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Patrimônio histórico: casarões de Cuiabá “morrem” em meio a burocracia

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Patrimônio histórico: casarões de Cuiabá “morrem” em meio a burocracia
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Quanto custa cobrir uma casa com telha colonial de argila vermelha em Mato Grosso? Esta é apenas uma das perguntas que um proprietário de casarão no Centro Histórico de Cuiabá deve fazer antes de iniciar a reforma.

O material está entre as exigências do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) para aprovar um projeto. O problema é que, além de caro, não atende padrões históricos mato-grossenses.

De acordo quem atua na área, no Estado existe apenas a argila branca. A telha com a argila vermelha, portanto, vem de olarias do Paraná e só é feita sob encomenda.

Arquiteto especialista em Patrimônio Histórico há 10 anos, Paulo Crispim diz que esta é apenas uma das dificuldades enfrentadas diariamente por quem trabalha com este mercado.

(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Ele explica que os imóveis, apesar de fazerem parte de um todo, possuem particularidades. “Reformas e alterações realizadas por donos anteriores, antes do tombamento, são uma delas”.

Ainda utilizando o exemplo do telhado, o especialista argumenta que na frente algumas casas construíram-se platibandas – prolongamento da parede que cobre a visão do telhado.

“Nestes casos, qual a necessidade de se exigir uma telha que sequer será vista? E qual motivo de não substituir a colonial pelo modelo americano, que tem o mesmo formato, é mais resiste e comum no mercado? Ela tem o mesmo desenho para quem vê de cima”.

Passo a passo

Antes de começar a pensar em reforma, o proprietário ou responsável pelo imóvel histórico deve organizar a documentação.

Neste momento, relata Crispim, começa o problema. Algumas casas estão há muitos anos em famílias que não fizeram um inventário.

“Bens que estão na 4ª ou 5ª geração. Então, estamos falando de 40 ou 50 herdeiros. O ideal seria um programa que facilitasse este processo, principalmente na área de patrimônio”.

Uma situação complicada até mesmo para o Iphan, que não tem como multar todos os donos da casa e acaba de mãos atadas.

O segundo passo é contratar um especialista para iniciar o projeto da reforma. O profissional precisa atuar na área para construir um trabalho que atenda as normativas e assim, conseguir uma aprovação mais rápida.

A previsão mínima para conclusão só dessa etapa é de um mês, porque é preciso investigar a edificação e fazer um parecer técnico do que seria o original.

“Às vezes, encontramos passagens escondidas e paredes que foram inseridas na estrutura. Temos que analisar também as diferentes técnicas aplicadas ao longo dos anos”.

Depois do documento pronto, é hora de encaminhar para aprovação do Iphan, que demora cerca de 20 dias para dar um retorno.

Em seguida, vem o alvará de obras na Prefeitura. E até ele sair, já se foram quase quatro meses.

Quem vive lá

A casa da família de Cássio Anjos do Carmo, 55, está em uma dessas reformas que parece não ter fim. Ele enfrenta os mesmos problemas: custo financeiro e, principalmente, as inúmeras exigências do Iphan.

(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Ele conta que fez metade do telhado após o órgão aprovar o projeto. Mas os fiscais apareceram no local e mandaram parar tudo. Argumentaram que Cássio precisava de um laudo de um profissional especialista que confirmasse que aquele telhado está conforme o original.

Isso sem contar as questões relativas ao encanamento. ”Os canos originais são de metal e acabaram entupindo. Pedi para trocar, mas eles mandaram eu deixar a tubulação aparente até ter uma solução. Para não fica sem água”.

Na opinião de Cássio, o correto seria o governo dar suporte técnico e financeiro para as áreas tombadas, porque o valor de reforma é muito caro. Sem contar o tempo gasto para localizar profissionais habilitados.

“É um tipo de obra muito específica. Se a pessoa não tiver domínio, posso perder a estrutura de vez. É muito complicado manter o prédio. A maioria dos vizinhos desistiu”.

Outro lado

A Superintendência do Iphan em Mato Grosso, por meio da assessoria de imprensa em Brasília, informou que todo os projetos são avaliados em consonância com a Instrução Normativa para o Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Cuiabá/MT.

E, não há exceção às regras, mesmo que os imóveis apresentem histórias distintas. “Foi tombado em conjunto, portanto, não há um imóvel mais importante do que outro”.

Quando questionados sobre os valores dos materiais exigidos, o instituto informou que “a partir do momento que se pretende preservar os valores contemplados no tombamento, não existe flexibilização dos materiais exigidos”.

(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

No entanto, é possível permitir, quando previsto em normativa, a utilização de materiais similares, desde que não descaracterize o que se pretende conservar/preservar.

O Iphan alega ainda que em caso de intervenções emergenciais, é possível utilizar materiais diversos, desde que o projeto seja analisado e aprovado pelo Instituto e demais órgãos competentes.

“É importante esclarecer que a intervenção emergencial tem caráter provisório, logo, a restauração/reforma do imóvel que deverá ser executada na etapa seguinte deve atender à instrução normativa do conjunto, inclusive com os materiais especificados/autorizados para a área”.

Por que imóveis estão assim?

Também na nota, o Iphan informou que um dos principais obstáculos para a manutenção dos imóveis tombados em âmbito federal é a ausência de manutenção preventiva, isso é, execução de serviços para prevenir o “aparecimento/manifestação de patologias nas edificações”.

Segundo o órgão, a maioria das intervenções ocorre quando o problema já existe. Em muitos casos, o imóvel já está em estado avançado de deterioração.

Além disso, há vários casos de imóveis abandonados pelos proprietários, que se deterioram pela ausência de qualquer tipo de manutenção e pela falta de uso.

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