Entre os processos que vêm sendo revisitados pela equipe do projeto “Memória Judiciária”, um deles revela uma ação pedindo anulação de casamento. Quando a mulher pediu ao ex-marido que pagasse a pensão alimentícia dos três filhos do casal, ele foi buscar no passado dela, um fato que a depreciasse e consequentemente, o livrasse de ter que tirar dinheiro do bolso.
Foi então, que em julho de 1982, o funcionário público federal, João* a acusou Maíra* de ser bígama.
Ela teria casado pela primeira vez, em 1957, com Frederico*, em Cuiabá, e a segunda, com ele, em Várzea Grande.
Para eximi-lo de pagar a pensão aos filhos, o advogado de João apresentou uma petição ao juiz, na qual narrou que seu cliente teria sido ultrajado e abandonado pela esposa.
“Aconteceu que o peticionário, acalentando o sonho de consolidar seu casamento nos firmes ditames da Lei, mas o qual e o que, foi ultrajado, foi abandonado e foi acionado a responder os intentos de uma reivindicação de pensão alimentícia ajuizada pela bem-amada – sua mulher”, defendia seu advogado.
“ Aconteceu, tempos após aquela demanda, de vir o peticionário tomar conhecimento que a sua esposa também é legítima de Frederico*. Por conseguinte, impera-se sobre o casamento do peticionário “a nulidade absoluta” e gera para a requerida, consequências imprescritíveis perante as normais processuais. Frederico* está vivo e o laço matrimonial com ele não foi desfeito em ordem jurídica”, descreveu, pedindo a extinção da obrigação de ter descontado de sua folha de pagamento, os valores da pensão.
Os documentos retratam o comportamento de uma sociedade machista e patriarcal.
O advogado prosseguiu: “Demonstrada a dolosa afronta, e reprovação social, na sua forma mais grosseira e perversa praticada pela requerida, vem propor a presente Ação de Nulidade de Casamento e, consequentemente, pedir a extinção da obrigação de supri-lhes alimentos por desconto em folha de seu pagamento”.
No mês seguinte, em 13 de agosto de 1984, o advogado de Maíra fez um posicionamento sobre a real situação do casal.
“Das inverdades produzidas pelo autor, sobre “amor traído”, “abandono” e outras fantasias de um apaixonado fictício, de muito sabor cinematográfico, com gosto duvidoso, uma se ressalta quando a boa lógica apresenta-se: ele, autor, só vem a saber o estado irregular da antes “amada esposa”, quando esta lhe cobra as justas obrigações de prover o sustento dos filhos! Obrigações que ele não quis e não quer. Daí a fuga nesta demanda”, pontuou.
Depois de uma longa batalha judicial, em 1989, o juiz Elon Carvalho, da 3ª Vara Cível, em sua sentença, declarou nulo o enlace.
“Sendo ainda legitimamente casada e contraindo novo casamento, de consequência a ré tomou-se a qualidade do estado de pessoa bígama e, desta forma, tendo sido celebrado com preterição de regras, deve o ato ser declarado inválido, sendo mesmo um ato natimorto”.
Além de anular o casamento, o magistrado ainda salientou que João* poderia promover até mesmo uma ação de indenização, caso entendesse cabível, com apoio no artigo 159 do Código Civil em vigor à época.
E claro, devido ao longo tempo em que tramitou o processo, quando a sentença foi proferida, dois dos três filhos do casal já haviam completado a maioridade e um estava prestes a completar 21 anos, por isso o juiz exonerou o autor da prestação alimentícia devida.
Essa matéria integra a série especial “145 anos: o Judiciário é história”, em comemoração ao aniversário do Poder Judiciário de Mato Grosso, celebrado em 1º de maio de 2019.
*O nome dos personagens foi alterado porque o processo tramitou em segredo de Justiça.
(Com Assessoria TJ)