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Situação da pesquisa científica no Brasil

Para que nossa sociedade dê certo, é fundamental que possamos confiar nos profissionais que saem das nossas universidades

6 minutos de leitura
Situação da pesquisa científica no Brasil
(Foto: Raphael Pizzino/Panorama UFRJ)

Olá pessoal. Estamos apresentando uma resenha escrita pelo economista André Eduardo Fernandes, servidor do Senado Federal e membro da associação Docentes pela Liberdade. O André é um leitor voraz e um grande conhecedor da política nacional.

A resenha é sobre o nosso estudo de cientometria, com que analisa a possibilidade de o Brasil chegar no último colocado no mundo em impacto científico: “Rumo à lanterninha mundial da ciência?”

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O artigo, aqui resenhado, desenvolvido pelo professor Hermes Lima, em parceria como o professor Fabiano Borges, constitui-se em instrumento fundamental para a compreensão do que está ocorrendo com a pesquisa científica no Brasil. O trabalho dos professores envolveu áreas tão díspares as grandes disciplinas de Humanas, Ciências Biológicas, Saúde, e as áreas de Exatas e Tecnologias.

É verificado que o Brasil publica em grande quantidade. Só em 2018 foram mais de 80 mil artigos publicados em revistas internacionais indexadas segundo critérios aceitos pela comunidade acadêmica. Entretanto, o impacto científico médio dos artigos no âmbito mundial é baixo.

“O que eu tenho com isso”

É importante sempre destacar que número de publicações não se traduz em qualidade, bem como relevância das mesmas. Como o trabalho dos autores ressalta no caso da área de medicina, “o Brasil está em 14o lugar mundial em quantidade de estudos médicos, mas ficamos em 42o em impacto entre 48 países com ao menos 2.000 publicações na área.” Esse problema se estende para outras áreas, exceto na astronomia.

Uma das perguntas essenciais formulada no artigo que diz respeito a sociedade que paga por essas pesquisas: “O que eu tenho com isso? Não tenho interesse no trabalho de cientistas!”.

A única forma de avaliar com precisão o desempenho as universidades brasileiras, onde milhões de brasileiros estudam ou estudaram. Para que nossa sociedade dê certo, é fundamental que possamos confiar nos médicos, advogados, professores, engenheiros, farmacêuticos e contadores que saem da universidade.

Se a pesquisa de um docente é muito boa, se gera publicações de alto impacto (ou seja, recebe muitas citações), pode-se afirmar que o país seja capaz de formar bons profissionais atrás de sua atividade docente. Se faz pesquisas medíocres que ninguém lê, que ninguém cita, é difícil imaginar que seja um bom professor em sala de aula.

Portanto, vem daí a necessidade de avaliar o impacto das pesquisas universitárias, pois é uma forma relativamente simples e barata de quantificar o desempenho dos docentes. Durante muito tempo isso foi feito com o foco somente na contagem de publicações.

Cabe aqui ressaltar alguns números indicativos, que são apresentados nessa resenha a título ilustrativo. Observe-se, por exemplo, o caso da USP. Está em 8o lugar do mundo em quantidade de artigos. Foram 16,8 mil publicações indexadas, segundo critérios aceitos pela comunidade científica internacional, no quadriênio 2014 a 2017.

Entretanto, cada artigo da USP do quadriênio 2014 a 2017 recebeu em média 4,1 citações e o total de citações foi 68,4 mil. Além disso, apenas 6,2% dos artigos (1.051 dos 16,8 mil) estão entre os 10% mais citados do mundo – que é um índice chamado de “top10”.

Outro exemplo, a UFRJ, a maior universidade federal do Brasil (em orçamento e quantidade de alunos), e a 5ª colocada do Brasil em artigos indexados em bases aceitas pela comunidade acadêmica, para o quadriênio 2014-2017 está em 6º lugar do Brasil em impacto, com 6,5% de artigos na lista top-10%. Está, porém, em 753º lugar no âmbito global – até um pouco mais bem posicionada que a USP.

Observando-se o desempenho da ciência do Brasil como um todo, em 2018, ficamos no 14º lugar em quantidade de publicações. Foram mais de 80 mil publicações em revistas internacionais. Mas somos o 63º colocado em impacto, quando medido, entre 73 países com ao menos 3 mil publicações.

O impacto do Brasil, tem 42% do patamar da Estônia (1º colocado de 2018). Em 2005, o Brasil estava melhor: 29º lugar de 48 países, com 49,5% do impacto do 1º lugar (Suíça). Se nossa ciência está assim, isso mostra que há algo fundamentalmente errado na docência universitária, que produz muito, mas — em média — com baixo impacto.

Conforme o artigo aqui resenhado, deve-se colocar seguinte pergunta: se o Brasil fosse tão destacado na ciência mundial, por qual razão a tecnologia e a inovação ainda são tão deficientes por aqui?

Tecnologia e inovação

Uma das respostas que se pode dar é que com o bônus demográfico, ou seja, a incorporação de pessoas ao mercado de trabalho de forma crescente, deixou-se de incentivar o crescimento da produtividade. Com o fim do bônus demográfico e com a baixa produtividade, será muito difícil o Brasil voltar a crescer de forma sustentável nos próximos anos.  Daí a tecnologia e inovação tornar-se essencial para os próximos anos.

É questionado pelos autores do artigo: estamos no caminho certo para inserir o Brasil na cadeia global de valor? Será que estamos minimamente preparados para a transformação tecnológica que o mundo atravessa? Os números indicam que, infelizmente, a resposta para as duas perguntas é “não”.

Com o aumento real de 211% do orçamento do MEC entre 2003 a 2017, as universidades federais tiveram acesso muito maior a recursos públicos, enquanto as parcerias com a indústria e o setor privado apresentaram uma discreta melhora em algumas instituições. A CAPES — fundação pública vinculada ao MEC — teve um aumento real de 332%, embora menos de 2% de seus recursos sejam destinados ao pagamento de servidores.

Como destacado no artigo original, a maior parte dos recursos é destinada a outras instituições (sobretudo universidades públicas) por intermédio de inúmeros projetos e programas.

Políticas a serem repensadas

Desse modo, o processo descontrolado de expansão universitária no Brasil gerou um sistema endógeno de fazer ciência, estimulando uma produção doméstica extremamente cara e ineficiente.

É ressaltado que o Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) esteve longe de acompanhar o aumento orçamentário do MEC. Vinculado ao MCTIC, o CNPq tampouco acompanhou o aumento orçamentário da CAPES durante esse período.

O artigo nos convida à reflexão: não seria o momento de repensar seriamente as nossas políticas científicas? E qual o papel da excessiva burocracia na baixa eficiência da pesquisa científica nacional?

Portanto, como o artigo original destaca, deve-se enfatizar que os serviços públicos e privados serão fiscalizados a cada instante pela sociedade. Não há outra maneira senão colocarmos o Brasil na cadeia global de valor, fazendo convergir de forma inequívoca a ciência, a tecnologia e a inovação.

Assim, é com máxima urgência, a necessidade destacada pelos autores de que o “Titanic Brasil” não bata no iceberg e afunde por chegar em poucos anos à última colocação do mundo em impacto científico!

Por tudo isso, e para quem realmente está preocupado com o futuro de nossos país, a leitura do artigo dos professores Hermes-Lima e Fabiano Borges é essencial.

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