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Rubens de Mendonça: o boêmio que deixou saudade

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Rubens de Mendonça: o boêmio que deixou saudade

Ednilson Aguiar/O Livre

 av historiador rubens de mendonca

Principal avenida de Cuiabá, que liga o centro da capital ao Centro Político Administrativo (CPA) e aos conjuntos habitacionais que ficaram conhecidos pela mesma sigla, o cuiabano Rubens de Mendonça foi também um boêmio de humor ácido. Tendo apenas o segundo grau completo, depois de abandonar a faculdade de Direito, Rubens foi poeta, escritor, jornalista e historiador autodidata. Depois, se tornou funcionário público.

Nasceu em 27 de julho de 1915, filho de Estevão de Mendonça e de Etelvina Caldas de Mendonça, o quarto filho do casal, temporão nascido 18 anos depois da irmã Bartira. Casou-se aos 39 anos com Ivone Badre de Mendonça, depois de um noivado que durou 15 anos, e teve uma única filha, Adelia Maria Badre de Mendonça. Em 3 de abril de 1983, aos 67 anos, deu seu último suspiro, na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá.

Menos de dois meses depois, virou nome de avenida. A estrada aberta alguns anos antes e que levava para o CPA passou a se chamar Avenida Historiador Rubens de Mendonça. Orgulhosa dos feitos do pai, Adelia Maria faz questão de ignorar o apelido e só se refere à via pelo nome oficial. Quando alguém lhe passa Avenida do CPA como endereço, ela diz que não conhece. E corrige a todos que insistem em usar o termo.

Arquivo pessoal

Rubens de Mendonça

Rubens só saía de casa usando terno, gravata, uma arma na cintura e um molho de chaves. “Dizia que precisava do revólver porque era jornalista. Mas só atirava uma vez por ano, no dia 31 de dezembro. Foi o tio garimpeiro, Generoso de Mendonça, que o ensinou a usar arma”, relata a filha.

Sátiro e irônico, Rubens de Mendonça tinha um humor afiado, que costumava exercitar escrevendo trovas para os amigos e personalidades cuiabanas. Algumas muito ácidas e, por isso, impublicáveis.“Tinha um bom humor extraordinário. Escreveu diversas trovinhas sobre alguns amigos que é melhor nem publicar”, diz Adelia.

Frequentador de bares e festas, Rubens não dispensava um bom uísque e não abria mão do cigarro. Era também romântico e escrevia poesias para a mulher, Ivone. Adelia descreve o casal como cúmplices e apaixonados.

“Ele era enlouquecido por mamãe, em que pese ser um boêmio inveterado. Uma vez, fui reclamar para mamãe sobre a vida boêmia dele, e ela me disse que costumava acompanhá-lo até um dia antes de eu nascer. Eu nunca mais toquei no assunto”, conta.

Ednilson Aguiar/O Livre

Filha de Rubens de Mendonça, Adélia Maria de Mendonça

Adélia Maria de Mendonça lembra com saudades do pai

Rubens chegou a iniciar um curso de Direito no Nordeste, porém, voltou para Cuiabá antes do final de faculdade. “Meu avô pagou para ele estudar em Aracaju, mas ele gastou tudo e voltou para Cuiabá sem se formar. Tanto que ele só tem o segundo grau completo. É um autodidata”, diz Adelia. Por isso, Rubens insistiu que a filha se formasse em Direito. Ela preferia Pedagogia, mas acabou cedendo, e se aposentou na carreira de procuradora federal. 

“Tínhamos uma amizade parecida com as relações existentes entre as árvores cuiabanas. Você nunca vê uma mangueira sozinha; são sempre duas”

Apaixonado por livros, Rubens comprava dezenas deles todos os anos, em seu aniversário, e contava em casa que eram presentes de amigos.

“Minha mãe dizia que ele não entrava em casa com uma bananinha sequer, só com livro. Ela dizia que ia fazer ensopadão de livro”, recorda a filha.

Publicou 38 livros no total, entre história, poesia e literatura. Fundou jornais e revistas, como a revista Pindorama, de crítica e literatura.

Entrou na Academia Mato-grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº 9, sem o voto do pai – o também acadêmico Estevão de Mendonça votou em branco.

Foi membro também do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, entidade fundada por seu pai, além de sociedades de Portugal, da Argentina e da Bolívia, entre outras.

Na juventude, dedicou-se à literatura e ao jornalismo, e só quando entrou no serviço público, aos 39 anos, foi que decidiu que poderia se casar e constituir família. O emprego era na extinta Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), onde trabalhou com Frederico Campos, que anos depois veio a se tornar governador.

“Trabalhamos juntos por quase 20 anos, primeiro na SPVEA, depois na Receita Federal. Ele fazia um trabalho de jornalista muito sério, além de ser um grande escritor. Era um autodidata, e uma de suas obras, sobre as ruas de Cuiabá, foi sugestão minha”, conta Frederico Campos. “Ele sempre ia de terno na repartição; nunca de traje esporte. Fazia muitas citações, sempre contava algum fato histórico. Era muito alegre.”

Arquivo pessoal

Rubens de Medonça e Gervasio Leite

Gervásio Leite (à esquerda) e Rubens de Mendonça partilhavam literatura e boemia

Atual presidente da Academia Mato-grossense de Letras, Marília Beatriz Figueiredo Leite se lembra de Rubens desde a infância, quando ele frequentava sua casa e passava horas conversando com o pai da escritora, o também acadêmico Gervásio Leite. Os dois eram companheiros de letras e de boemia. 

“Eles costumavam ir ao Bar Colorido, que era uma espécie de cabaré. Os dois falavam sobre tudo, faziam ironias sobre as pessoas. Rubinho tinha uma irreverência muito fina. Era um sátiro”, relata Marília. “Ele me achava inteligente e isso me enchia de orgulho. Tínhamos uma amizade parecida com as relações existentes entre as árvores cuiabanas. Você nunca vê uma mangueira sozinha; são sempre duas. Lixeiras e palmeiras nunca estão sozinhas. Elas estão sempre aos pares.”

A lembrança mais marcante que a escritora tem de Rubens foi quando ele publicou que abandonaria a coluna Sermão dos Peixes, que mantinha no jornal Diário de Cuiabá, na qual escrevia sobre os costumes e personalidades regionais. Diante do texto de despedida, escreveu uma carta a ele pedindo que retomasse a coluna. “Eram crônicas maravilhosas. E ele atendeu ao meu pedido e voltou a escrever”, recorda.

Os preparativos para a comemoração do centenário dos dois amigos – Rubens em 2015 e Gervásio em 2016 – reaproximou as filhas. “Eles tinham uma cumplicidade tão grande que pareciam irmãos. Era tão bonito. Eu admirava a amizade deles. E acho que houve uma trama espiritual para que eu me aproximasse da Adelia, e hoje somos como irmãs.”

 

Na semana de aniversário de Cuiabá, o LIVRE publicou perfis de personagens históricos que emprestam o nome a avenidas e monumentos da capital. Clique para ler o que publicamos:

Fernando Corrêa da Costa, o homem por trás da avenida

A outra história de Maria Taquara

Archimedes: da glória à morte na mesma avenida

Tia Nair: cuiabania, simplicidade e alma educadora

Em caso de crise, chame Pedro Celestino

 

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