5 perguntas para

Rosana Leite: “Deve se compreender o feminismo como igualdade, jamais superioridade”

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Rosana Leite: “Deve se compreender o feminismo como igualdade, jamais superioridade”

Quando o assunto são os direitos da mulher, um dos nomes mais conhecidos em Mato Grosso é o da defensora pública Rosana Leite Antunes de Barros. Ela é coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública Estadual, integrante da comissão de Defesa da Mulher do Colégio Superior dos Defensores Públicos-Gerais e também já presidiu o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.

Na semana em que comemorou-se o Dia Internacional da Mulher, ela diz que há muito o que ser celebrado e relembrado, mas que ainda é necessário muito diálogo para que parte da sociedade entenda um pouco mais sobre as lutas dos movimentos sociais, em especial do feminismo, constantemente alvo de debates.

Exatamente por isso, o LIVRE reproduziu, nessa edição do quadro “5 Perguntas Para”, questionamentos e argumentos que, não raras vezes, ouvimos por aí a fora. E Rosana esclareceu alguns dos principais mitos relacionados ao feminismo e às mulheres. Aproveitou e deu o tom de sua fala: “mexeu com uma, mexeu com todas!”.

1 – O movimento feminista cresceu e, junto com ele, um “anti-movimento”, que chama as ativistas da causa de “feminazis”. Qual a explicação para isso?

É preciso compreender que todo e qualquer movimento é composto pela parte mais branda e pela mais radical. Existem diferentes formas de ativismo e o feminismo abarca várias vertentes. O feminismo é um movimento que luta pela igualdade política, econômica e social, bem como pelas mesmas oportunidades de direito. Logo, deve haver pela sociedade a compreensão do real significado do feminismo como igualdade para as mulheres e homens e, jamais, de superioridade. O contrário do machismo, que fique bem claro, é o “femismo”. Ser contra o feminismo é não compreender a busca pela igualdade material, que é aquela que todas nós almejamos. Assim, “feminazi” é um termo equivocado, com o objetivo de banalizar a vertente radical do feminismo, fazendo com que mulheres que fazem parte deste importante movimento sintam-se constrangidas e humilhadas.

2 – Existem de fato exageros entre as feministas e que acabam dando razão para quem as chama de “feminazis”?

Não existe exagero qualquer entre as feministas. Como disse anteriormente, existem vertentes e necessidades diferentes e não necessariamente é ruim. O radicalismo vem da palavra “raíz” e, em algumas situações, passa a ser muito importante para todo e qualquer movimento.

Por exemplo: quando nós tivemos a primeira onda feminista, que eclodiu primordialmente na Inglaterra e disseminou pelo mundo afora, as mulheres lutaram apenas pelo direito de sufrágio, de votar e de serem votadas. Esse feminismo foi conhecido como “bem comportado”, onde houve a luta das mulheres apenas com debates, mostrando suas ideias e falando da importância da mulher fazer parte da política.

Já o segundo movimento feminista, que eclodiu a partir de 1949, com a publicação do livro de Simone de Beauvoir, “O Segundo Sexo”, ganhando forma mundo afora em 1960, foi um feminismo conhecido como radical. Entretanto, naquele momento, nós precisávamos daquele radicalismo, sim, para, por exemplo, conseguirmos a capitulação dos delitos sexuais, para mostrarmos que o nosso corpo nos pertence. Então, nos movimentos, a parte branda se faz de extrema importância e a parte radical também.

Cada ser humano tem sua forma de ativismo e essa forma é mostrada dentro do feminismo também, como em todo e qualquer movimento. Todas as formas de ativismo dentro do feminismo se fazem importantes para as conquistas de direitos. E nós conquistamos muitos deles através de muita luta, sangue foi derramado por mulheres.

3 – Também junto com o feminismo cresceu uma onda do “politicamente correto” que, muitas vezes, demoniza a associação da imagem da mulher a da dona de casa. Por que isso ocorreu e até que ponto é legítimo?

As pessoas precisam compreender que o “politicamente correto” é extremamente importante para que a sociedade seja mais justa, igualitária e com maior representatividade em todos os espaços. O “politicamente correto”, na verdade, é a “geração mimimi”. Ganhou este nome por não ser compreendida por parte da sociedade que, mais uma vez, banaliza a importância dos movimentos sociais.

O feminismo prega a igualdade em todos os sentidos, onde a mulher pode e deve estar onde ela bem entender e ocupar o lugar que ela bem entender também, seja dentro ou fora de casa. Se a mulher deseja se capacitar para o mundo do trabalho, que assim seja. Se a mulher deseja ser dona de casa, que assim seja também.

A classe de mulheres mais vulneráveis precisa, realmente, de mais proteção. Precisamos entender que existe, dentro da sociedade, a vulnerabilidade e essa classe mais vulnerável precisa de políticas públicas afirmativas que diminuam a desigualdade. Cito aqui não só as mulheres, mas os deficientes, idosos, crianças e adolescentes. Todas essas camadas precisam de uma proteção diferenciada e isso que não é compreendido por aqueles que costumam dizer que essa é a “geração mimimi”. Inclusive, não entendem também que as mulheres precisam de leis que as tratem de forma diferenciada, que são leis afirmativas, que venham garantir seus direitos, tal como a Lei Maria da Penha.

4 – Existem mulheres que “apanham do marido porque gostam”?

Não existem mulheres que gostam de apanhar. Existem mulheres que não conseguem sair do ciclo da violência doméstica familiar por diversos fatores como a historicidade, a religiosidade, a dependência econômica, a dependência emocional que as mulheres passam a sofrer dentro do ambiente doméstico e familiar.

Não sair deste ciclo pode ser um prenúncio de um feminicídio. Eu não conheço mulheres em todos esses anos de trabalho que gostam de apanhar. Conheço, sim, situações de violência doméstica e familiar em que as mulheres não conseguem sair do ciclo que elas estão enquadradas naquele momento.

Cito a filósofa Hannah Arendt, que fala sobre a banalização dos atos do mal e isso é muito visível dentro da violência doméstica familiar. A mulher muitas vezes aceita ser feliz dois ou três dias da semana e, nos demais, viver na extrema infelicidade quando o companheiro passa agredi-la dentro do ambiente doméstico. Então, ela acaba passando uma “borracha” naquela agressão e passa a viver com aquele homem como se nada tivesse acontecido. O ciclo se repete por diversas vezes e a mulher vai banalizando os atos do mal que ela vem sofrendo.

Esses são fenômenos de grande importância para se compreender o contexto de violência doméstica e familiar, para que frases de efeitos como essas, criadas, principalmente, para denegrir a imagem de uma lei tão importante quanto a Lei Maria da Penha, não sejam repetidas dentro da sociedade. Aliás, a Lei Maria da Penha foi chamada de inconstitucional, foi agredida e continua sendo, tal como as mulheres.

5 – O que dizer a uma mulher machista?

Uma mulher só é machista se ela não consegue entender o movimento feminista por diversos fatores, entre eles, a submissão ao companheiro, a falta de entendimento das raízes feministas, etc. As mulheres só conquistaram seus direitos em razão das lutas feministas. Então, se a mulher hoje tem direito ao voto, é em razão da luta feminista. Se hoje é capitulado delitos sexuais, dos quais as mulheres são as maiores vítimas, é em razão da luta feminista. Se hoje dentro do serviço público nós não temos qualquer diferença de tratamento, é em razão das lutas feministas.

Também é importante mencionar a sororidade que deve existir entre mulheres, de maneira que elas entendam que a violência contra uma mulher é a violência contra toda e qualquer mulher.

Cito o caso da Juliene [Anunciação Gonçalves, 22 anos, assassinada em 2012], que neste ano completará sete anos da morte. A forma como Juliene foi deixada pelos seus assassinos – até hoje não foi desvendada a morte -, afetou a toda e qualquer mulher. A Juliene foi deixada exposta, de maneira que qualquer pessoa que passasse por aquele local pudesse presenciar aquela mulher morta. Todas nós temos por obrigação entender a dor daquela família e a dor de tudo que a Juliene passou.

Que todas nós mulheres possamos sentir toda e qualquer violência dentro do cenário social porque, a qualquer momento, uma de nós pode ser vítima de violência e nós também precisaremos da solidariedade, que é a sororidade dentro do nosso movimento feminista. Ao final, o que eu posso deixar de mensagem é que com toda a certeza: mexeu com uma, mexeu com todas!

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