No início de 2021, cerca de 60 enfermeiros graduados em Mato Grosso vão para a Alemanha para uma temporada de um ano de trabalho e imersão na cultura germânica. O programa tem ares de intercâmbio estudantil que não são enganosos.
Mas não é para todo mundo. Na área da saúde, existem discrepância alarmantes entre os níveis de graduação. E o exercício da Medicina não tem o mesmo gosto para médicos, enfermeiros e técnicos.
Estes últimos, junto com os auxiliares, passam o maior tempo nos cuidados dos pacientes. Trabalham 12 horas por dia e o retorno financeiro é bem baixo: cerca de três vezes menor do que o recebido por um médico.
A situação está ressaltada pela pandemia do novo coronavírus. Presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem de Mato Grosso (Sinpen-MT), Dejamir Soares afirma que o governo de Mato Grosso tem pago R$ 380 por plantão nos hospitais referências de tratamento da covid-19.
Os profissionais cumprem 12 horas de trabalho e contato direto com os pacientes. Fazem medicação e prestam outros cuidados corriqueiros e necessários a quem está internado em ala de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
“Quem passa o maior tempo com os pacientes são os enfermeiros, técnicos e auxiliares. São eles que ficam ao lado para o socorro. Os médicos chegam, olham e assinam o que é necessário. Quem pega no pesado mesmo são os enfermeiros”, diz Dejamir.
Dados divulgados nessa segunda-feira (24) pelo Ministério da Saúde apontam na mesma direção. Segundo os números, 257 mil profissionais da saúde foram infectados pelo coronavírus desde o início da pandemia. E desse total, a maior parte é formada por técnicos e auxiliares de enfermagem.
Eles somam 34,4% dos infectados. Os enfermeiros aparecem logo em seguida: 14,5%. Médicos são 10,7% e agentes comunitários de saúde somam 4,9%.
A diferença de ganho entre eles faz parte do abismo na estrutura hospitalar. Conforme o Sinpen, cada médico recebe R$ 1,2 mil por cada plantão com a mesma carga horária.
Há dois meses, quando a Secretaria de Estado de Saúde (SES) reabriu edital para a contratação de médicos e enfermeiros, para preencher cargos nos hospitais referências da covid, houve incremento no pagamento por plantão somente para os médicos.
Escada salarial
Mas a diferença salarial tem histórico mais longo que o da pandemia e é disforme. Levantamento do Sindicato de Enfermeiros aponta que o preço do trabalho ofertado varia de acordo com a região do Estado. Quanto mais afastado, mais baixo.
Nos hospitais da Baixada Cuiabana, por exemplo, o piso salarial em está R$ 1.380. A essa quantia são somados alguns benefícios, como insalubridade, tempo de serviço e cesta básica (em alguns casos).
A região Norte de Mato Grosso tem, hoje, a melhor oferta. Por lá, os hospitais pagam até R$ 2 mil ao mês, com os mesmos direitos a benefícios. Já na região Oeste, a situação volta a ficar igual na Baixada Cuiabana.
Paralelamente, em alguns municípios da mesma região, prefeituras já ofertam até R$ 38 mil para atrair médicos, por exemplo, no primeiro ano do governo Bolsonaro, quando o programa Mais Médicos foi suspenso.
Perfil
O sindicato aponta ainda que Mato Grosso tem, hoje, cerca de 38 mil enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. A maioria são mulheres que trabalham para médicos, geralmente donos de hospitais.
Uma pesquisa do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) – que traçou o perfil dos profissionais dessas áreas – aponta que, além de a maioria ser mulher, a concentração de pessoas no mercado está na faixa etária entre 36 e 55 anos.
São pessoas graduadas em Mato Grosso e que entram no mercado no mesmo Estado de formação. Mas a fila de quem atualiza o conhecimento na área fica menor após os anos de graduação.
Conforme a pesquisa, apenas 16% tinham leitura de periódicos especializados. A participação em eventos voltados para a profissão era assídua para 67% dos entrevistados e 69% passaram por algum aprimoramento após a conclusão do curso.
Precariedade nacional
O enfermeiro Dejamir Santos afirma que as condições ruins de trabalho e a renda não são exclusivas de Mato Grosso, apesar de haver situações mais graves em alguns pontos.
Em Várzea Grande, o plano de carreira estaria estagnado há mais de 10 anos. Não estão sendo concedidos as progressões de cargo e nem reajuste salarial de acordo com a função.
“E quando, todo ano, vamos conversar com os gestores, eles ficam nos olhando com cara de paisagem. Na rede pública, há um melhor piso salarial, de R$ 2.850, mas do que adianta se não está atualizado?”, diz.
A pesquisa do Confen aponta que 1,8% de profissionais de enfermagem no Brasil recebe menos de um salário mínimo por mês. Outros 16,8% têm renda total mensal de até R$ 1 mil.
Conforme os dados, os quatro grandes setores de empregabilidade da Enfermagem (público, privado, filantrópico e ensino) apresentam subsalários. O privado (21,4%) e o filantrópico (21,5%) são os que mais praticam salários com valores de até R$ 1 mil. Mas mesmo nesses dois casos, a renda de mais da metade dos empregados não passa de R$ 2 mil.
Por outro lado, a dificuldade de encontrar emprego foi relatada por 65,9% dos profissionais de Enfermagem. A área já apresenta situação de desemprego aberto, com 10,1% dos profissionais entrevistados relatando situações de desemprego nos últimos 12 meses.
De acordo o Sinpen-MT, na Alemanha, a renda mínima de enfermeiros para uma jornada semanal de 30 horas é de 5 mil euros. Os escolhidos de Mato Grosso para a temporada lá, em 2021, estão em treinamento há cerca de um ano para reduzir o impacto da adaptação, com alguns custos bancados pelo governo alemão, por exemplo, a aprendizagem do idioma.