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Por que hoje é Natal?

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Por que hoje é Natal?

“Jesus esteve aqui, ele falava hebraico e…”, dizia o primeiro-ministro israelense quando foi interrompido pelo Papa Francisco: “Aramaico”.

Netanyahu retrucou: “Falava aramaico, mas sabia hebraico”. O diálogo aconteceu durante a visita do Papa a Jerusalém, em 2014.

O Menino Jesus, dileto filho do judaísmo, nasceu quando sua terra, hoje cercada de inimigos por todos os lados, estava sob domínio dos romanos. No contexto cultural greco-romano, vigoravam quatro idiomas. O hebraico era a língua do templo, um centro de poder da região ocupada, mas Jesus, de fato, como esclareceu o Papa, falava aramaico.

As duas línguas hegemônicas na Palestina no primeiro século eram, porém, o latim e o grego. Como resultado deste pluralismo linguístico, a maioria do povo era bilíngue. Todos falavam aramaico, rezavam em hebraico, mas lidavam com documentos escritos em latim, operados por soldados e funcionários do Império Romano que falavam latim e grego. No comércio, o idioma dominante era o grego.

Como se deu o nascimento de Jesus? A narrativa mais literária é a do Evangelho de São Mateus. Diz que José pensou em divorciar-se secretamente de Maria, pois afinal ela estava grávida sem que eles tivessem consumado o casamento. Inquieto, o marido não queria, porém, prejudicar a jovem.

Logo na abertura do capítulo dois vem a noite de Natal: “Tenho Jesus nascido em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém”.

Eles já chegaram perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.

Deste pequeno trecho foram tirados os três reis magos que estão no presépio, mas notemos que os leitores e os ouvintes acrescentaram muito ao que ouviram ou leram. Mateus não disse que eram três, nem disse que eram reis.

Continua Mateus: “A essa notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele”.

Herodes chama os reis para uma conversa secreta no palácio e pede-lhes: “Ide e informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me para que eu também vá adorá-lo”.

Rumo a Belém, os magos seguiram a estrela, que foi “até o lugar onde estava o menino e ali parou”.”Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe”, depois de o adorarem, “abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”.

Destes três presentes surgiu o número dos reis. Nos séculos seguintes, foram aumentando os detalhes. Eram três, eram reis e tinham nomes: Baltasar, Gaspar e Melquior. Cada um deles era de uma das três raças básicas do gênero humano: negra, branca, amarela.

No século XIII, São Francisco de Assis construiu o primeiro presépio. Pessoas e animais vivos foram levados para sua instalação. O menino Jesus, protegido por José e Maria, estava numa manjedoura, todos dentro de uma gruta – mas Mateus disse que era uma casa! – e ao redor, o santo, que gostava muito de animais, levou ovelhas, vacas, bois e burros para compor o cenário.

O famoso viajante Marco Polo, que morreu em 1.324, aos setenta anos, contou ter encontrado na Pérsia o túmulo dos “três reis magos”. E ficou impressionado com o excelente estado de conservação dos cadáveres, que continuavam com o cabelos e as barbas intactos.

Levados para a Itália, os restos mortais destes “três reis magos” seguiram para a Alemanha no ano de 1.164 e estão até hoje num dos altares laterais da Catedral de Colônia, uma das mais belas do mundo.

O rei Herodes que recebeu os magos é Herodes, o Grande, que nasceu em 73 a.C. e morreu no ano 4 a.C. Foi ele quem, ao descobrir que os magos tinham voltado por outro caminho, enganando-o, mandou matar todas as crianças com menos de dois anos de idade. Foram chacinadas cerca de 2.000 crianças, segundo estimativas de pesquisadores cristãos.

Em resumo, aos poucos uma das mais belas lendas cristãs se consolida. Juntam-se novos elementos, desta vez do Evangelho de São Lucas: um anjo do Senhor aparece a pastores que estão guardando seus rebanhos nos arredores de Belém, tranquilizando-os diante da grande luz que o trouxera até eles: “Não temais”.

Depois surge uma multidão de anjos cantores que entoam: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.

Depois que os anjos vão embora, pastores vão à cidade de Belém e depois saem contando para todo o mundo o que viram, ouviram e sentiram.

Seguindo o exemplo do marido, que jamais diz uma única palavra em toda a Bíblia, apenas faz o que é necessário para criar e proteger o Menino Jesus, Maria fica em silêncio: “Maria guardava todas estas coisas no seu coração, meditando sobre elas”.

 

Deonísio da Silva, da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Filologia, é Doutor em Letras pela USP, professor e Diretor do Instituto da Palavra, na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. É autor de dezenas de livros, entre os quais De onde vêm as palavras e Avante, soldados: para trás (Prêmio Internacional Casa de las Américas). Na companhia do jornalista Ricardo Boechat, apresenta Sem Papas na Língua, na Rádio Bandnews Fluminense.

 

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