Está aberta a temporada de caça ao pobre. Você que anda de ônibus, cuidado! Haverá candidato prometendo ar-condicionado no coletivo, respeito aos horários, ônibus aos finais de semana e passe livre. Você que não tem um dente na boca, alerta! Haverá candidato distribuindo dentaduras novinhas em folha, policlínicas nos bairros de todas as cidades, operação de apendicite sem fila, porque catarata já virou lugar-comum. Você que mora na periferia, atenção máxima! É aí que os políticos preferem atuar. Vão prometer mundos e fundos: um muro, rede de esgoto, luz elétrica, água tratada, escola nova, asfaltamento na rua e, de quebra, a regularização do barraco no cartório. Se você é pobre, sinta-se importante! Não demora muito e o seu celular pré-pago irá tocar – “olá, eu sou candidato e quero falar sobre o nosso Estado”, uma voz que você julgava extinta volta para perturbar.

Não é só isso. Você vai ver político no Facebook, pelo WhatsApp, rádio e televisão, vai escutá-lo até no carro de som como se fosse vender pamonha. Nesses próximos meses, a pobreza será uma dádiva. Candidatos entrarão pela porta do seu cafofo e tomarão café na caneca de lata amassada, sentarão no batente da sua porta e afagarão seu cachorro sarnento, carregarão no colo seus oito filhos desnutridos e chorarão pela morte do seu pai que não foi atendido na porta do pronto-socorro.

Ah, querido pobre, querida miserável… agradeça aos céus pela falta de dinheiro. Ninguém no mundo será mais paparicado por uma fotografia. Se você for analfabeto de pai e mãe, será um espécime caçado pelo político como um troféu. Proteja-se, no entanto. Esse luxo dura pouco. Você que é pobre procure saber quem é o político que vive em mansão e só aparece nesse seu fim de mundo durante a campanha eleitoral. Vote nele. Provavelmente é essa pessoa que manterá a sua pobreza.

Mas olhe bem, não se apresse. Aparentemente, todos usam camisa azul. Ou é azul ou branca. Nunca chegam de terno e gravata. Jamais andam de carros importados em época de campanha. Eu sei, eu sei: parece todo mundo igual. Mas é assim mesmo. A recíproca é verdadeira: para o político, pobre também é tudo igual. Eu tenho uma dica. Pegue aí papel e caneta. Você é semialfabetizado, né? Então. Anote aí. Na dúvida entre vários candidatos que andam suados debaixo do sovaco ou comem o seu pão amanhecido com mortadela, observe aquele que o chama de irmão. Não tem erro! O político que chama o pobre de irmão merece um voto de confiança. Ou vai falar que também veio da pobreza ou vai te pedir voto no culto.

Você que é pobre, não perca essa chance de se tornar irmão do político. Outra coisa. Está desempregado? Pare de reclamar. No período eleitoral, só fica sem trabalho quem quer. Agora tem muito emprego. Vá ao comitê. Não precisa levar curriculum, só o título de eleitor. Pode ser qualquer partido, isso não importa. Vá todos os dias. Em pouco tempo, estarão pagando R$ 50,00 para carregar uma bandeira nas esquinas. E mais R$ 50,00 para sorrir no semáforo.

Tá vendo como é bom ser pobre? Você ganha um cheque de R$ 100,00 por semana apenas para ser feliz! E mais: leve seu marido, sua irmã, sua sogra e seus oito filhos. Não é uma benção ter uma família grande? Arrependa-se! Bata na boca você que amaldiçoou a pobreza. O político não suporta o mal-agradecido. É preciso ter orgulho de andar em ônibus lotado, de não ser atendido no hospital, de ter os filhos numa escola que vive em greve. Se não fosse isso, o que você diria ao político que vai te fazer uma visita? Vocês iriam discutir a qualidade do atendimento no Albert Einstein? Trocariam impressões sobre o novo restaurante japonês que abriu no bairro chique? Acaso iriam trocar dicas de compras em Miami? Não seja burro! Você não teria nenhum assunto com o político. O candidato quer falar de problema. Ele precisa ter um problema pra resolver.

Uma última observação. Você que é pobre, não esqueça! Guarde bem o santinho do político que te agradou, que te elogiou, que te abraçou. Dobre e coloque na carteira, junto com as sementes de uva cuspidas no réveillon. Depois da eleição, você nunca mais verá o político, nem o derrotado, nem muito menos o eleito. Em seis meses, todo mundo vai esquecer se votou neste ou naquele. Então, convém guardar a foto com muito cuidado. Inclusive para lembrar em quem você pode confiar para continuar do jeito que está: pobre.

Eduardo Mahon é advogado, escritor e colunista do site O Livre.

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