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Revolta do Biscoito: entenda o que está por trás do motim na PCE

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Revolta do Biscoito: entenda o que está por trás do motim na PCE
"Mercadinho" dentro da penitenciária

Era terça-feira, dia 20 de março, por volta das 15h20, quando todos os sites da Capital, e vários do interior, começaram a estampar em suas capas a notícia de que um motim com a participação de 850 presos acontecia na Penitenciária Central do Estado (PCE).

Versões oficiais e das famílias dos presidiários foram espalhadas. A motivação da rebelião seria a retirada de baldes de águas e ventiladores, como disseram as famílias dos detentos? Ou os celulares e drogas apreendidos na revista na manhã do mesmo dia? Agentes do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), que estavam na penitenciária desde o início do motim, contaram ao LIVRE o que viveram.

Os agentes terão as identidades preservadas, afinal, na quinta-feira (22), um agente do Setor de Operações Especializadas (SOE) e a sede do Sindicato dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso (Sindspen) foram alvejadas. E logo após o motim, áudios ameaçando “fuzilar” agentes do GIR e do SOE circularam nas redes sociais.

Dia 20 de março

O novo diretor, Revetrio Francisco, começava seu primeiro dia no comando da Penitenciária Central do Estado. Ele assumia a função no lugar do ex-diretor Bruno Henrique Ferreira.

Materiais apreendidos

Conhecido como um diretor “linha dura”, Revetrio deu início a seu trabalho com uma revista minuciosa nas celas. Para a mídia foram informadas a apreensão de 78 celulares, 290 trouxinhas de maconha, cinco facas artesanais, 15 “chuchos”, 18 fones de ouvido, 1,6 kg de cocaína, 2,7 quilos de entorpecentes e 30 carregadores de celulares.

O que já parecia muito para uma penitenciária, ainda era pouco perto da realidade. As imagens, conseguidas com exclusividade pelo LIVRE, mostram que, além disso, também foram apreendidas centenas de bolachas, barras de cereais, amendoins, numa espécie de “mercadinho”.

Os agentes da GIR disseram ainda que foram recolhidos muitos fardos de refrigerante. Para eles, os detentos contabilizaram as perdas e, revoltados com a atitude do novo diretor de “fazer um limpa”, resolveram dar início ao motim.

“Mercadinho” dentro da penitenciária

“Isso é normal, o ser humano é assim, quando se abre muitas regalias, só dá esse tipo de situação: querem mostrar força”, disse um agente.

O motim teve início no Raio 04 da PCE. Foi pedido que alguns presos saíssem da cela, movimentação comum dentro do presídio, mas eles se recusaram a obedecer. Os agentes do GIR então foram chamados. Tudo fazia parte do plano.

Quando chegaram, já foram recebidos com o início da revolta. Pedaços de parede eram jogados contra os agentes, água quente e óleo fervendo. Para se defender, os agentes utilizaram gás lacrimogênio. Eles disseram que os olhos ardiam e o ambiente estava difícil de ficar até mesmo para eles, mas que se desistissem haveria uma fuga em massa.

Nesse momento, um agente penitenciário entra no Raio 03, sem saber que o motim estava acontecendo e é atacado. Os detentos fizeram uma barricada com colchões. Logo na linha de frente da barricada estava o preso Jesuíno Cândido da Cruz Júnior, 28 anos, que morreria pouco depois.

Provavelmente a expectativa dos detentos, conforme relataram os agentes ao LIVRE, era pegar o servidor desatento.

Segundo os agentes, foi para conseguir salvar o servidor que tiros começam a ser disparados. Nessas situações, quando equipamentos não letais já não fariam efeito, o procedimento é atirar para cima, ou nas pernas. Foi o que os agentes relataram que foi feito.

Porém, o que eles não sabiam é que Jesuíno, que estava com um colchão em sua frente, estava agachado, então, quando atiraram na parte baixa, em direção à perna, conforme o procedimento, acertaram sua cabeça.

Jesuíno, detento morto durante motim

Jesuíno chegou a ser atendido na enfermaria da PCE, mas não resistiu e morreu no local.

A Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) emitiu uma nota comunicando a morte, dizendo que o motivo seria a revista realizada na manhã do mesmo dia e anunciando o fim do motim, mas sem dizer como tudo aconteceu, sem dizer quem teria matado Jesuíno.

Familiares dos detentos afirmam que o motivo do motim seria a limitação do número de ventiladores e baldes de água dentro das celas, além de aparelhos de televisão e de rádio. Os detentos reprovam a chegada do novo diretor.

Familiares em frente à PCE no dia do motim

Eles também diziam que as celas estão superlotadas, fato confirmado pelo presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários (Sindspen) João Batista.

“É uma unidade que tem 859 vagas e tem mais de 2.400 presos. Tem três vezes a capacidade dessa unidade. Isso traz um risco para os nossos servidores que atuam lá dentro e para os presos”, disse o presidente do sindicato.

Dia 21 de março

O boletim de ocorrência sobre o motim e a morte de Jesuíno é divulgado: ele morreu com um tiro no lado esquerdo da testa. No documento consta que os agentes reagiram atirando e que a direção da penitenciária se comprometeu a dizer os nomes e entregar as armas dos agentes que participaram da contenção.

Os investigadores da DHPP afirmaram no boletim que encontraram vários pedaços de concreto na penitenciária e algumas perfurações feitas por balas em freezers que estavam no corredor do refeitório onde houve o motim.

Apesar da revista pela manhã da terça-feira (20), no bolso de Jesuíno foram encontradas duas porções de maconha, R$ 4,00 e três chips de celular.

Áudios com ameaças contra agentes do SOE e do GIR começam a circular nas redes sociais. Supostamente Jesuíno seria membro do Comando Vermelho e os áudios também seriam de autoria da facção.

“Vamos fazer o seguinte: vamos arrumar seis irmãos psicopatas e detonar esse cara logo aí, pegar uma viatura daquela da GIR ou da SOE, não tem aquela viatura da SOE que saiu lá com quatro caras? Fuzilar os quatro dentro da viatura, deixar os quatro tombados dentro da viatura daquele jeitão. Nós é o crime, mano, nós não é o creme não, vamos pôr pra agir”, dizia um homem em um dos áudios.

No mesmo dia, conforme relataram familiares de detentos da PCE, cerca de 800 presidiários dos Raios 03 e 04 foram submetidos à chamada “tranca”, por causa do motim. Um tipo de pena disciplinar cumprida pelos presos em casos de desordem dentro da unidade.

Na “tranca” os presos são levados para as celas e proibidos de circular nos corredores. O castigo teria sido iniciado na quarta-feira (21), conforme os familiares, e o almoço só teria chegado aos detentos por volta das 14 horas da quinta-feira (22).

Durante as “trancas”, cerca de 20 presos ficam detidos em celas de quatro metros quadrados

Dia 22 de março

A ameaça dos áudios começa a ser cumprida. A casa de um agente do SOE é alvejada na noite da quinta-feira (22). A residência fica no Bairro Nova Conquista, em Cuiabá.

As imagens mostram que a janela da casa ficou com vários furos, todos de calibre 9 milímetros. Nem o agente, nem a mãe, uma idosa de 70 anos, ficaram feridos.

Policiais da Rotam, do Bope e da base do Bairro Três Barras estiveram no local. Agentes penitenciários também, em apoio ao colega que sofreu o atentado.

A casa do agente da SOE; as marcas dos tiros ficaram na janela

Dia 23 de março

São 6 horas da manhã. Os agentes que haviam sido solidários ao colega na noite anterior dormiam no alojamento da sede do Sindicado dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso (Sindspen). Vinte servidores estavam no local.

Um homem em um Chevrolet Prisma de cor prata passa em frente à sede e dispara ao menos 10 tiros em direção à porta. Uma viatura do GIR é atingida, o carro de um servidor também e ninguém fica ferido.

Na sequência, pelo menos sete agentes saem de dentro do sindicato, armados e com coletes à prova de balas, em busca do suspeito.

Eles contaram ao LIVRE que no momento não sabiam se o atirador ainda estava em frente à sede, se estava a pé, ou de carro (caso soubessem disseram que teriam saído com a viatura atrás dele).

Ele já tinha ido embora e toda a ação foi gravada por uma câmera de segurança. Veja:

YouTube video

O presidente do sindicato, João Batista, afirmou que a orientação é para que os servidores tomem cuidado durante os próximos dias.

Dia 24 de março

A Penitenciária Central do Estado (PCE) está sob a intervenção do Grupo de Intervenção Rápida (GIR). Cerca de 150 detentos são transferidos para unidades que possuem bloqueadores de celulares.

A intenção, segundo um agente do GIR, é “devolver a disciplina para a PCE”.

A vida na cadeia há muito interfere na vida de quem está fora dela. O LIVRE continuará acompanhando o caso.

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