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Prédios inacabados em Cuiabá intrigam e causam revolta

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Prédios inacabados em Cuiabá intrigam e causam revolta

Ednilson Aguiar/O Livre

Prédios abandonados

A vida é feita de escolhas. E elas nem sempre levam ao destino imaginado. As circunstâncias mudam todo o tempo, tornando inúteis os planos mais calculados, desconstruindo as melhores expectativas.

Em vários campos da vida, a frustração deixa feridas internas, invisíveis aos olhos. Na construção civil, no entanto, os sonhos desfeitos costumam deixar marcas sólidas, em aço e concreto.

Na zona urbana de Cuiabá, não faltam exemplos de obras públicas e privadas que se tornaram lendas por nunca terem cumprido seu propósito original.

Seja por mudanças nos ventos da economia ou pelo uso indevido do dinheiro público, alguns prédios inconclusos se incorporaram à paisagem urbana da capital como promessas nas quais ninguém acredita mais.

A fábrica ultramoderna que não aconteceu. Os hotéis de luxo que nunca abriram as portas. O hospital onde ninguém jamais foi tratado.

Em alguns casos, há esperança. Em outros, só o silêncio. Confira a nossa lista:

 

O esqueleto da Fernando Correa

Ednilson Aguiar/O Livre

Prédios abandonados

Local que abrigaria a fábrica da Interlenses, na avenida Fernando Corrêa da Costa

O ano era 2006 e a economia em alta impulsionava investimentos e projetos ousados. Em Cuiabá, esse otimismo fez nascer a ideia de uma fábrica ultramoderna, em plena avenida Fernando Corrêa da Costa.

Surgiria ali a Interlenses, especializada em lentes intraoculares – sendo a primeira no mundo a produzir lentes hidrofílicas (feitas com materiais que absorvem água) amarelas, capazes de filtrar raios ultravioleta. O investimento inicial de R$ 8 milhões previa uma capacidade para até 100 mil unidades/ano.

Além de financiamento pelo FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oestes), o empreendimento contava com incentivos fiscais por meio do Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic). Mesmo assim, não prosperou.

Quem passa hoje pelo local, no bairro Pico do Amor (nas proximidades do viaduto da Miguel Sutil), vê apenas um esqueleto em estrutura metálica. Nas paredes, pichações.

O LIVRE tentou contato com um dos sócios da iniciativa, o oftalmologista Orivaldo Amâncio Filho, para tentar descobrir o que deu errado, mas ele disse não ter “interesse” em tratar do assunto.

 

O tubo de concreto da Avenida do CPA

Ednilson Aguiar/O Livre

Prédios abandonados

Prédio que abrigaria o Haddad Park Hotel: projeto arquitetônico inovador

Há mais de 30 anos, um tubo de concreto armado de 45 metros de altura intriga motoristas e transeuntes que passam pela esquina da rua Terra Nova com a Avenida Rubens de Mendonça.

Erguido em 1985, o prédio de desenho inusitado deveria abrigar o Haddad Park Hotel, empreendimento do grupo Grupo Haddad & Haddad que previa 80 apartamentos de alto padrão e contou com recursos do Fundo de Investimentos da Amazônia (FINAM).

A obra nunca chegou à fase de acabamento e o terreno chegou a abrigar um galinheiro. Procurados, os proprietários do prédio se recusaram a falar a respeito. Uma das lendas sobre a obra é que o projeto, a cargo do arquiteto Mário Gomes Monteiro, teria causado o embargo da estrutura.

A questão foi mencionada na tese de doutorado “Arquitetura moderna em Mato Grosso: diálogos, contrastes e conflitos”, do arquiteto Ricardo Silveira Castor.

“No projeto para o Haddad Park Hotel, as empenas cegas de concreto libertam-se da tipologia da caixa para girar, visualmente, ao sabor do vento. Embora tenham provocado o embargo da obra, as dimensões das aberturas enviesadas são coerentes com um hotel de partido tão introspectivo”, afirmou, em um trecho.

O LIVRE não conseguiu contato com Monteiro, que se encontra hospitalizado. Colegas de profissão, que preferiram não se identificar, disseram que o projeto arquitetônico nunca teve relação com a paralisação da obra, que teria sido afetada pela crise no grupo construtor. 

 

O hotel de luxo que nunca hospedou ninguém

Ednilson Aguiar/O Livre

Prédios abandonados

Cuyabá Golden Hotel: com 168 quartos de alto padrão, obra está 90% concluída, segundo proprietário

No topo de uma colina, ao lado do viaduto da Miguel Sutil sobre a avenida do CPA, a estrutura do Cuyaba Golden Hotel chama a atenção pela imponência e, ao mesmo tempo, pela incompletude. A obra começou em 1991, por meio da Hotéis Global. O projeto original, à época, previa 15 mil metros quadrados de área construída, com 168 apartamentos e área para eventos e convenções.

O empreendimento contou com R$ 11.368.782,61 de financiamento pelo Fundo de Investimento da Amazônia (Finam), com previsão de contrapartida de igual valor por parte dos construtores. Dezoito anos depois, em 2009, o Ministério Público Federal propôs uma Ação Civil Pública contra os sócios Carlos Antônio Garcia e Pedro Augusto Moreira da Silva, afirmando ter havido fraude na prestação de contas do financiamento. A denúncia foi mais tarde arquivada porque a Justiça Federal entendeu que a modalidade da ação proposta pelo MPF era incompatível com o caso.

Em entrevista ao LIVRE, Garcia chamou de “factoide” as acusações de fraude. “Não havia nada de irregular”, relata. Sobre a obra, ele afirma que está praticamente concluída. “A obra está com mais de 90% de conclusão. Faltam detalhes de acabamento e o mobiliário”, disse. O hotel, porém, não deverá ser inaugurado em curto prazo. De acordo com Garcia, o entrave agora é a crise que afeta o setor. “Como vamos abrir um hotel daquele porte em um momento em que tantos outros estão fechando? Não é a hora”, lamenta. 

 

O hospital fantasma

Ednilson Aguiar/O Livre

Prédios abandonados

Hospital Central de Cuiabá: 30 anos de atraso e prejuízo de R$ 46 milhões

Moradia de morcegos e pombos e, eventualmente, de moradores de rua, a estrutura onde deveria funcionar o Hospital Central de Cuiabá, no Centro Político e Administrativo, virou símbolo maior do abandono e do desperdício do dinheiro público em Mato Grosso.

Por seus pavimentos de concreto, nunca transitou maca. Nos cômodos destinados às salas de cirurgia, ninguém jamais recebeu sequer um esparadrapo. Nas escadarias escuras, a poeira e as pichações lembram um cenário de filme de terror, mas o susto mesmo vem do rombo que, segundo o Ministério Público Federal, a construção causou aos cofres públicos: US$ 14.118.998,57 (o equivalente a R$ 44.121.870,5). Iniciada na década de 1980, a obra teve três fases.

A primeira representou cerca de 8% do previsto. “A origem dos recursos para o custeio desta etapa é desconhecida e a documentação referente a ela nunca foi encontrada”, disse a procuradoria, na ação. A segunda e a terceira etapas correspondiam, respectivamente, a 71,42% e 20,63% do hospital e foram viabilizadas por meio de um convênio firmado entre o governo de Mato Grosso, na gestão de Jayme Campos (1991-2004) e o hoje extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).

Segundo o MPF, as verbas previstas foram liberadas na totalidade, mas a terceira etapa alcançou apenas 5% do previsto. Entre as irregularidades destacadas na investigação, estavam a cobrança de taxas ilegais, alteração nos quantitativos dos serviços, pagamentos antecipados e superfaturamento, que ocorreu na repactuação de valores para a retomada da obra.

“Ocorreu o superfaturamento de 561,59% segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), fato também confirmado já no processo judicial pelo perito do juízo”, afirmou o Ministério Público Federal à ocasião.

Em 2010, a Justiça Federal condenou o ex-governador Jayme Campos e outras quatro pessoas, além de duas empresas, à “restituição integral de todas as verbas públicas federais que foram repassadas pela União”. Na ação, Campos negou que tenha participado da “elaboração ou mesmo na execução” do contrato, e disse não ter sido “ordenador de despesas ou gerenciador dos recursos”.

A condenação atingiu ainda o Estado, que foi obrigado a concluir a obra, “mediante realização de nova licitação, a ser concretizada no menor prazo possível”.

Sete anos depois, a situação ainda é de abandono na maior parte da estrutura. Em janeiro de 2016, um evento realizado no lado de fora do hospital pelo governador Pedro Taques lançou a “Cidade da Saúde”, um complexo quem reuniria no local diversos serviços, como o hemocentro, o SAMU e um hospital materno-infantil.

Desde então, porém, o projeto não avançou além de uma placa publicitária que, passados 18 meses, já exibe marcas de deterioração. Recentemente, a estrutura recebeu novos tapumes e alguns trabalhadores passaram a ser vistos a abrir valetas no local.

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde disse que aguarda a expedição de uma licença da Sema para iniciar as obras para a instalação do Centro de Reabilitação Dom Aquino Correa (Cridac) em parte da estrutura. “Essa obra (…) será executada com recursos destinados pelo Ministério Público do Estado, por meio de repasses objetos de TACs (Termo de Ajustamento de Conduta)”, diz a nota, em um trecho.

O restante da estrutura, segundo a secretaria, continua vinculado ao projeto Cidade da Saúde, que aguarda a possibilidade de uma cooperação técnica internacional com o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops).

“Essa outra etapa será objeto de análise de peritos das Nações Unidas que vão verificar a viabilidade da área e estrutura receber alguma outra unidade de saúde. A equipe técnica deverá visitar a instalação no mês de agosto e apresentar relatório até setembro deste ano. A captação de recursos vai depender da modelagem do complexo e de sua destinação, e os custos, quando definidos, serão apresentados à sociedade”, disse a secretaria.

 

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