Na iminência de uma crise financeira catastrófica, o que podemos esperar dos tribunais de justiça brasileiros? Podemos nos ancorar na literalidade da própria lei emergencial de recuperação judicial ou podemos esperar que a interpretação sistemática que os tribunais de justiça darão a esta pretensa nova norma será a nossa tábua de salvação?

Indiscutivelmente estamos à frente de uma crise financeira por falta de liquidez, ou seja, uma crise provocada pela falta de dinheiro circulante no mercado. Sabemos a causa do problema, mas parece que estamos titubeando na identificação da solução.

O recente projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados Federais trata de vários temas relevantes, mas deveria tratar de forma mais contundente do problema da ausência de liquidez do agente econômico. A instituição de prazos gerais e regulados para tratativas de acordos entre as partes, a instituição de uma moratória às avessas e a flexibilidade de várias exigências legais da Lei nº 11.101/2005 devem ajudar sobremaneira o agente econômico em crise, mas não é a solução contundente do problema de ausência de liquidez provocado pelo isolamento social.

A solução contundente para ausência de liquidez está nítida que é o acesso ao dinheiro novo. A pretensa nova lei trata deste assunto de forma muito tímida.  Se isso não foi tratado de forma direta e contundente na pretensa nova lei podemos esperar que a solução seja dada pelos tribunais brasileiros?

Existem vários posicionamentos judiciais que demonstram que o aplicador do direito (advogados/magistrados) acondiciona a lei de insolvência às necessidades reais. A jurisprudência estendeu prazo tido por improrrogável (prazo de suspensão das ações e execuções contra a empresa recuperanda), instituiu a perícia prévia e o aditamento de planos sem que houvesse previsão legal para tanto. A jurisprudência diz, aparentemente, mais do que a lei e em algumas hipóteses diz, aparentemente, de forma divergente da lei.

Então podemos esperar que a solução do problema da ausência de liquidez seja entregue pelas decisões judiciais?

Fato é que o direito construído no mundo real nem sempre é o reflexo literal e objetivo dos preceitos da lei. A construção do direito no mundo real será pautada pelas necessidades reais e, portando, deverá haver inúmeras tentativas de trazer liquidez àquelas empresas que viram seu faturamento reduzir a patamares inimagináveis. Redução drástica de recebíveis e manutenção de custos operacionais, eis o nosso grande problema! O ponto de equilíbrio financeiro (Break Even Point) dos agentes econômicos não é mais factível.

A primeira tentativa do agente econômico será liquidar imediatamente patrimônio imobilizado. A liquidação deveria acontecer de forma célere e no início do problema. A liquidação de patrimônio deveria ser capaz de remediar a ausência de faturamento. Veja que esta liquidação de patrimônio deveria ter uma motivação muito diferente da liquidação de patrimônio da falência. Aqui, a premissa deveria ser o direcionamento desses recursos para suprir o déficit financeiro hodierno das empresas. Com a superação do déficit financeiro surgirá os mais variados meios de manutenção da atividade empresarial e por conseguinte de favorecimento da retomada da circulação de riquezas.

Como fazer dinheiro rápido com a alienação de imóveis, que não são imprescindíveis para o soerguimento da empresa em crise, de forma segura ao investidor? Este será o remédio jurisprudencial procurado por muitos agentes econômicos com débitos tributários e com passivos trabalhistas.

Para que essa tentativa seja viável será necessário que a jurisprudência afaste o fantasma da sucessão na alienação de ativos em uma entrega jurisdicional de forma simples, célere e no início do procedimento recuperacional. Se isso ainda não é possível na regra geral, ao menos deveria ser a premissa do período de vigência da lei emergencial.

Espera-se isso da jurisprudência, pois a lei emergencial não inovou neste sentido. O risco do investidor em adquirir um patrimônio (imóvel, uma filial ou um parque industrial) está relacionado com a hipótese deste investidor responder pelas dívidas ligadas ao respectivo patrimônio ou até mesmo pelas dívidas ligadas à empresa que alienou o patrimônio. No nosso ordenamento, este risco é bem real e afasta muitos investidores. De outro lado, os trâmites legais da alienação de patrimônio da recuperanda são instituídos de uma forma que não favorece a celeridade e quase sempre não são exitosos.

Os posicionamentos jurisdicionais (posição dos tribunais), que são firmados a partir do conceito de dialética de Aristóteles, podem trazer o alento necessário desde que os advogados suscitem a discussão conceitual com premissas empíricas. A advocacia pode ser o elemento propulsor para que os posicionamentos jurisprudenciais neste período emergencial sejam extraídos de uma interpretação da lei condizente com as necessidades atuais do mundo real.

Todos devemos acreditar no comprometimento dos operadores do direito (advogados/magistrados) de fazer com que a lei emergencial de recuperação judicial possa trazer soluções práticas para o caixa das empresas e não simplesmente ser uma ferramenta de ideologias jurídico-econômicas construídas no curso do procedimento legislativo.

O que verdadeiramente vamos precisar é de dinheiro novo para sustentar as atividades empresariais e propiciar a retomada do progresso econômico nacional, que é garantido no artigo 3º, inciso II, da Constituição Federal como objetivo fundamental da República.

Max Magno Ferreira Mendes

Sócio do Escritório Ferreira Mendes Advogados. Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Curso de Extensão em Recuperação Judicial (COGEAE – PUC/SP). MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ, em curso. Especialista em Direito Agroambiental pela Escola do Ministério Público/MT. Graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Advogado.

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