Há 100 anos, Cuiabá passava por um momento muito difícil. As instabilidades políticas de dois grupos de coronéis, um progressista e outro conservador, desaguaram em múltiplas crises na presidência do Estado de Mato Grosso. Para tentar curar cicatrizes profundas, de intervenções intempestivas a assassinatos, a política local entrou em consenso no nome de Francisco Aquino Correa para cumprir um quadriênio que seria marcado pela tão sonhada estabilidade.

Muito embora o bispo mais novo do mundo tivesse intelecto de sobra, o governo não contou com a prosperidade que se pretendia. Pelo menos, D. Aquino teve o privilégio de comemorar o bicentenário de Cuiabá, fundando o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, com sede no recém-construído Palácio da Instrução. Dois anos depois, o governo com forte viés cultural iria abençoar a criação do Centro Mattogrossense de Letras, nossa atual Academia Mato-Grossense de Letras, realização pela qual o governante nunca seria esquecido.

Dom Aquino tinha um projeto em 1919. Era claro: promover a estabilidade política, incentivar a educação e a cultura e entregar o Estado de Mato Grosso preparado para eventuais disputas partidárias, sem a violência costumeira. Reforçou a verba de colégios, incentivou professores, fundou centros de pesquisa, estruturou os símbolos estaduais.

E agora, em 2019? Quais os planos do Governador Pedro Taques e do Prefeito Emanuel Pinheiro? O que pensam sobre os desejos e as necessidades dos cuiabanos às vésperas dos 300 anos de fundação da Villa Real do Bom Jesus do Cuiabá?

Parece-me que, tal qual D. Aquino, o governo Taques pretende reconstituir um tecido político esgaçado, vindo de um mandato anterior que terminou em tragédia. Convém lembrar a luta entre Antonio Paes de Barros e Generoso Ponce, em 1906 e a turbulência dos governos seguintes. O novo prefeito quer representar o diálogo e a revalorização do orgulho cuiabano. Uma eventual convergência, ainda que passageira, seria muito importante para nossa capital.

Resta perguntar: no que adversários políticos Taques e Pinheiro podem (e devem) convergir? Parece-me que o primeiro desafio é alcançar maturidade suficiente para não usar a tricentenária cidade como palco de vaidades eleitorais. Cuiabá merece um sistema de transporte público modernizado que somente será conquistado com o trabalho conjunto do poder estadual e municipal.

De outro lado, a maior demanda do povo cuiabano é por saúde. O Pronto Socorro de Cuiabá, um sonho adiado por décadas, deve sair do papel caso haja entendimento, parceria, altruísmo dos governantes. O mesmo se diga quanto ao resgate do patrimônio histórico do centro da cidade. O município não tem orçamento suficiente para fazer frente às demandas por revitalizações, eventual instalação de bondinhos, calçamento, asfaltamento, iluminação especial. Só pode atuar em parcerias, contando com o investimento conjunto de dinheiro público federal e estadual. 

Os eleitores deram dois recados claros nas urnas: de um lado, gritaram pelo fim da corrupção endêmica que assaltava os cofres estaduais e, de outro, alertaram para a importância do trato mais humano da máquina pública. Foi por isso que se elegeram, respectivamente, Pedro Taques e Emanuel Pinheiro, cada qual no seu tempo, cada qual com uma perspectiva. A cidade precisa da austeridade de um Dom Aquino, mas da velocidade de um Francisco de Paula Magessi.

Noutras palavras, é o momento de unir as qualidades pessoais dos atuais gestores e não de somar os defeitos políticos de cada um. Não se trata de um discurso de coalisão política, porque são grupos diferentes com objetivos diversos, um modelo de desenvolvimento e de relacionamento com a coisa pública que não é o mesmo. Ainda assim, Pedro Taques deve ter humildade de dialogar com Emanuel Pinheiro que deve ter a humildade de pedir ajuda de Taques, tudo em prol de uma cidade que cresceu com desordem, com luta, com equívoco.

Não estamos no momento de mesquinharias políticas. A hora é de grandeza. O povo verá que tem a estatura política comparável a Magessi que comemorou os 100 anos da cidade e de Dom Aquino Correa que nos conduziu aos 200 anos de fundação. Espero que ambos consigam nos orgulhar.

 

* Eduardo Mahon é advogado, professor, escritor, membro da Academia Mato-Grossense de Letras (cadeira 11) e correspondente da Academia Sul Mato-Grossense de Letras

Assinatura Cuiaba 300

 

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