“Quem mora no rio é peixe e ele não produz lixo”. Estas são as sábias palavras do haitiano Apredio Precivel. Ele trabalha na balsa que coleta o lixo no Rio Cuiabá e se diz inconformado com o comportamento da população.
Só no mês de janeiro, 12 toneladas de resíduos foram retiradas do leito e das margens do rio, que representa a vida na Capital mato-grossense.
Foi por meio dele que os portugueses aqui chegaram e deram início à cidade. E, caso não seja preservado, o município estará próximo de seu fim, uma vez que o rio é a única fonte do abastecimento de água da Capital.
Na nova unidade de captação de água, que fica na altura da comunidade ribeirinha de São Gonçalo Beira Rio, entre os tocos e galhos carregados pela correnteza, estão garrafas pets, televisões, embalagens de marmita e todo tipo de resto de eletrodoméstico.
Como a balsa ficou parada três dias para manutenção, a quantidade de resíduos se acumulou e, na última semana de janeiro, o trabalho foi diário no local. Eram quatro contêineres de 800 litros apenas no período matutino.
A perspectiva da equipe era concluir este trecho até o final de semana e dar sequência ao roteiro de 20 km, que vai da região do Porto até pouco depois do São Gonçalo Beira Rio.
Conforme o diretor de Resíduos Sólidos, Anderson Matos, outro ponto crítico é no bairro Praeirinho. Lá, o descarte é feito às margens dos rios e, quando chove, todo entulho é arrastado para o leito.
De tudo um pouco
Matos conta que todo tipo de objeto e até mesmo animais mortos são jogados no rio. O mais surpreendente foi o corpo de um cavalo.
Em todos os casos, é impossível saber o autor do despejo, uma vez que o material pode ser jogado direto no leito, estar na margem e rodar durante a chuva ou vir de um dos dutos de esgoto e dos córregos da cidade.
“Um papel que você joga no chão da cidade pode ser carregado durante a chuva, passar pelo rio e acabar no Pantanal Mato-grossense”.
Além de demandar um trabalho exaustivo da equipe de coleta, grande parte do lixo recolhido não serve sequer para a reciclagem. Isso porque há contaminação no seu trajeto.
O aproveitamento, hoje, é apenas de 40% do total que chega ao setor de triagem.
Um “retrabalho” direto
O piloto de balsa Eliomar Rodrigues diz que fica chateado de ver a falta de importância que a população dá ao descarte correto do lixo, porém não se sente desestimulado em fazer todos os dias o mesmo trabalho.
“Eu sei que o que faço é importante e que estou ajudando a natureza. Às vezes, fico revoltado com a falta de consciência e de ver que aparecem muitas críticas, mas ninguém vê que passamos no mesmo lugar muitas vezes”.
E o trabalho não é fácil. Eles usam ganchos, redes e até mesmo as próprias mãos, protegidas por luvas, para recolher os materiais.
Nos pontos de garrancho, tira-se o excesso de objetos, puxa-se os tocos e galhos para o meio do rio, depois volta para catar o restante. Uma atividade que exige muita paciência.
Pesando no bolso
O secretário de Serviços Urbanos de Cuiabá, José Roberto Stopa, avalia que os projetos de educação ambiental deveriam estar acompanhados de penalidades.
“Eu acho que deveria haver uma lei que multa a pessoa que joga lixo, mas tem gente que acha isso polêmico e radical”.
Ele lembra que, além do trabalho de recolhimento do lixo com balsas, são realizadas atividades de conscientização nas escolas, comunidades e em parceria com as organizações.
E, na opinião dele, a situação só terá solução quando as pessoas mudarem o comportamento e assumirem a responsabilidade delas diante do lixo que produzem.