falando em português, conversando com os consulentes. No Candomblé incorporam os Orixás, que não dão passe e não conversam. No Candomblé, a adivinhação é feita pelo jogo de búzios, os consulentes procuram seu pai de santo, babalorixá, para que ele possa fazer as adivinhações. Na Umbanda quem faz esse trabalho de adivinhação, de elevação espiritual, são os guias”, exemplificou Jupirany.

Apesar das diferenças, também há muitas semelhanças estre as duas religiões, visto que ambos possuem raízes africanas, como o toque do atabaque, alguns Orixás, o uso dos fios de conta – os colares de pedras que os praticantes usam – e as roupas brancas.

As crenças

O umbandista acredita em um único Deus, responsável pela criação do céu, da terra, dos homens, dos Orixás e dos guias.

Assim como no catolicismo, eles acreditam na vinda de Jesus à terra. Para eles, Cristo foi o primeiro médium que existiu, além de o grande salvador. Na religião ele é representado como Oxalá, o dono da criação.

Eles cultuam nove Orixás, cada um possui seu papel diante da evolução da humanidade. Para eles, todas as pessoas são guiadas por dois Orixás, chamados pai e mãe de cabeça.

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Todas as pessoas têm graus de mediunidade diferentes – alguns conseguem ouvir, outros conseguem ver, pressentir, incorporar -, esse grau pode ser evoluído com tempo e estudo.

“Uma pessoa que nunca sentiu nenhum guia próximo dele, de acordo com o tempo, com a evolução e com a participação dele dentro da casa pode evoluir para começar a desenvolver nesse sentido. Mas tem gente que realmente não consegue, porque o sentido e a credibilidade dele são direcionados para outra coisa”, disse o pai da casa.

Isso, conforme a crença umbandista, tem a ver com a missão de cada um na terra. Se você não cumpre a sua missão, volta à terra, reencarnado em outro corpo, até que sua missão esteja completa e você se torne um espírito de luz, como as entidades que os médiuns incorporam, que depois de alcançar sua evolução voltam para ajudar espíritos mais novos.

Cada pessoa, na concepção da casa de Jupirany e Tanane, tem, no mínimo, sete guias espirituais/entidades. Isso depende do nível de espiritualidade que o médium está em seu desenvolvimento. E dentro disso, cada pessoa tem um “guia chefe”, que vai comandar o direcionamento dos trabalhos e a evolução do médium.

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Os terreiros

Congá, seara, barracão, roça, terreiro… diversos nomes são dados aos lugares onde a religião é praticada. Eles podem ser na própria casa do médium, em um quarto separado, em que ficam as imagens e se realizam as cerimônias de chamamento das entidades.

“Desde que esse local tenha sido energizado e preparado para isso, que nesse local não se faça outra coisa a não ser aquilo, que essa pessoa que está começando essa seara tenha por trás dele um mentor espiritual, que vai direcionar, fazer essa limpeza, essa consagração, para aquele local servir para esse propósito, pode ser feito em qualquer lugar”, afirmou Jupirany.

Nos terreiros geralmente é pedido que todos entrem de pés descalços, visto que os umbandistas acreditam que a energia vem dos pés.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

A predominância do uso da cor branca também é comum. Para eles, o branco representa a pureza, a paz, o límpido de ser. Se você se veste de branco, “está com o corpo e a alma limpos e limpo vai ficar”, disse o pai de santo.

As cerimônias na casa costumam ter um ritual de trabalhos, começando pelo canto de louvores para os Orixás, passando pela energização da casa cantando para as entidades e chegando à incorporação.

Na Tenda Espírita Caboclo Sete Flechas das Matas, por exemplo, começa com o toque do atabaque, passa pela música para o anjo da guarda, depois a defumação dos filhos da casa, dos consulentes e da casa, inicia-se a gira, os filhos batem cabeça – reverenciam os pais da casa, os Orixás, as entidades e a casa – e são iniciados os pontos (músicas) para os Orixás.

“Agora isso depende muito de casa para casa, como vai abrir até o fechamento da gira, os pontos cantados dependem da casa, de pai de santo para pai de santo”, disse Jupirany.

Filhos da casa

Os “filhos da casa” de cada terreiro são pessoas que fizeram a iniciação dentro da Umbanda naquele local, o chamado Amaci, uma espécie de batizado, em que é feito um “banho de cabeça” dentro da casa, louvando os Orixás, com a proteção deles.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

“Esse banho de ervas é dado de acordo com o mentor, com o Orixá de cabeça de cada iniciado que vá começar a frequentar a casa. É feito em dia, hora e data direcionada de acordo com o guia chefe dessa casa, que no nosso caso é o Caboclo Sete Flexas das Matas”, disse o pai da casa.

O Amaci é a permissão para começar a evolução e o tratamento espiritual dentro da casa, iniciando a busca pelo entendimento entre a pessoa e as entidades que deve trabalhar, para que possa auxiliar quem vem em busca de conforto e de soluções de problemas.

A Umbanda oferece ajuda através de banhos, passes, defumação e conversas, que permitem saber a necessidade de cada pessoa que vai à casa buscando ajuda.

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A morte e as doenças

A vida é vista pelos umbandistas como uma passagem, uma ponte para a evolução espiritual. Desta forma, quando a pessoa morre, para eles, o espírito permanece evoluindo, ou não, conforme ele tiver vivido durante a reencarnação.

Jupirany D’Ode e Tanane D’Oxum, pai e mãe da casa (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

A morte, segundo disse Jupirany D’Ode, “é uma passagem para a reencarnação em uma próxima vida”. Já as doenças, eles separam de duas formas, as enfermidades imunológicas – como a gripe, a febre amarela, a catapora -, e a parte espiritual – como as angustias e depressões.

As enfermidades imunológicas devem ser tratadas por médicos, que na religião são chamados de homens de branco. Já a parte espiritual são trabalhadas junto aos guias, para que com o entendimento do que se está sentindo, e porquê, a pessoa consiga afastar de seu caminho a raiz do problema.

Mudança da vida

Com a ideia de sempre buscar a evolução através do amor, da fé e da caridade, a umbanda já mudou a vida de muitas pessoas. A casa de Jupirany e Tanane, por exemplo, já recebeu centenas de pessoas com problemas de saúde, da depressão até a cegueira.

“Buscamos acolher essas pessoas que vêm buscar ajuda, nos doamos e procuramos acolher todas as pessoas que nos procuram, dando caminho e orientação”, disse o pai de santo.

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Oferenda para Caboclo, feita na mata

Nem todos são gratos, mas, muitas pessoas, após alcançarem o que buscavam, retornam para ajudar a manter a casa. Psicóloga há 21 anos, Cláudia Cristina Borges Assumpção, 45 anos, é um dos exemplos. Filha da casa de Jupirany, ela já tinha participado da igreja católica e da evangélica e procurou a Umbanda pela primeira vez por curiosidade.

Após fazer alguns questionamentos ao pai de santo, ela se sentiu segura e continuou a ir ao local. Hoje, ela é umbandista há quatro anos e também levou as filhas, de 10 e 11 anos, para a religião.

“E isso foi tão importante na minha vida, não só espiritualmente. As minhas filhas também são iniciadas na Umbanda e a partir daí muita coisa mudou na nossa vida, algumas percepções pessoais, psíquicas e a rotina do dia a dia. A religião nos ensina a ter discernimento das coisas de forma mais clara, mais objetiva”, disse Cláudia.

As giras geralmente são feitas no escuro, como na foto, somente para a matéria as luzes foram acesas (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Feliz com a religião, ela acredita que até hoje uma das coisas que mais pesa é o preconceito, visto que quando se fala em “Orixás e entidades”, muitas pessoas tem a concepção de que é algo mal.

“Eu penso que hoje o nosso maior desafio é fazer com que as pessoas entendam a religião como qualquer outra, que tem sua disciplina, seus dogmas, seus rituais, só que as pessoas não conseguem entender isso, talvez pela falta de conhecimento”, disse a psicóloga.

“Eu jamais traria as minhas filhas, uma de 10, outra de 11, sem ter a convicção de que aqui é um lugar onde elas vão aprender algo para o resto da vida delas, que é o respeito, a disciplina, a dedicação, o amor pelo próximo, fazer o bem sem olhar a quem, que é o principal objetivo da Umbanda e do Candomblé, é uma religião de muita dedicação”, completou.

Assim como a Umbanda agiu na vida de Cláudia, fez o mesmo pelo agrimensor e contador Gonçalo Carmindo de Moraes Junior, 47 anos. Apesar de não ser filho da casa, ele já frequenta o local assiduamente há oito anos.

Alguns dos grandes marcos da religião são o respeito, a devoção e a disciplina (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Exemplo de fé, Gonçalo viveu uma experiência única pelo qual é muito grato. Ele soube, através das entidades, que perderia a visão, um ano antes de acontecer.

“Em 2014, duas entidades chamadas Zé Pilintra e Zé Boiadeiro, me orientaram que eu teria uma missão com a minha visão, em que se eu não tivesse fé ficaria cego”, contou o contador.

Em 2015 ele perdeu parte da visão e passou por uma grande dificuldade. Gonçalo teve que recomeçar a vida, perdeu seus bens, ficou debilitado, fez a cirurgia, mas, sem perder a fé, nunca abandonou a Umbanda e se reergueu aos poucos.

“A gente tem que ter fé, se você não tem fé não adianta você ir na religião desacreditado. Muitas pessoas pensam que se forem na Umbanda já vão resolver o problema em um estalar de dedos, mas eu passei uma dificuldade, passei até necessidades em 2015. 2016 comecei a melhorar e em 2017 já consegui até viajar para o litoral. Tudo isso graças à Umbanda”, disse Gonçalo.

“As pessoas acreditam: ‘ah, vou entrar na Umbanda, vai fazer uma mágicazinha, eu vou ficar rica, vou conseguir a pessoa que eu tanto amo, vou fazer a viagem que eu tanto desejo’, as coisas não são bem assim, a dedicação que a gente tem com a religião a cada dia nos mostra realmente esse discernimento das coisas para que a gente comece a fazer escolhas corretas. Não existe uma varinha de condão, mas sim a dedicação”, completou a psicóloga Cláudia.

Jupirany D’Ode e o altar, com os Orixás da Umbanda e os santos da igreja Católica correspondentes (Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Jupirany disse que, assim como todo umbandista, eles estão sempre prontos para ajudar as pessoas na evolução.

“A Umbanda cuida da alma, do espírito, eleva e ajuda a cicatrizar a carne. A evolução para o espírita é tudo, é a cura da alma, é o sentimento de liberdade do ser, a evolução é o caminho para encontrar de fato o céu”, disse o pai de santo.

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