Colunas & Blogs

Trabalho Doméstico Análogo à Escravidão

4 minutos de leitura
Trabalho Doméstico Análogo à Escravidão
(Foto: Divulgação)

Carla Reita Faria Leal
Emanuelle Lelis

 

Em face do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, dia 28/01, trataremos do recente e emblemático caso da doméstica Madalena Gordiano.

Em dezembro de 2020, após uma reportagem exibida pelo programa jornalístico Fantástico, da Rede Globo, a história de Madalena Gordiano tomou os portais de notícias e o debate público brasileiro, uma mulher de 46 anos que por mais de 3 décadas viveu em situação análoga à escravidão, servindo como trabalhadora doméstica a uma família abastada do interior de Minas Gerais.

Sua triste história de cárcere e uma vida de direitos negados teve início aos 8 anos de idade quando bateu à porta dos antigos “patrões” em busca de comida. A família que a atendeu, os Milagres Rigueira, negou-se a fornecer alimentação e, em vez disso, resolveu “adotar” a criança. A partir desse dia foram 38 anos de abusos, tendo suas liberdades pessoais cerceadas, como, por exemplo, a oportunidade de estudar, e a ausência total de qualquer respeito a direitos trabalhistas por trabalhar como empregada doméstica na casa, tais como salário, férias e descanso semanal remunerado.

A trajetória de Madalena teve uma reviravolta no dia 28 de novembro de 2020 ao ser resgatada do local onde vivia enclausurada e vigiada. A partir de denúncias de vizinhos, Auditores Ficais do Trabalho encontraram-na em um minúsculo quarto de um apartamento em Patos de Minas.

Infelizmente, a maioria dos brasileiros que vivem em condições semelhantes não possuem o mesmo destino. No Brasil, de acordo com o Índice Global de Escravidão de 2018, publicado pela Walk Free Fundation, estima-se que há cerca de 370 mil pessoas vivendo em situação análoga à escravidão. Para se ter uma ideia, deste número estimado, apenas 1.054 pessoas foram libertadas de tal situação no país no mesmo ano (2018).

O trabalho escravo moderno é uma chaga observada em diversos setores, como o agrícola, o têxtil e o extrativista. Suas manifestações possuem normalmente traços como submissão a condições degradantes de trabalho, servidão por dívida, jornadas exaustivas, trabalho forçado, ocorrência de abusos físicos e psicológicos, promessas enganosas e, em casos mais graves, limitação do direito de ir e vir por diversos meios, inclusive vigilância armada.

Entretanto, é notável que o trabalho doméstico análogo à escravidão tem algumas particularidades que o torna mais difícil de ser combatido, uma vez que sua fiscalização perpassa pela questão da inviolabilidade do domicílio dos patrões e até por uma própria resistência das vítimas em reconhecerem a situação a que estão submetidas, tendo em mente a relação de proximidade que estas normalmente criam com seus exploradores.

Sempre visto como algo menor, com baixíssima remuneração e anos de garantias suprimidas, a desvalorização do trabalho doméstico tem raízes culturais profundas, em especial no racismo estrutural herdado do nosso período escravocrata que ressoa na sociedade até hoje, sobretudo na vida das mulheres pardas e negras, as quais compõem a maioria esmagadora da categoria.

Apenas em 2015, com a aprovação da chamada “PEC das domésticas”, que alguns direitos básicos, como jornada de trabalho de 8 horas diárias, pagamento de horas extras e adicional noturno, FGTS e seguro-desemprego foram assegurados a esse grupo de trabalhadores.

Como ficou evidente, a luta contra a escravidão moderna está longe de chegar ao fim. Entretanto, a despeito de vários retrocessos em políticas públicas nesse campo ocorridos a partir de 2017, devemos registrar que, por meio da atuação firme de órgãos como a Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e tantos outros, os quais precisam ser urgentemente fortalecidos, a luta por sua erradicação continua.

Assim, espera-se que as histórias como a de Madalena sejam cada vez mais raras em uma  sociedade mais atenta e que ajude a combater esse mal.

 

*Carla Reita Faria Leal e Emanuelle Lelis são membros do grupo de pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes