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Portugal e Brasil na Copa: a língua é a mesma?

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Portugal e Brasil na Copa: a língua é a mesma?

As seleções do Brasil e de Portugal seguem na Copa*. Portugal chegou aos oitavos de final, mas o Brasil chegou às oitavas de final. Parabéns ao selecionador de um e ao treinador de outro.

Os brasileiros entrarão em campo vestindo a camiseta criada por Aldyr Garcia Schlee, nascido em 1934, em Jaguarão (RS), desenhista de gols ouvidos pelo rádio nos anos 50 e hoje notável escritor e professor de Direito. Ele venceu 210 concorrentes em concurso nacional realizado em 1954 para desenhar o novo uniforme que tinha o fim de exorcizar a tragédia do Maracanã, quando, vestindo camisas brancas, o Brasil perdeu por 2 x 1 para o Uruguai.

Falando a mesma língua, entrarão também os atletas portugueses, mas de camisola. A equipe brasileira tem Neymar, um menino manhoso que faz muitos gols, mas a equipa de Portugal não lhe fica atrás e tem Cristiano Ronaldo, o seu menino d´ouro, que também faz muitos golos. “Os jogadores portugueses querem muito estar nos quartos”, disse o técnico lusitano, isto é, o selecionador, acrescentando: “calhamos no grupo mais difícil”. Os brasileiros certamente também querem, mas nas quartas. O técnico Tite, se dissesse algo semelhante, diria “caímos”.

Alegre por tão feliz coincidência nesta Copa, este escritor que um dia, no longínquo 1966, ficou muito triste por causa da derrota imposta aos brasileiros por um time comandado por Eusébio, o Pantera Negra, e treinado pelo brasileiro Otto Glória, deixa o futebol de lado e continua com sua crônica mesclando as duas variedades de nossa admirável língua portuguesa, a cuja expansão cabem muito bem os versos de Camões: “Na quarta parte nova os campos ara/ E se mais mundo houvera, lá chegara”.

Estou em Portugal, sou aderente (assinante) e não paro nas portagens (pedágios), mas o guarda me pede os documentos do autocarro. Olha-os bem e diz: “Está tudo em ordem, mas cuidado porque lá adiante, depois daquela azinhaga (rua) ao lado do prédio, há uma azêmola (besta) na pista. Se pisar no breque, assustado, o carro pode despistar. O senhor não está entre as dez e as onze (bêbado), está? Respondo que não ingiro bebida de álcool nunca! Semana passada estava numa festa, o escanção (sommelier) passava toda hora com a jarra de vinho, eu sempre recusava, e ele sempre oferecia de novo. Essa gente perdeu a memória! Mas o bom homem coça a fusca (arma) no coldre e me manda prosseguir.

Chego à praia, depois de passar pela azêmola (besta de carga), mas era um badano (cavalo). O guarda confundira-se. O banheiro (salva-vidas) está instalado bem acima das ondas, vestido de calção vermelho, pronto a salvar algum afogado. Algumas mães estão a levar os putos (meninos) para a sanita, que outros conhecem por retrete. No Brasil dizem privada, sanitário, toalete também w.c., abreviando a expressão do Inglês water closet (armário d´água).

Vejo ao longe um puto (menino) cheio de adesivos (esparadrapos). Pergunto a uma rapariga (moça), só para bater uma prosa, pois ela é um borrachinho (gatinha), o que houve com ele. Responde-me que está assim estrafegado porque foi atacado por um canzarrão. Foi grande o chulé (bagunça).

Posto-me atrás da bicha (fila) e espero a minha vez. Estão a servir algo pronto-a-comer, que no Brasil chamam fast food. De novo o Inglês. Atrás de mim, senta-se um senhor que me parece um cabeça de turco, que no Brasil chamam testa de ferro. Nos arredores, todos sabem que ele é dono de três boates onde trabalham brasileiras! Portanto, as casas pertencem a outros donos!

Voltei a sentar-me. Peguei o telemóvel, mas deu impedido o telefone da Maria. Ia desligar, porém no écran (tela) passou a rodar o trecho de um filme sobre a lua-bebé (satélite) dos russos. Fiquei a pensar: como filmaram essa luinha no espaço sideral? Mas deveria ser filminho brasileiro: estava escrito “com o Sputnik, os comunistas venceram a primeira batalha da guerra espacial, em 1957”. Em russo, Sputnik quer dizer companheiro!

Chamei o garçom, pedi uns pipis (miúdos de frango), que comecei a comer com gosto, regados a um copo de vinho alentejano. Mas por pouco não pago: o dinheiro que trazia, eu o tinha gasto no pagamento de propina (taxa) na universidade, hoje foi dia de matrícula! Quase que fico com o rabo à seringa!

Quando ia saindo, um reguila (briguento) passou a discutir com alguns escalda-favais (idem) e espirra-canivetes (ibidem). E estavam comendo reineta (maçã), bem pândegos (alegres)! O garçom era meio saloio (bobo), deveria ter chamado a polícia logo! Que sarilho (bagunça) que deu no liceu (escola), meu Deus!

Agradeço a Mário Paiva, meu querido amigo de muitos anos, um consultor ao vivo de muitas expressões das quais ele, navegando entre Angola, Brasil e Portugal, sabe muitas complexas sutilezas.

* O artigo foi escrito e encaminhado antes da derrota da seleção portuguesa para o Uruguai por 2 x 1.

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