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Projeto ambiental da Copa entre a estagnação e o retrocesso

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Projeto ambiental da Copa entre a estagnação e o retrocesso

Ednilson Aguiar/O Livre

Instituto ação verde

 

No cenário à frente da moradia ribeirinha de José Antônio Tapajós Sempio, de 63 anos, tudo sugere calmaria, dias iguais aos outros, estabilidade.

Debaixo de seus pés, porém, se desenrola uma batalha violenta e silenciosa entre o solo frágil do bioma pantaneiro e a força torrencial das águas do rio Cuiabá.

É um confronto desigual, que resulta em desbarrancamentos que, ano após ano, levam um naco do seu quintal, na localidade de Barranco Alto, em Santo Antônio do Leverger (30 km de Cuiabá).

Em 30 anos à beira do rio, ele conta que essa realidade nunca mudou. “Isso aqui não tem jeito. O solo é fraco e a água se infiltra por baixo. Quando o rio vem, leva tudo”, diz.

Ele sorri com ironia ao lembrar quando, seis anos atrás, um grupo de políticos, ambientalistas e promotores desembarcou na comunidade trazendo um diagnóstico e uma solução para o problema.

“Colocaram a culpa nos ribeirinhos e nos mandaram plantar árvores para resolver o caso dos barrancos que caíam. Plantamos e, como era seca, quase tudo morreu. Plantamos de novo e, quando veio a cheia, o rio levou tudo. O que vingou está lá na beira, caindo junto com o barranco, veja lá”, diz, apontando para árvores tombadas em direção ao leito do rio.

Todo mundo na foto
O projeto Verde Rio existia desde 2008, mas ganhou força após um convênio firmado em junho de 2011 entre a antiga Agência Extraordinária da Copa do Mundo Fifa 2014 (Agecopa) e o Instituto Ação Verde, ong ligada à Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt) e criadora da metodologia.

O acordo previa o plantio de até 1,4 milhão de árvores e a recuperação de mil hectares de “áreas degradadas ao longo dos rios formadores do Pantanal, em especial o rio Cuiabá”. O custo da empreitada, que serviria para compensar as emissões de carbono da obra da Arena Pantanal, foi estimado em R$ 3,5 milhões.

No lançamento, realizado em uma propriedade ribeirinha do Barranco Alto, o então presidente da Agecopa, Eder Moraes, qualificou a iniciativa como um “instrumento de preservação”. “A exploração do turismo e a conservação da natureza caminham juntas, o que torna a Copa Verde um importante instrumento de preservação dos rios formadores do Pantanal, ecossistema que atrairá milhares de turistas de todo mundo em 2014”, disse.

Secom/MT

Verde Rio

Silval Barbosa (ao centro) e Eder Moraes (à esquerda) em 2011, no lançamento do projeto Verde Rio

Após o lançamento, a obra sofreu dois aditivos, sendo um deles de suplementação orçamentária – R$ 1 milhão. A justificativa era a necessidade de compensar as emissões de gases em todas as obras relacionadas ao evento.

No ano da Copa, porém, o governo mudou suas prioridades e a execução orçamentária do projeto, que previa investimentos de R$ 1,2 milhão, resultou em apenas R$ 68 mil de dotação final e execução próxima a zero.

O convênio foi revogado no final de 2014. No total, segundo os registros do Fiplan, a empreitada custou R$ 3,2 milhões aos cofres estaduais.

Acabou a Copa, esfriou
Três anos depois, o cenário no local é de estagnação e, em alguns casos, retrocesso. No sítio que recebeu o evento de inauguração, com a presença do então governador Silval Barbosa, as áreas que foram isoladas registraram recuperação florestal, mas o desabamento das margens continua.

“Até formou uma mata, mas na beira do rio morreu muita muda, pois plantaram na seca. Precisava de uma manutenção, replantar, mas faz tempo que não aparece ninguém aqui. Acabou a Copa, esfriou”, lamenta Manoel do Bondespacho de Arruda, 32 anos.

Nascido e criado na localidade, Geraldo Magalhães Galdino, 42, trabalhou cinco anos no projeto Verde Rio e avalia que a tentativa de contenção por meio das árvores “não deu certo”. “Esse desbarrancamento não tem jeito, é difícil de controlar e não para. Foi plantado tudo aí na frente e olha o jeito que está: a mata está quase lá no meio do rio”, relata.

Segundo ele, em alguns pontos as árvores plantadas acabam por acelerar o processo. “Aquelas que foram plantadas na beirinha a gente é obrigado a cortar, porque senão ela leva mais barranco, por causa da raiz”, relata.

Isolados

Ednilson Aguiar/O Livre

Instituto ação verde

Geraldo Magalhães Galdino, 42, que trabalhou cinco anos no projeto Verde Rio: “A contenção não deu certo”, afirma.

 

Para o superintendente da ong Ação Verde, Vicente Falcão, as críticas dos ribeirinhos são “manifestações isoladas” e não refletem os resultados do projeto. “A gente tem todo um histórico para apresentar. Imagens de satélite que mostram como era e como ficou. O saldo é muito positivo”, avalia.

O balanço da entidade contabiliza 297 propriedades cadastradas, com 600 hectares de áreas monitoradas até hoje. “A gente segurou o projeto para não ter prejuízo para o pessoal local. Esse monitoramento é feito com recursos próprios”, diz o superintendente.

Em relação às queixas dos ribeirinhos, que disseram que não recebem a visita de representantes do projeto desde 2015, Falcão afirma que o trabalho passou a ser feito principalmente à distância, por meio de imagens de satélite, mas que as visitas de campo continuam.

“Não temos mais reuniões com a comunidade, mas o monitoramento é feito, com um carro nosso, que não é caracterizado”, afirma.

Sobre os desbarrancamentos que continuam a atingir a área do projeto, a Ação Verde diz que o projeto foi feito para desacelerar o ritmo do processo, não para interromper.

“Aquela é uma estrutura morfológica extremamente complicada. O rio naturalmente faz curvas, perde e ganha barranco. O que a gente tenta fazer é desacelerar o processo. Não é o replantio que vai resolver”, afirma o engenheiro florestal Lucas Neris Araújo.

Imagens: Google Earth

Verde Rio

Imagens de satélite mostram recuperação de área degradada no Barranco Alto: desabamentos continuam

 

Além de fatores naturais e da supressão das matas ciliares, Araújo diz que o problema também é agravado pela movimentação de carros nas estradas à beira do rio e o deslocamento de embarcações, que geram ondas artificiais.

A ong também atribui parte da culpa aos próprios ribeirinhos, que não teriam seguido à risca as técnicas para o plantio e conservação das mudas. “Muitas vezes, o proprietário não implantava a técnica, não fazia o que era recomendado”, diz.

Ednilson Aguiar/O Livre

Instituto ação verde

Falcão diz que o projeto previa uma segunda etapa de trabalho, destinada a identificar e corrigir problemas verificados no primeiro ciclo de replantio. O corte nos recursos, segundo ele, impediu que a ideia fosse levada adiante.

“O projeto foi feito para recuperar os três principais rios do Estado e não saiu de um. Serviu, porém, como ensinamento para a gente e para a criação de uma plataforma de negócios que é a busca da economia verde”, argumenta.

Mudança cultural
A promotora Ana Luiza Peterlini, titular da 15ª promotoria ambiental, avalia que os resultados do projeto, que teve o Ministério Público Estadual como parceiro, são positivos. “Aquilo que competia ao Ministério Público foi feito e continua a ser feito. E, pelas imagens de satélite, o antes e depois é inegável”, diz.

Entre outros resultados relevantes, ela contabiliza: 200 termos de ajustamento de conduta assinados por proprietários, 712 vistorias (em conjunto com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, outra parceira) e 539 relatórios de vistoria.

Para Peterlini, o descontentamento dos ribeirinhos tem relação com a mudança cultural que o projeto exige. “O ribeirinho quer um quintal aberto e gramado até a margem. Quer ver o rio. Mexer nisso deixou muita gente contrariada”, avalia.

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