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Procura-se um vice-governador

Artigo de Suelme Fernandes sobre o mato-grossense Lenine de Campos Póvoas

6 minutos de leitura
Procura-se um vice-governador

Para comemorar os 100 anos de nascimento do notável mato-grossense Lenine de Campos Póvoas, nascido dia 4 de julho, poderia gastar muito latim falando de sua vasta bibliografia (mais de 30 livros), da carreira acadêmica como grande advogado fundador e professor do primeiro curso de Direito de Mato Grosso, da sua passagem pela Academia Mato-grossense de Letras, da qual foi presidente por 10 anos, ou de sua carreira no IHGMT.

Póvoas começou sua vida politica aos 26 anos, como deputado estadual eleito, tendo exercido dois mandatos, de 1947 a 1950 e reeleito de 1951 a 1954. Nesse último, renunciou em 1953 para assumir assento como Ministro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do qual foi idealizador, cargo que ocupou até 1965.

No ano seguinte, foi eleito vice-governador de Mato Grosso, exercendo o cargo de 1966 a 1971, no mandato de Pedro Pedrossian. No governo seguinte, de José Fragelli, 1971-1975, foi secretário de Administração. No governo Garcia Neto, 1975-1978, foi presidente da FUNCETUR-MT e depois foi secretário-chefe da Casa Civil com o governador Carlos Bezerra, em 1987.

Incrível, essa longevidade dele, que encerrou sua vida pública com chave de ouro na condição de presidente estadual do MDB da Redemocratização, tendo realizado o grande comício que trouxe Tancredo Neves em Cuiabá em 1983 e o das Diretas Já em 1984, com Dante de Oliveira no palanque na Praça Rachid Jaudy.

Nesse tempo todo, Lenine militou em vários partidos. Foi dirigente na UDN em 1947, filou-se no PTB em 1966 para candidatar-se a vice-governador na Aliança com PSD. Em 1976 adentrou a ARENA como secretário-geral e, por último, em 1979, ingressou no MDB, que ficou filiado até sua morte.

Entre as inúmeras curiosidades de sua impressionante vitalidade política, a que mais me chamou a atenção foi o episódio em que Lenine teve a possibilidade de assumir o Estado como governador legítimo.

Nas eleições de 1965 Lenine era o candidato a governador dos sonhos da cuiabanidade, família tradicional, advogado de renome com perfil mais diplomático e experiente. Principalmente depois que a candidatura de João Ponce de Arruda PSD, apoiada pelo governador Feenando Corrêa, não era bem quista pelo então presidente Castelo Branco em pleno regime militar.

Mas Lenine não conseguiu se viabilizar politicamente como candidato a governador em seu grupo, que também era de Fernando Corrêa e aceitou ser vice do grupo adversário de um candidato da região sul do Estado, numa articulação do próprio PSD.

O sul tinha maior base eleitoral e por isso impunha algumas condições, entre elas de indicar o principal nome da majoritária.

Lenine aceitou uma aliança tendo na cabeça de chapa o engenheiro civil sulista Pedro Pedrossian. Deveria estar na bronca por ter sido preterido em seu próprio partido da oportunidade de disputar como candidato a governador. Para fazer o acordo, Póvoas desfiliou-se da UDN e embarcou no crescente PTB de Jânio Quadros.

O cacique político Fernando Corrêa da Costa entendeu isso como desacato e lançou Lúdio Coelho, também do sul, como governador, tendo como vice um nome também de Cuiabá, Hermes de Alcântara, em chapa pura da UDN. E foi fragorosamente derrotado pela coligação PSD/PTB Pedrossian/Lenine, que saiu das eleições como uma das chapas mais bem votadas na história eleitoral de Mato Grosso até então.

A decisão de Póvoas custou-lhe o rompimento com o grupo UDNista de Fernando Corrêa, mas foi decisiva para vitória de Pedrossian, que, ao ganhar, celebrou mais uma vez a aliança política do sul e do norte.

Mais tarde, já na gestão de Pedrossian, em 1968, explode um escândalo nacional de corrupção envolvendo a gestão da Empresa Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, na qual Pedro Pedrosian havia sido Diretor Superintendente de 1961 a 1964. O caso repercutiu imediatamente na Assembleia Legislativa, que, aproveitando do desgaste e fragilidade política de Pedrossian, abriu de imediato um processo de impeachment.

Lenine, na eminência de se tornar governador legitimo, após o impeachment teve uma atitude no mínimo inusitada, simplesmente sumiu de Cuiabá para lugar desconhecido e deixou os parlamentares a ver navios.

Quando a família, através de sua esposa Dona Arlete, recebeu as visitas de um grupo de líderes políticos afim de saberem do paradeiro de Lenine, ela informou-os que seu esposo teria saído da cidade para atender a compromissos familiares, mas que tinha deixado recomendado que se por acaso ocorresse a cassação do governador, era para entregar uma carta escrita de próprio punho na assembleia legislativa renunciando ao mandato de vice-governador. Sendo assim Pedrosian governou até o fim do seu mandato.

Lenine afirmou depois que jamais aceitaria assumir um cargo que não fosse pela via democrática legítima e que não iria macular sua biografia com a pecha de ter conspirado contra a cabeça do rei. Atitude nobre em se sabendo que os vices são historicamente as maiores ameaças dos mandatários do executivo, vide Dilma/Temer, para não citar outros tantos.

Lenine tinha aprendido na disciplina de Teoria Geral do Estado no Curso de Direito do Rio de Janeiro que, dependendo da forma que se conquista o poder, o político pode se tornar um herói ou um rato na história.

O conjunto da obra e realizações de Lenine demonstram nessas comemorações que a imortalidade almejada pelos seres humanos é muito mais que um diploma dependurado na parede do escritório e só pode ser alcançada por seus feitos, pela biografia e não pela nomeação em cargos, ou pelo culto à personalidade imposta, pelos nomes de ruas e bustos nas praças.

As liturgias, pompas e títulos sem propósitos são frivolidades, efemérides, placas de inauguração, que depois da morte se encerrarão nas lápides de um cemitério qualquer na cova do esquecimento coletivo.

Que a luz do centenário de Lenine, do seu bom exemplo e da sua história dadivosa, sirva para iluminar e inspirar os mais jovens sobre os caminhos possíveis da boa política, praticada por homens e mulheres de bem.

Suelme E. Fernandes é Mestre em História pela UFMT e membro do IHGMT.

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