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Por três anos, mulher que conheceu algoz na internet é vítima de cárcere privado e violência sexual

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Por três anos, mulher que conheceu algoz na internet é vítima de cárcere privado e violência sexual
Imagem ilustrativa

Maria é o nome fictício de nossa personagem que vai contar uma história triste, mas que acontece muito mais do que imaginamos. A violência doméstica, iniciada pela internet. Ao completar 15 anos ganhou do pai um celular com acesso à rede mundial de computadores. Orientada por uma colega de sala, acessou um chat de namoro. Foi lá que conheceu o pai das duas filhas e também o carcereiro e malfeitor.

Maria é do interior de Minas Gerais. É a terceira filha de cinco irmãos. Eles têm 24, 19, 18, 16 e 15 anos, hoje. Ela achava que os pais, trabalhadores rurais, não davam atenção. Após um mês de conversa pelo celular com João (nome fictício), resolveu se mudar. “Perguntou se queria morar com ele. Disse que era de Cuiabá, pedreiro, que tinha 33 anos, mas tinha 36. Falou que teria minha liberdade, poderia estudar e trabalhar. Peguei dinheiro escondido do meu pai e vim de ônibus. Foi a primeira vez que saí da minha cidade. Passei muito medo. Tinha 15 anos na época. Vim falando com João no caminho. Quando cheguei em Cuiabá, pediu pra um amigo me levar pra casa da irmã dele, no interior. Logo, no início, mostrou que não era aquilo que me falou. Bebia muito e me batia. Quando cheguei me trancou dentro da casa. Só ele saia”, contou Maria.

Foram três anos de uma saga de violência. Sempre trancada em casa, Maria engravidou da primeira filha. “Descobri que conversava com outras mulheres pelo celular, igual fez comigo. Quando estava de cinco meses, me bateu, machucou bastante. Acabei engravidando de novo. Ele dizia que a outra menina não era filha dele. Foi quando consegui ir ao posto de saúde e contei lá o que acontecia comigo. Depois da última briga que quase me matou enforcada, aproveitei quando saiu pra trabalhar e fui até o Cras (Centro de Referência da Assistência Social) e me mandaram pra Delegacia da Mulher e me arrumaram um lugar pra ficar com minhas filhas”, revelou Maria.

Casa de Amparo

Após sofrer cárcere privado e violência sexual por três anos, Maria foi acolhida na Casa de Amparo, que abriga mulheres e filhos em situação de risco. “Ela tinha uma falsa imagem de que estava sendo tolhida dos direitos e caiu nesse golpe exatamente por isso. Acabou perdendo o que mais queria, a liberdade. O melhor é conversar com os filhos para que possam também procurarem ter essa conversa com os pais. É muito importante que saibamos com quem estamos falando na internet. Não dá pra confiar”, explicou a coordenadora da Casa de Amparo de Cuiabá, Fabiana Soares.

Ela ainda disse que as vítimas de violência geralmente são indicadas pelos Centros de Referências ou pela Delegacia da Mulher. “Após o registro do boletim de ocorrência já podem vir direto pra cá. Estando aqui, já fazemos o acompanhamento psicológico e social com as mulheres e os filhos. Chegam com o ego ferido. Fazemos um trabalho para recuperarem as vidas. No caso da Maria estamos em contato com o Conselho Tutelar e autoridades locais para sabermos como será esse retorno para casa dos pais. Aceitaram que voltasse com as netas”, concluiu Fabiana.

A juíza da Primeira Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá, Ana Graziela Vaz de Campos Alves, diz que crimes dessa natureza são mais comuns do que pensamos e podem gerar diversos outros problemas.

“A vítima fica mais vulnerável quando encontra um parceiro pela rede social. Temos aquele exemplo recente, no Rio de Janeiro, quando a mulher conheceu o agressor pela internet, o levou para o apartamento e quase acabou morta. É importante que marque o encontro em local público, que avise um parente ou amigo que está se relacionando com uma pessoa e se informar sobre a vida pregressa dela, antes de qualquer contato. Trabalha com o que? Mora onde? As pessoas mentem muito em redes sociais. Também recomendo que a mulher não se permita ser gravada em momentos íntimos, para evitar que seja chantageada ou que tenha fotos e vídeos divulgados. Desde o ano passado temos a Lei Carolina Dieckmann, que prevê pena de reclusão entre 1 e 5 anos no caso de divulgação de fotos íntimas, pena que vale para quem replica o material também. Lembrando que o período ainda pode ser aumentado entre 1 e 2/3, se o agressor tiver mantido qualquer relação de afeto com a vítima”, disse a juíza.

A magistrada também revelou que tem outros processos de natureza virtual na vara, mas, em boa parte dos casos, as vítimas têm vergonha de procurar a Justiça. “Temos que denunciar. Aqui temos agressores jovens, estudantes de 18 anos, como também temos pessoas maduras, médicos. Pessoas que, infelizmente, cometeram determinada conduta. Quando a mulher for vítima desse tipo de crime é necessário que se comunique à Delegacia da Mulher”, concluiu a juíza.

“Não pensei que ele era mais velho, que podia tá mentindo. Queria ir embora, ter minha liberdade, mas acabei presa. Hoje acho que tenho juízo, mas foi difícil, dolorido. Na internet parece mil flores, mas é bom pensar bem. Qualquer um pode enganar a gente. Pelo telefone conversava, contava piada, depois foi só violência. Vou voltar pra casa e quero trabalhar pra ajudar minhas filhas, agora não sou sozinha”, disse Maria. Talvez sem pensar, ou por saudades, deu o nome da mãe à primeira filha.

Em caso de violência

A vítima pode ter acesso à várias medidas protetivas, entre as quais o afastamento do agressor do lar; proibição de aproximação; suspensão de contratos de compra e venda, quando há união estável ou casamento, além da proibição de visitas aos filhos menores. Caso a agressão ocorra aos finais de semana ou madrugadas a polícia deve ser acionada pelo 190. Os delegados já estão orientados a oferecer as medidas protetivas e encaminhar à casa de acolhimento, caso o município já tenha.

O condenado por crimes virtuais também pode ter os direitos políticos suspensos, ficar proibido de tirar passaporte e perde a primariedade. Fato que pode complicar em condenações futuras.

(Da Assessoria)

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