Outro dia, ao participar de uma conferência brasileira aqui nos EUA – e chegando um pouco depois do início –, verifiquei que não havia cadeiras vazias. O auditório estava cheio porque mesmo as que não tinham ninguém sentado estavam bloqueadas por alguma bolsa. Percorri o salão procurando vaga, mas ninguém se mexeu para me permitir sentar. E mesmo sendo vista por vários dos que asseguravam suas cadeiras para os participantes fantasmas, assisti a palestra em pé.

Foi impossível não comparar com a civilidade que experimento nas palestras em locais dominados por plateia americana. O hábito de guardar lugar para uma pessoa que não está presente não existe e nunca teria prioridade sobre uma pessoa presente sem assento.

Será que nos falta senso de coletividade? Estamos programados para “defender o que é nosso”, e temos pouco ou nenhuma preocupação pelo coletivo. De onde vem essa noção de responsabilidade com o outro? Acontece que a minha percepção do outro, e suas necessidades, nós chamamos de moral. Meu código moral regula minha relação com o outro.

Podemos pensar que, quando nos falta empatia ou coletividade, falte talvez educação. Mas o descaso com o outro é mais do que falta de educação. Parece-me que nós estamos carentes de princípios morais básicos. Mas como, se toda discussão que acontece no Brasil hoje se dá com base no discurso de certo e errado, branco e preto, demônios e santos? Parece que, pelo contrário, estamos obcecados com moralidade.

O problema é que nosso conceito de certo e errado, a exemplo do mundo ocidental pós-moderno, não se baseia em nenhuma noção sólida de verdade. Estamos reféns de uma estreita noção de moralidade chamada de “emotivismo”. É como nós nos sentimos sobre um fato, ou como somos condicionados a nos sentir sobre o fato, é que determina o que pensamos ser certo ou errado. Não se conhece mais moral racionalmente, mas através da emoção.

Os termos justiça, dever, piedade, já não têm mais um sentido comum, mas são definidos de acordo com o que eu creio que seja justiça, dever e piedade. O certo e errado se resume “ao que eu aprovo” e “ao que eu desaprovo”.  Essa teoria apelidada por filósofos de “Boo/Hooray” é que norteia nossa discussão pública sobre política, criminalidade e futuro. Usamos expressões que antes significavam julgamentos éticos para expressar nossos sentimentos e emoções, na intenção de produzir essas mesmas emoções em outros.

Infelizmente a onda Bolsonaro não está curando nossa incapacidade ética. Um tumulto após o outro, fatos distorcidos em sequência, falsos eventos e falsas conclusões para lançar lama na presidência mais popular e transparente que o Brasil teve nas últimas décadas. Mas como os apoiadores do governo tem reagido? Distorcendo fatos em sequência, baseando-se em falsos eventos e falsas conclusões para criar defesas tão absurdas quanto os ataques que sofrem.

O presidente Macron tem uma mulher feia? “kkkkk, isto o desqualifica como presidente!”. Ele tem um caso gay? Ele chamou a mulher do outro de deliciosa? Mesmo que nada disto tenha absolutamente nada que ver com a burrice política de Macron, preferimos nos rebaixar ao nível dos que nos atacam e nos comunicar com emocionalismos cretinos e grosserias, ao invés de procurar o caminho mais alto. Boo/Horray é uma questão de lado. Certo é quem está no meu time, não importa como esteja agindo.

No meio evangélico não é diferente. Já faz tempo que substituímos a terra firme da fé e dos princípios morais ensinados pelo evangelho pelo Emotivismo disfarçado de linguagem religiosa. Tornamos o amor de Cristo em amor romântico, sujeito aos mesmos humores que povoam nossos amores humanos toscos. Jesus ama a todos, mas ama mais os pobres e as vítimas em geral. Nesta nova estrutura moral o amor de Cristo vira “peninha”.

Cristo não é mais o redentor que nos dá acesso a um caminho diferente e que nos ajuda a enfrentar e quem sabe evitar as inexoráveis mazelas sociais. Não, agora ele se tornou o legitimador supremo das nossas dores. Ele não nos redime mais, ele nos desculpa. A feiura produzida pelo pecado virou “cultura” – e as consequências do pecado são “problemas sociais”.  Todo mau comportamento tem uma desculpa num trauma psicológico qualquer e o maior papel da religião é oferecer uma espécie de terapia metafísica que nos justifica e acolhe sem no entanto nos oferecer uma saída.

Ofereço aqui portanto um pequeno bê-á-bá moral para quem não está contente com esta situação.  O princípio moral mais básico do evangelho é o que teólogos chamam de a “regra de ouro” extraída de Mateus 7:12. “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam” (NVI).

O primeiro efeito de vivermos a regra de ouro vai ser o restabelecimento da capacidade de diálogo. Se queremos ser ouvidos, teremos que ouvir o outro, não é verdade? Ouvir com paciência e respeito, entendendo que a construção de um futuro no nosso país não depende apenas do sucesso do grupo ao qual pertencemos, mas da capacidade democrática de diálogo.

Um projeto coletivo para a nação se torna uma impossibilidade quando não há diálogo ou desejo de se ter um destino comum. Se amamos nosso país, temos que pensar-lhe o futuro, mas não o que nos emociona, mas aquele que é pensado junto com todos. É hora de parar de salvar a cadeira para alguém do meu grupo que não vai chegar, e olhar ao redor para ver se tem alguém em pé.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes