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Qual o crime? Cartazes em Cuiabá mostram que escritores são “procurados”

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Qual o crime? Cartazes em Cuiabá mostram que escritores são “procurados”
Foto: Pedro Duarte

A ideia era promover artistas locais, mas os voluntários do coletivo Coma Fronteira, têm se surpreendido com os efeitos da campanha inusitada.

Eles distribuíram cartazes – os pontos escolhidos foram a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e o Centro de Cuiabá, o que inclui a região histórica – com as fotos de 23 escritores.

Nos panfletos, elaborados ao “estilo Velho Oeste”, os artistas foram apresentados como se escrever fosse considerado um crime. “Altíssima periculosidade por promover literatura”, está escrito.

O problema é que as reações, conta um dos idealizadores do coletivo, Caio Ribeiro, têm sido adversas. Os diálogos travados pelos transeuntes que cruzam com os cartazes nas ruas estão sendo registrados em vídeo. Mais tarde, vão virar um documentário.

Seria um reflexo de como a sociedade tem renegado a arte? De como a enxerga como algo supérfluo, que não desperta interesse, mas ira? Essa é uma possibilidade que os idealizadores da proposta começam a avaliar.

O resultado final vai ser medido depois da campanha, que segue nos próximos meses.

Foto: Pedro Duarte

Depois de uma oficina de lambe-lambe, eles fabricaram cola e saíram com seus cartazes para “lamber” paredes, postes e muros de prédios públicos, abandonados e tapumes de obras.

Antevendo situações adversas já nos primeiros contatos com o público, Caio pediu orientação da Prefeitura de Cuiabá, via Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer. Queriam validar as ações que pretendiam desenvolver, ou seja, tudo é feito na legalidade e pautado pelas práticas da intervenção urbana.

“Alguns comportamentos inesperados nos deixaram em alerta. A gente já vinha presenciando uma situação estranha de desvalorização da cultura, que já remonta vários governos, mas algumas reações foram inesperadas”, avalia Caio.

“Parece que arte oficial é só teatro clássico, orquestra… Grafite e lambe-lambe são intervenções urbanas, ora”, desabafa.

Na avaliação dele, a impressão é de uma marginalização dos movimentos artísticos contemporâneos que se encorpa. A arte deixa de ser apreciada da maneira que ela merece.

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“Um senhor se aproximou quando terminamos de colar uns cartazes e disse: ‘se eu achar esse *** eu levo ele para passear lá no Portão do Inferno’. Na hora eu pensei: ‘mas isso é uma brincadeira!’”.

Foi, então, que Caio e os outros voluntários começaram a se assustar.

“Uma outra senhora disse que não era para a gente ficar brincando com isso. ‘Cola esse negócio e vaza logo. Pelo jeito, tem até professor envolvido. Vai que esse povo fica sabendo que são vocês que estão colando’. Era como um aviso que X-9 não tem vez”.

Como se trata de uma intervenção urbana, os artistas não interferem. “Dissemos a ela que havíamos sido contratados apenas para colar, que não sabíamos quem era o idealizador dessa iniciativa”.

Na Praça da Mandioca, outra situação inusitada.

“Quando alguns comerciantes nos viram, saíram atrás rasgando os cartazes e jogando no chão. Na mesma hora, uma gari que varria a rua e acompanhava a ação, os chamou a atenção porque estavam jogando no chão. Foi bem engraçado”.

Essa revolta, esse clima de barbárie, é muito provocador do ponto de vista da pesquisa, para os envolvidos no projeto.

Caio, que é ator e escritor, também está sendo “procurado”

O coletivo de artes híbridas, segue com a proposta até o fim do ano. Neste primeiro momento, contaram com apoio da editoria da Revista Pixé.

Ao todo, 2 mil cartazes foram distribuídos durante dois dias, nos períodos da manhã e da noite.

Em outubro, o alvo da “procura” serão os artistas das artes cênicas; em novembro, da música; e em dezembro, possivelmente, figurarão pela cidade fotos de artistas do audiovisual e artes visuais.

Nesta primeira fase, 23 escritores foram agraciados. Ou não…

Foto: Pedro Duarte

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