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Para quem mora em jaula o mundo é listrado

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Para quem mora em jaula o mundo é listrado
(Foto: Válter Campanato/ABr)

Virou chavão dividir o governo Bolsonaro no lado  ideológico e no lado técnico. Alguns colunistas e pensadores de alcance na mídia nacional compraram esta caracterização sem analisá-la e ela se tornou axioma. Ernesto Araújo do Itamaraty, Ricardo Salles do Meio Ambiente, Damares Alves do ministério da Mulher, Abraham Weintraub da pasta da Educação são os “ideológicos,” supostamente ocupados em impor o seu direitismo às políticas públicas que desenvolvem. Os outros, os técnicos  lidam apenas com soluções práticas para o bem do Brasil. Mas será que esta caracterização é correta? Primeiro temos que nos perguntar se existe uma ideologia de direita. Admito que é difícil para o “imigrante” da direita é difícil entender que não está simplesmente mudando de ideologia. Para quem mora em jaula o mundo é listrado. Mas o que você abraça quando se vira à direita é uma cosmovisão, uma maneira específica de ver o mundo. Segundo o grande pensador americano Russel Kirk, ser conservador não é abraçar uma série de convicções pré-fabricadas, mas é manter uma disposição para crer e preservar as coisas permanentes, a fé, os valores morais e para descrer no que é passageiro, como o ser humano, seus erros e suas paixões.

A diferença principal entre cosmovisão e ideologia é que a ideologia é fechada e a cosmovisão aberta. A disposição direitista interage com outras ideias, dialoga, avalia-se a partir dos fatos e a partir dos conceitos novos que absorve. O que chamamos de cosmovisão cristã, por exemplo, não é um conjunto dogmático de ideias, mas uma série de princípios, valores e crenças que interagem com os fatos, e formam um conjunto aberto de conceitos que são testados e discutidos desde os primórdios da história cristã.

A fé cristã tem crenças fundamentais, como a existência de Deus por exemplo e os pressupostos que derivam desta afirmação. A partir destes pressupostos, tateando, como diz o apóstolo Paulo, se busca a verdade. A fé é uma contínua busca. A ideologia, pelo contrário, é uma prescrição rígida que norteia a interpretação das ideias. É uma noção pré-fato que o marca para que ele se encaixe perfeitamente na lata de sardinhas. O fato em si não é considerado pela informação prima facie que contém, mas é formatado para que atenda às demandas do sistema ideológico.

Esta prescrição pré-determinada não se preocupa com acontecimentos, história ou números. Ela não se corrige e não se ajusta aos acontecimentos. Ela não tem processo avaliador. Pelo contrário, tem como uma de suas funções principais descartar aquilo que não está de acordo com a narrativa que cria. A ideologia seleciona e classifica os pedaços de realidade para sejam vistos de acordo com sua cartilha. As respostas que derivam desta seleção são sempre as mesmas.

Por exemplo: a análise de um problema social feita à esquerda sempre morre no mesmo diagnóstico e na mesma pseudo-solução. Diagnóstico: Oprimidos vs Opressores. Solução: Protesto ou reação violenta (e na violência inclua a ideia de taxação) contra os opressores. E tudo para aí em 99% dos casos. E os protestos tem que ser contínuos, como as cobras da cabeça da Medusa: você corta uma, nascem duas no lugar…

Na receita ideológica da esquerda, os protestos não existem para propor soluções, para resolver problemas. Eles são um fim em si mesmo. Eles existem para gerar uma insatisfação constante com tudo. Existem para desestruturar a ordem vigente e não a substituí-la com nada. A razão ideológica para isto é que tudo o que não é o marxismo, ou seja, tudo o que não seja o domínio total da ordem social politica e econômica por uma oligarquia marxista, é um mero paliativo. Não existem soluções fora da destruição de tudo e da implantação do novo sistema – em que uma minoria iluminada tenha o poder total sobre a sociedade.

Qualquer um que se atreva a apresentar uma opinião contrária é enquadrado como uma pessoa moralmente e intelectualmente inferior, portadora de “pseudo-consciência” ou, pior, má-fé manipuladora. O verdadeiro diálogo para a esquerda é perda de tempo. Não se gasta energia intelectual apreendendo o conceito proposto pelo outro, para então discuti-lo, mas sim em descobrir maneiras de achincalhar o proponente da ideia. Qualquer coisa proposta fora da caixa ideológica tem que ser inevitavelmente descartada. Esta é a metodologia de “diálogo” da esquerda. Isto é ideologia.

A prova de que a direita não tem ideologia está na sua constituição. A direita americana, por exemplo, abriga os mais diferentes animais, desde cristãos ultraconservadores até os libertários que defendem a sociedade livre de qualquer legislação que diga respeito ao comportamento individual que não afeta necessariamente outros. Pat Robinson, o tele evangelista, está do mesmo lado do Milo Yannopoulos, gay ativista da direita.

A direita não é uniforme

O novo direitismo brasileiro é também um verdadeiro balaio de gatos. Quem não briga com quem? Alguns se perguntam: “Por que não formam uma frente ideológica coesa”? A resposta é simples: Porque não!!! Porque este não é o papel da direita, fazer a cabeça de pessoas para que pensem uniformemente. A direita não é uniforme, nem nunca vai ser, porque não é ideológica. Quem é direitista se preocupa com fatos, com soluções reais, com números. Preocupa-se em testar suas teorias para saber se elas dão certo ou não. Você já ouviu um socialista perguntar: “mas tal política deu certo?” Não. Esta não é uma pergunta que os interessa. Não querem que nada dê certo. Senão, como se justificaria um governo totalitário? O autoritarismo só se justifica quando nada dá certo.

O filósofo Roger Scruton discutindo o conservadorismo inglês lamenta que Thatcher não tenha sido capaz de articular uma cosmovisão clara durante seu governo. Ela foi brilhante em enfrentar o establishment que travava o país como um quintal dos sindicatos mas acabou deixando o país depois de sua gestão à mercê dos planificadores socialistas porque, segundo Scruton, você não pode reduzir todos os problemas de uma sociedade à liberação do mercado.

Valores fundamentais que vão solidificar a liberdade não são meros produtos de mercado. Têm que ser articulados abertamente para a sociedade em um trabalho consistente e consciente. Sendo assim, os ministros  pejorativamente chamados de ideológicos do governo Bolsonaro não são ideológicos no sentido esquerdista mas sim estão trabalhando para defender os valores que podem nos tornar um país melhor. concepção de um novo país.  Se o governo se propõe a ser autenticamente de direita seus servidores têm que ser livres para pensar por si mesmos. Repetir doutrinas como papagaio e trabalhar um fim ideológico que não tem contato com a realidade do povo é coisa da esquerda. Mas nada do que se está conquistando hoje vai durar, se não cuidarmos da preservação dos valores que podem nos transformar numa sociedade realmente livre. Graças a Deus pelos ditos “ideológicos”. São eles os menestréis cantando nas ruas nosso sonho de um Brasil melhor.

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