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Suicídio: “não falar sobre isso não vai ajudar”

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Suicídio: “não falar sobre isso não vai ajudar”
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

“Eu fiquei parada olhando para aquela corda por cerca de três horas. Pensei no meu marido e no quanto ele sofreria quando chegasse do trabalho e me visse morta. Depois pensei nos meus cachorros, que são como filhos para mim. Pensei nos meus amigos e em quem me acompanha nas redes sociais, alguns que passam pelo mesmo problema. Só não pensei na dor que causaria em mim, porque isso era o que menos me preocupava. Eu queria muito morrer de verdade”.

O relato da publicitária Cláudia Castanho, de 38 anos, relembra a última vez que ela quis tirar a própria vida. Isso ocorreu no início deste mês, após sofrer uma frustração com algo que ela havia planejado e que não saiu como queria. O distanciamento de um sonho, o sentimento de rejeição e, principalmente, a sensação de ser um peso morto na vida do marido, Edivaldo, fizeram com que ela cogitasse o suicídio.

Felizmente, o marido chegou a tempo de evitar que o plano se concretizasse. Essa foi a quarta tentativa de Cláudia, que sofre de depressão e de ansiedade. Apesar do diagnóstico só ter sido descoberto há três anos, não é de hoje que a publicitária se sente assim.

“Sempre foi assim, desde criança, desde que eu me entendo por gente. Eu preciso de algo para me manter ativa para que eu me sinta útil e viva. Se não tiver isso forte, eu não consigo, porque tenho essa necessidade comigo mesma de mostrar que eu sou útil em algum aspecto para alguém”, contou Cláudia.

Todo dia é um grande recomeço. E para isso, Cláudia conta com uma rede de apoio: o marido; os “filhotes peludos”, apelido carinhoso para os cachorros Palito e Bolota; amigos; terapia com uma psicóloga e o acompanhamento psiquiátrico.

Na terapia, Cláudia aprende todos os dias a se conhecer. Mais recentemente, ela desenvolveu um método para conseguir que este recomeço diário aconteça todos os dias: arrumar a cama.

Esta rotina, por mais simples que pareça para quem não possui depressão, é fundamental para quem sofre com a doença. Ela percebeu que quando não arrumava sua cama, dificilmente conseguia fazer todo o resto: escovar os dentes, tomar banho, lavar louça, comer.

“A cama é algo simbólico. A pessoa que tem o mesmo problema que eu, tem que descobrir qual é a cama dela. A minha cama é a cama física, mas para os outros pode ser uma atitude qualquer que elas façam, que cria o ânimo para todo o restante”, pontuou.

Apesar de todas as coisas que a ajudam a vencer – pelo menos diariamente – a depressão, Cláudia sabe da importância de medicamentos e do acompanhamento junto a um profissional de saúde.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil a cada 45 minutos uma pessoa se suicida. Já no mundo, este tempo cai para um suicídio a cada 40 segundos.

Um balanço da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) mostra que somente nos quatro primeiros meses deste ano, 83 pessoas tiraram a própria vida em Mato Grosso. No ano passado, este número chegou a 207. Em 2017, 189 pessoas se suicidaram.

“Suicídio é resultado de um intenso sofrimento psicológico. É um conjunto de fatores e vivências ao longo da vida que vão produzindo uma espécie de ruptura de laços que possam servir de apoio e vão favorecendo o surgimento de duas crenças: fracasso e aprisionamento”, pontua o psicólogo, professor e pesquisador Maelison Neves.

Sinais

“Existe um tabu que quando a pessoa se mata, ela não avisa. Na verdade, ela dá vários avisos. As redes sociais são um espaço que as pessoas geralmente costumam dar sinais quando estão em um estágio de sofrimento muito grande. Há um aumento de falas sobre morte, despedidas ou um completo isolamento. Isso pode gerar um alerta”, destacou Maelison.

Foi justamente este sinal de alerta que o marido de Cláudia sentiu tocar, quando percebeu que a esposa não estava bem, antes do diagnóstico da depressão. O ano era 2017 e a publicitária estava no final da faculdade, com o trabalho de conclusão de curso, a formatura, as dietas restritivas que ela fazia na época.

Todos esses fatores foram o estopim para a maior crise que ela já teve, segundo ela mesma. Preocupado, Edivaldo passou a observar que ela ficava horas na internet buscando por algo. A busca era por formas de tirar a própria vida. Cláudia que, até então, tinha um emprego fixo, um diploma de faculdade, um corpo de atleta, viu-se em um buraco de onde não conseguia sair.

“Edivaldo já estava bisbilhotando as minhas coisas, sempre alerta ao que eu escrevia e fazia. Quando ele viu que eu havia comprado um produto que tiraria a minha vida, ele se colocou no meio de novo e não deixou que isso acontecesse”, relembrou.

Foi quando veio o diagnóstico e, com ele, o tratamento com medicamentos específicos, que dura até hoje e, provavelmente, vai durar o resto da vida de Cláudia. Mas sempre com o olhar atento do marido tão querido.

“Uma coisa que percebi que pega forte em mim é essa coisa de família, de pertencimento, de se encaixar em algum grupo. Quando eu digo que eu só tenho o Edivaldo, que é só ele que me prende nessa vida, é nesse sentido”, completa a publicitária.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Como lidar

Assim como pessoas próximas a alguém com ideia de suicídio conseguem perceber os sinais mais evidentes de uma possível tentativa, estas mesmas pessoas podem evitar comportamentos ou posicionamentos que não ajudam a resolver o problema ou podem ser até o estopim para a tragédia.

Tratar o suicídio como “falta de Deus no coração” ou que isso “não passa de um showzinho” não ajuda em nada quem enfrenta o problema, segundo Maelison. “Temos que evitar culpar a pessoa. Se é ou não uma intenção suicida, nós temos que focar em acolher o sofrimento pelo qual essa pessoa está passando”, pontuou.

Ouvir sem julgamentos ainda é a melhor maneira de lidar com uma pessoa que tenha uma ideia suicida, segundo o psicólogo. Isso porque o suicídio ainda é considerado por muitas famílias como um tabu. Não falar sobre isso e nem se colocar na posição de ouvinte diante de uma pessoa que esteja enfrentando o problema, não surtirá o efeito reverso, ou seja, a tragédia não tem possibilidade de ser evitada.

“Fazer com que a pessoa não fale sobre isso não vai ajudar. Talvez diminua a minha ansiedade de não saber o que fazer nessa situação, mas não resolve”, pontuou o psicólogo.

Por isso existem iniciativas como o Centro de Valorização à Vida (CVV), que oferece um número de contato para que pessoas que estejam pensando em suicídio possam receber – por telefone – o apoio emocional que muitas vezes não conseguem no âmbito familiar ou em roda de amigos.

Paralelo a isso, campanhas de conscientização como o “Setembro Amarelo” – inclusive, criada pela instituição – define a data como o mês de prevenção do suicídio. A mensagem levada é a importância de falar sobre o problema.

“Não é preciso ser um psicólogo para lidar com essa situação”, defende Maelison. Às vezes, segundo o pesquisador, só o papel de ouvinte será o suficiente para que a pessoa se sinta acolhida e desista da ideia de se matar. O que não exclui a necessidade de que essa pessoa passe pelo tratamento médico.

Onde buscar ajuda

Para buscar atendimento especializado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é necessário procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima ou Policlínica. Nelas, o paciente consegue encaminhamento para um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) espalhados pelo Estado.

As medidas alternativas não substituem o atendimento realizado por um profissional da saúde, no entanto, podem ser aliadas ao tratamento médico. A Associação Espírita Wantuil de Freitas, por exemplo, oferece o Lar de Amparo Espiritual Eurípedes Barsanulfo, onde a pessoa pode realizar a internação gratuitamente.

A triagem para internação no lar acontece todas as segundas-feiras, das 19h às 21h, na Avenida Auta de Souza, nº 53, Bairro: 1º de Março, em Cuiabá. Contatos: (65) 3649-5851 ou (65) 98103-3552.

Para entrar em contato com o CVV, basta discar 188 ou procurar a sede da instituição em sua cidade. Em Cuiabá, o CVV funciona na Rua Comandante Costa, nº 296, no Centro, das 8h às 16h.

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