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Promotor contesta argumentos pró-extinção do parque Serra de Ricardo Franco

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Promotor contesta argumentos pró-extinção do parque Serra de Ricardo Franco

Luzia Abich/Amigos de Trilhas

Cânion no parque Serra de Ricardo Franco

Cânion no Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco, onde mais de 120 fazendas desmataram 19 mil hectares

O promotor de Justiça Augusto Lopes Santos, da Comarca de Cáceres, foi o responsável pela primeira ação que pediu, em 2015, a responsabilização do Estado pela não regularização fundiária do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco. A exigência está prevista no decreto 1.796, de novembro de 1997, que criou o parque. Nesta quinta-feira (20), Santos reagiu às movimentações de deputados estaduais para suspender os efeitos do decreto e anular a criação do parque. “É um absurdo”, disse o promotor. O Ministério Público também prometeu reagir contra a articulação.

Em entrevista ao LIVRE, ele contesta cada um dos argumentos jurídicos utilizados por aqueles que defendem a extinção do parque. Veja a seguir:

O decreto pode ser anulado?
Para o promotor, a tentativa de sustar o decreto que criou o parque em 1997 vai contra preceitos básicos do Direito Ambiental. “Há princípios constitucionais  e princípios previstos em tratados internacionais, como a Convenção de Estocolmo e a Rio 92, por exemplo, que vedam o retrocesso”, disse Santos. “No direito ambiental, você não pode retroceder. É proibido o retrocesso”.

“Tanto o legislador quanto o poder executivo não podem agir de maneira a retroceder dentro dos direitos e garantias fundamentais alcançados na questão ambiental”, explicou o promotor. “Por isso, entendo que esse movimento legislativo de tentar causar nulidade do decreto que criou o parque pode infringir esse princípio da proibição do retrocesso”.

Os decretos caducam?
Santos também rebateu o argumento dos deputados estaduais segundo o qual o decreto que criou a área não tem validade porque não houve regularização fundiária dentro do prazo de cinco anos. Tal argumentação se baseia no decreto-lei 3.365 de junho de 1941, assinado por Getúlio Vargas, que diz, em seu artigo 10º:  “A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará”.

“Estão partindo de uma premissa equivocada”, afirmou. “O decreto que cria o parque não é sujeito a caducidade. A não observância do prazo só torna o Estado inadimplente com suas obrigações”. Segundo o promotor, “o decreto que criou o parque é uma garantia fundamental da coletividade”.

“Na época em que esse decreto de 1941 foi criado não exisitiam discussões a respeito dos interesses ambientais que existem hoje”, disse. “Então, é um decreto anacrônico em relação a situação atual. Não significa que o decreto de 1997 perde os efeitos e o parque perde a validade, isso não existe. O parque não perde a validade. O prazo de cinco anos não tem o condão de anular a criação do parque. O que acontece é o Estado ficar inadimplente com suas obrigações de realizar as desapropriações e as indenizações”.

É legal criar um parque por decreto?
Um dos entusiastas da extinção do parque, o deputado estadual Adriano Silva (PSB), criticou a criação de unidades de conservação por meio de decreto e defendeu que outros parques de Mato Grosso criados da mesma maneira também passem pelo mesmo processo de extinção e recriação por meio de lei. “Não pode a União legislar por medida provisória, nem o Estado legislar por decreto”, disse ele. “Vamos provocar o governo para mandar um projeto de lei para que seja discutido na Assembleia, porque aqui é o grande palco para legislar”.

A argumentação, contudo, também é falha, diz o promotor Santos. “É legal a criação do parque através de decreto”, disse. “Inclusive há um caso análogo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que foi o caso do Parque Estadual Igarapés do Juruena”.

De acordo com o promotor, o recurso do mandado de segurança 20281 foi analisado por minstros do STJ que concordaram que a criação de um parque estadual pode ser feita nos moldes em que foi criado o Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco. “O STJ decidiu que o decreto que criou aquele parque é totalmente legal e que o prazo de caducidade, conforme foi dito, não se presta a anular os efeitos do decreto que cria o parque”. 

Indenizações são ‘impagáveis’?
Governo e parlamentares estaduais avaliaram que as indenizações devidas pelo Estado aos proprietários de terras dentro da Unidade de Conservação da Serra de Ricardo Franco seriam “impagáveis” se fossem calculadas hoje. Esse argumento foi contestado pela promotora Ana Luiza Peterlini, que foi secretária de Meio Ambiente do governo Taques, e também pelo promotor Augusto Lopes Santos.

“O que o Ministério Público está pleiteando na ação não é que os proprietários sejam expulsos das terras sem nenhum critério”, disse. “O que queremos é que o Estado cumpra com sua função de realizar o levantamento fundiário detalhado e fazer as devidas indenizações no preço de mercado e que faça a retirada mediante indenização. Isso pode ser feito por meio de compensação ambiental”.

Ainda de acordo com o Ministério Público, só os proprietários que comprovarem a posse legítima da terra têm direito a indenização. Como a região foi alvo de posseiros e grileiros no passado, isso só poderá ser feito a partir de um levantamento detalhado das documentações das mais de 120 propriedades que ocupam o parque.

 

Leia a série de reportagens que o LIVRE publicou sobre a Serra de Ricardo Franco:

As estranhas terras do ministro Padilha

Os últimos capítulos da disputa jurídica para decidir o destino da Serra de Ricardo Franco

Os fazendeiros da Serra de Ricardo Franco e a confiança na impunidade

Fazenda de ministro tem pista de pouso clandestina e lixão a céu aberto

Quando a liberdade é ameaçada 

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