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Sinop na alma; conheça a história dos pioneiros do Nortão

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Sinop na alma; conheça a história dos pioneiros do Nortão

Aos 70 anos, a figura pequenina, bem magrinha e de aparente fragilidade contrasta com a alegria evidente, discurso forte e, claro, uma bela maquiagem no rosto. Com estes detalhes, a escritora formada e pós-graduada em Letras, filósofa e advogada Bernadete Crescêncio Laurindo, nos recebe com um belo sorriso no rosto e uma incrível hospitalidade para contar sobre o lançamento do seu segundo livro de poesias, “Encontros de Longes Caminhos” e mais um pouco sobre o que viu na vida com os olhos de uma desbravadora.

Logo na chegada, quem é recebido sente aquela intimidade de casa de avó. O cenário acolhedor se completa com quatro cachorros muito carinhosos e tratados como filhinhos, e com o marido tomando um bom chimarrão no balanço da área ampla da casa. Mas foi na sala repleta de memórias dos filhos e netos, que entramos nas lembranças de Bernadete.

De cara foi contando que chegou em Sinop há 32 anos, já com os três filhos pequenos – a menor com dois anos e um grande sonho de construir. Nascida em São José, Santa Catarina, veio ao município convidada pelo então prefeito, Geraldino Dal Maso. Direto de Florianópolis – onde já trabalhava há um tempo – para o interior de Mato Grosso, ela veio para implantar a educação especial no município, onde hoje é a escola Gente Esperança, nome sugerido por ela e prontamente aceito.

“Eu já trabalhava na área em Florianópolis, principalmente com a alfabetização em Braille, e tinha uma verdadeira paixão pela área da educação especial. Éramos jovens quando fomos convidados para essa aventura e, admito, foi mesmo meu marido quem me convenceu a embarcar nessa. Não me arrependo um minuto desta decisão”, diz com um grande sorriso.

Mas até chegar no município não foi fácil. Da Capital Cuiabá a Sinop foram mais de sete dias de estrada de muito chão e, logo que chegou na sua futura casa, teve uma visão um pouco assustadora, já que a falta de conforto era evidente.

“Não tinha luz elétrica na cidade, apenas um motor que ficava ligado até por volta das 20h.  Muitas vezes, nem isso. Iluminação pública realmente não existia, só tinha asfalto na avenida principal, hoje conhecida como Júlio Campos, mas era tão ruim que as pessoas preferiam andar pelas ruas de terra mesmo”.

Entre os momentos mais difíceis, Bernadete conta que trabalhava na região hoje conhecida como Centro e que ia até o local de bicicleta, calçada com suas galochas sete léguas, o que não a impedia de atolar.

“Eu era muito ágil, sabia muito bem como lidar com a bicicleta. Mas era muita lama e uma vez acabei escorregando, quando coloquei meus pés no chão a bota fez um vácuo e fiquei presa, foi realmente desesperador. É incrível passar no mesmo lugar hoje e ver construções lindíssimas e pensar que já atolei feio aqui”.

Entre os entreveros, ela não se abalou, seguiu construindo até conseguir implantar a escola. Muito orgulhosa do que conquistou, também não esquece de agradecer a ajuda que recebeu.

“Nós tínhamos um verdadeiro espírito de comunidade. Todos ajudavam, me lembro muito bem que para construir a escola, os homens cortavam as toras, as mulheres limpavam tudo, e assim fomos transformando nossa realidade”.

Ainda hoje Bernadete atribui a beleza da cidade ao espírito dos desbravadores que chegaram primeiro ao município.

“Dava para ver que as pessoas queriam fazer deste local sua vida, queriam transformar para construir, ninguém queria ganhar dinheiro e ir embora, e é por isso que acredito no sucesso daqui. Digo e repito sempre que Sinop corre nas minhas veias”, disse com brilho no olhar.

A literatura, arte de dizer o que tem no coração

Já sobre como a literatura entrou em sua vida, Bernadete diz que não teve um momento, que a história nasceu mesmo no berço.

Minha mãe, uma mulher de alma e sensibilidade impressionante, poetiza de coração e analfabeta de instrução sabia das coisas bonitas da vida. Ela descreveu meu nascimento de uma maneira tão lúdica e tocante que me inspirou anos depois a fazer um poema “Biografando”.

“Quanto tudo começou era madrugada. Ao abrir a janela, veio a brisa do minuano. Olhando lá nas montanhas, dava para ver a Lua bem clara no céu, mas iniciando o azul do amanhecer, promovendo o encontro impossível da Lua com o Sol, foi assim que comecei a entender que ia te ver”, contava minha mãe.

Bernadete conta ainda que é a “rapinha do tacho”, a sexta filha do casal, e que veio já quando seus irmãos estavam bem grandinhos.

“Cresci nesse ambiente acolhedor e acredito que é mesmo a família que cria a necessidade de cultura na gente. Minha mãe é minha grande inspiração e a principal entusiasta do meu sucesso. Ela sempre ansiou para que pudesse ir mais longe a aprender cada vez mais. Acredito na poderosa força da família e na diferença que o apoio pode fazer na vida das pessoas”, explicou.

Ela atribui ainda seu interesse na cultura também à formação escolar. Já na primeira infância, logo que aprendeu a ler, conta que todos os sábados após a saudação a bandeira – cerimônia comum e obrigatória na época – declamava poesia na frente de toda a escola.

“Eu sempre fui muito ativa, fazia teatro, bailado, participava do coral. Eu acredito no poder transformador de uma boa educação. A minha escola me proporcionava esse ativismo cultural”, conta saudosa.

Animada e muito ativa Bernadete diz que ainda tem muitos projetos para tocar como a divulgação da sua segunda obra. De leitura doce, o livro mistura trechos de alegrias e de nostalgia, levando o leitor a viajar pelas letras, sonhar e misturar-se à história. Sua poesia fala, predominantemente, do amor e suas intrincáveis nuances, e convida a refletir sobre o cotidiano das relações humanas, sobre o mundo da pessoa e sua essência.

Bernadete também é autora dos livros de poemas “Por Falar em Ti” e “Encontros de Longes Caminhos”, e trabalha na formatação de uma terceira obra. Todo seu conhecimento e envolvimento com a cultura lhe renderam o posto de membro imortal da Academia Sinopense de Letras, ocupando a cadeira de número quatro.

O direito como ferramenta, nascida na militância de ajudar

Sobre seu embarque na carreira judiciária, Bernadete conta que foi uma questão de oportunidade aliada com a necessidade de transpor barreiras e libertar seu espírito defensor. Ela foi aluna da única turma de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso em Sinop e que ingressou no curso aos 52 anos.

“Na época, além da escola, também trabalhava no Fórum no cargo equivalente hoje como analista judiciário, então tive a oportunidade de fazer o vestibular junto com meus colegas, passei e cursei. Mas a minha vontade sempre foi de ajudar as pessoas. Tenho essa tendência desde criança. Sempre que via alguém de alguma forma desfavorecido em uma relação, sentia que a minha obrigação era ajuda-la. Continuo fazendo isso ainda hoje e sou muito boa nas minhas defesas”, diz, com um sorriso orgulhoso.

Apesar da grande trajetória, Bernadete não titubeia em dizer que seu maior feito foi, sem dúvida, ser mãe.

“Ser mãe é o meu grande trunfo, meu grande prêmio. E a minha sorte é a minha capacidade de escrever. Sem isso, para mim, a vida seria mesmo enfadonha. Gosto muito do que fiz, do que faço e de tudo o que ainda tenho a fazer”, diz orgulhosa.

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