Cidades

Um dia com os bombeiros: heróis de farda da vida real

15 minutos de leitura
Um dia com os bombeiros: heróis de farda da vida real
(Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

No dia 19 de agosto de 1964, o Corpo de Bombeiros inaugurou seu primeiro batalhão em Mato Grosso. Com o lema “vida alheia e riquezas salvar”, há quase 54 anos centenas de heróis de farda dedicam seus dias a salvar vidas e bens de cidadãos mato-grossenses.

A reportagem do LIVRE passou um dia com o 2º Batalhão de Bombeiros Militar, em Várzea Grande, participou de algumas ações que fazem parte do dia-a-dia dos militares e, agora, apresenta a vocês, leitores, como é sentir na pele o peso do trabalho de heróis da vida real.

YouTube video

Ingresso

A única forma de ingresso na corporação dos bombeiros é através de concurso público. Atualmente, há o curso de formação de soldados – que tem duração de seis meses e cujo ingressante pode ter formação superior em qualquer área – e o curso de formação de oficiais (CFO) – cujo interessado precisa ter formação em direito.

Desde que houve a mudança da lei, que agora pede a obrigatoriedade da formação, ainda não houve novos concursos. Mas, até a última turma aprovada, ainda não havia os cursos de formação em Mato Grosso e, por isso, os alunos eram enviados para Goiás, Rio de Janeiro, Paraíba, Brasília, Ceará e Pará.

Depois de formados, os militares – que saem da formação aptos a trabalhar em qualquer área de atuação dos bombeiros – participam de cursos de áreas específicas, como o salvamento terrestre, aquático, de altura, combate em incêndio, busca e resgate com cães, entre outros.

“Fica a critério do militar inscrever-se nos cursos, nesses casos não são obrigatórios, cabe ao interesse do militar”, explicou o major Mário Henrique Faro Ferreira, comandante do 2º BBM.

(Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

Faro, hoje com 32 anos, passou no concurso de CFO bombeiro, que à época era realizado junto ao vestibular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 2004. Eram cinco vagas para homens e uma para mulher. Depois de aprovado, ele iniciou o curso em janeiro de 2005. A turma foi dividida, dois foram enviados para a Paraíba (caso do major) e quatro para o Rio de Janeiro.

O curso teve duração de três anos. Em janeiro de 2008, ele retornou para Mato Grosso como aspirante a oficial, cargo ocupado por seis meses e uma espécie de estágio supervisionado. Durante seus 13 anos de carreira, trabalhou nos batalhões de Sinop, Cuiabá e Várzea Grande, tornando-se comandante do 2º BBM – a primeira unidade que serviu – este ano.

O comandante explicou ao LIVRE um pouco mais sobre o trabalho dos bombeiros nas diversas ocorrências em que são empregados, alguns deles exemplificados no vídeo. Na sequência, explicamos os pormenores de alguma das ocorrências mais comuns.

Busca por vítima em incêndio

Nesse tipo de ocorrência, os militares precisam utilizar o tato e a audição para realizar o salvamento, visto que a fumaça causada pelas chamas impede a visibilidade do local e, por isso, os bombeiros precisam encontrar as vítimas sem poderem ver onde elas estão.

“Eles vão no chão, arrastando, para poder salvar a vítima. A fumaça é mais leve, ela sobe, então é melhor o bombeiro andar arrastando, sempre tateando, porque não adianta ele entrar no local sem ter referência, e seguindo a parede ele consegue ter referência de onde ele está no ambiente”, detalhou o major Faro.

É uma atividade de bastante risco, mas que, com o passar dos anos, foi ganhando novos equipamentos auxiliares. Atualmente, o equipamento essencial para esse tipo de salvamento é o de proteção respiratória, que possui ar comprimido e é vedado, para que o bombeiro consiga respirar mesmo com a presença da fumaça em todo o ambiente.

[featured_paragraph]“O problema dele é que não dura muito. Conforme o bombeiro vai cansando na atividade, ele vai respirando mais rápido, então o bombeiro tem que estar calmo, dosar, para o ar comprimido durar a maior quantidade de tempo”, contou o comandante.[/featured_paragraph]

Se o militar conseguir manter a calma, o ar comprimido deve durar, em média, 20 minutos, diminuindo o tempo de duração conforme o grau de nervosismo. Em uma atividade recente da corporação, o Bombeiros de Aço, por exemplo, o nível de dificuldade era tão alto que em alguns casos o cilindro durou em torno de três minutos.

Em ocorrências de busca por vítima em incêndio, os bombeiros trabalham sempre, no mínimo, em dupla, para, caso aconteça algo, ter outra pessoa para ajudar. Quando encontram a vítima, o procedimento padrão é a retirada da vítima o mais rápido possível, visto que os militares não carregam outro cilindro/máscara para que a vítima também possa ter a respiração privada da fumaça presente no ambiente.

Busca, resgate e salvamento com cães

Quem começou esse tipo de atividade no Corpo de Bombeiros de Mato Grosso foi o major Rafael Ribeiro Marcondes, com a cadela Sheron, que já resgatou várias vítimas. Os binômios, como são chamados os trabalhos de resgate em parceria entre cão e homem, são utilizados em todo o mundo.

“Eles têm o faro apurado, coisas que nós demoraríamos a localizar, os cães conseguem fazer com mais rapidez. Eles precisam dos condutores do lado, mas a atividade deles é essencial para busca de pessoas desaparecidas”, disse o major Faro.

(Foto: Ednilson Aguiar)

No 2º Batalhão de Bombeiros, em Várzea Grande, há um canil. Em Mato Grosso, porém, é utilizada a prática dos cães morarem junto aos seus tutores, para que haja maior cumplicidade entre o animal e o militar.

Há várias formas de treinamento. Uma delas, para o caso de buscas a corpos, é colocar um pedaço de pele humana com sangue dentro de um cano e jogar para o cachorro, para que ele aprenda esse cheiro e, com o tempo, saiba identificar o odor de um corpo em uma ocorrência real. Cada vez que o cachorro consegue encontrar o que lhe é proposto, ele recebe uma recompensa – comida, bola, ou carinho -, visto que, para eles, tudo é uma forma de brincadeira.

“Porque se o cão acha e você não dá uma recompensa ele fica frustrado. E se ele não achar no treinamento, você precisa auxiliá-lo, senão ele também ficará frustrado. Tem uma série de técnicas para isso”, destacou o comandante.

Os cães também são utilizados em buscas na água, de pessoas vivas ou mortas. Isso porque eles reconhecem o cheiro do gás que o corpo solta conforme passa o tempo de morte, além do cheiro das pessoas.

Corte de árvore

Os bombeiros só realizam o corte em casos de risco eminente, caso haja a real possibilidade da árvore cair sobre uma casa. Muitas pessoas procuram os militares pedindo o corte, mas o major Faro fez questão de frisar que o corte só é realizado pelos bombeiros quando há real necessidade.

“O bombeiro é emergencial, é quando caiu, ou quando está na eminência de cair. Vai cair em uma casa? Ou a árvore está podre e perto de cair? É função do bombeiro retirar essa árvore, para salvaguardar vidas e bens”, disse o comandante.

Incêndio florestal

Em Mato Grosso, os bombeiros atendem esse tipo ocorrências em grande quantidade em dois períodos. De dezembro a março há muita chuva, o que provoca quedas de árvores. De junho ao início de outubro é época de seca, com muitos incêndios de vegetação. Segundo o major Faro, os bombeiros chegam a receber mais de 30 ocorrências diárias envolvendo incêndio em terrenos urbanos na baixada cuiabana.

“Em Mato Grosso ainda há uma característica comum, a pessoa junta folha no quintal e coloca fogo para limpar. E nessa época seca, você percebe pelo cheiro que tem fumaça, que tem vários focos na cidade, mas o pessoal continua colocando fogo e o bombeiro vai apagando, mesmo não conseguindo atender todos os chamados, porque a gente tem que selecionar as ocorrências, termina uma e vai para a outra. Nessa época de seca, as viaturas não param”, contou o major Faro.

(Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

A prioridade é sempre em locais que tenham residências próximas ao foco de incêndio. Além das ocorrências nas cidades, os bombeiros ainda são muito chamados nessa época para atender ocorrências em parques florestais e em fazendas, com queimadas que fogem do controle. A Serra de Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, por exemplo, todo ano sofre uma grande queimada nesse período.

Atualmente 20 cidades mato-grossenses possuem brigadas de incêndio, mas na época da seca o Batalhão de Emergências Ambientais faz convênio com algumas cidades que queiram ter bombeiros. Esses locais recebem uma equipe de bombeiros e uma de brigadistas da prefeitura. Elas usam o caminhão da corporação ou um caminhão pipa, e revezam na cidade durante o período de seca, para diminuir o número de incêndios florestais.

Essas equipes também desempenham atividades preventivas, orientando os moradores através de entrevistas em rádios e canais de TV.

O Corpo de Bombeiros ainda conta com dois aviões de combate a incêndios florestais de maiores proporções. Em serras, por exemplo, muitas vezes as chamas são muito altas, o que atrapalha a ação por terra, então os aviões passam a ser a opção viável.

Salvamento veicular

Atualmente, em Cuiabá e Várzea Grande, o atendimento pré-hospitalar em casos de acidentes é feito pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Antigamente era feito somente pelos bombeiros, como ainda é feito na maioria das cidades do interior, que ainda não possuem SAMU.

(Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

Porém, sempre que há uma vítima presa às ferragens o Corpo de Bombeiros é acionado para cortar o veículo e fazer a retirada, tanto com a vítima viva, quanto quando a pessoa já está em óbito – nesses casos as vítimas são retiradas depois que a Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) faz a perícia.

“É uma atividade bastante complexa, ela está dentro das atividades de salvamento terrestres, mas a gente especificou, porque tem muitas particularidades. Antigamente estragavam-se muitos materiais porque não tinha técnica correta para fazer, hoje usa-se o desencarcerado, tem toda uma técnica”, disse Faro.

Existem várias técnicas de corte, os militares conseguem destrinchar um carro para que a vítima seja retirada, respeitando a particularidade de cada acidente e retirando a parte que seja necessária.

Animais em locais de risco

Comumente o trabalho dos bombeiros também é ligado ao salvamente de animais em situações de risco, como um gato que subiu em uma árvore. Esse tipo de ocorrência costuma ser diminuída pelo senso comum, mas o major Mário Henrique Faro Ferreira afirmou que essa é uma atividade comum dos bombeiros.

“O gato está em cima da árvore? É um local de risco, é uma obrigação nossa. ‘Tem um gato do forro, é atividade do bombeiro?’ É”, afirmou o comandante o 2º BBM.

Foto: PMMT

Animais encontrados na pista, como cavalos e bois, também estão inclusos nesse tipo de ocorrência – visto que quando um carro bate em um animal na rodovia isso pode levar à morte das pessoas e dos animais -, assim como quando animais caem em locais de difícil retirada, como piscinas, poços e fossas.

Em casos de “extermínio” de insetos, como abelhas que estão oferecendo riscos para pessoas e animais, os bombeiros também são acionados.

O grande problema em ocorrências que envolvem animais, segundo Faro, é a destinação do animal depois do salvamento, já que, muitas vezes, não há a informação de quem é o responsável por ele.

Salvamento aquático

Como Mato Grosso tem muitos rios e lagos, o Corpo de Bombeiros não consegue cobrir toda a área com militares para salvar vidas em casos de ocorrências. Para evitar ainda mais casos, os bombeiros costumam fazer campanhas educativas sobre riscos de afogamento.

Foto: Reprodução

Dificilmente quando acontece o afogamento há uma equipe dos bombeiros a postos para fazer o salvamento, normalmente os mergulhadores de resgate são acionados já para buscar o corpo.

“O que acontece quando a pessoa vai a óbito na água? Ela desce. Depois de 24 horas, devido aos gazes do corpo, ela boia, mas, geralmente, é no segundo dia que acha, porque no primeiro dia ela está no fundo, ai tem que ir a equipe de mergulho. Mas a maioria das vezes achamos no segundo dia”, disse o major Faro.

O cão é muito utilizado nesse tipo de ocorrência também, ele fica na margem do rio, ou dentro do barco, e aponta para onde está o corpo, porque ele consegue identificar a pessoa através do cheiro dos gases.

Salvamentos em altura

São poucas ocorrências que envolvem altura, segundo o comandante Faro, não chegam a ter 10 ocorrências por ano nas cidades. São casos de tentativas de suicídio em pontes, ou torres, ou de retiradas de vítimas em incêndios em prédios, por exemplo.

“Só que os especialistas em altura podem utilizar as amarrações no salvamento terrestre, ou em corte de árvore, descida em poço. As amarrações de altura conseguem auxiliar bem em outras necessidades”, disse o major.

(Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

Segundo Faro, apesar de ser uma especialidade, todo bombeiro precisa saber fazer um rapel com uma vítima, para caso haja a necessidade. E, para ocorrências de tentativas de suicídio, os bombeiros também passam por instruções para saber como negociar com suicidas, até mesmo com negociadores do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE).

Treinamento físico

Para aguentar passar por todas as atividades que exigem enorme preparo físico, os bombeiros passam por muito treinamento. Eles assumem os plantões às 8 horas, porém, se apresentam às 7 horas para realizarem atividades físicas, como corrida, natação, atividades de crossfit e treinamento funcional.

O plano futuro, ao menos do 2º Batalhão de Bombeiros Militar, é que eles passem a treinar fisicamente para possíveis ocorrências reais. “Um exemplo: subida em prédio equipado, com o equipamento de bombeiro, capacete, capa, calça e cilindro. Ir em um prédio de 15 andares e passar a treinar em quanto tempo eles conseguem subir”, contou o comandante da unidade.

Eles já possuem algumas atividades como essa, mas a ideia é que esse tipo de treinamento passe a ser realizado uma vez por semana.

(Foto: Suellen Pessetto/ O LIVRE)

Uma homenagem do LIVRE a centenas de bombeiros que dedicam suas forças a salvar vidas.

LEIA TAMBÉM

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes