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Para fugir do preconceito, ciganos abandonaram nomadismo e vivem sem identificação

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Para fugir do preconceito, ciganos abandonaram nomadismo e vivem sem identificação
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

O vestido longo e florido de Fernanda Caiado quase desaparece entre as cores sóbrias do escritório onde ela trabalha como auditora. Caixas de papelão repletas de variadas mercadorias destoam do colorido resistente desta cigana de 31 anos, uma das fundadoras da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT).

Sorridente e sobretudo falante, Fernanda nem sempre foi assim. Há 6 anos atrás, ela jamais contaria sua história a um desconhecido. A cigana da etnia calom pertence a uma geração que cresceu com a perda de identidade cultural, submetida ao preconceito e a perseguição.

“Minha vó conta que havia cidades que cigano não era permitido entrar, existia aquele estereótipo de que cigano enganava, roubava e a polícia simplesmente não deixava chegar…”, comenta ela. Convertidos ao protestantismo nos anos 80, a família de Caiado abandonou os hábitos nômades, fixando moradia em cidades como Guiratinga, Rondonópolis, Pedra Preta, Tangará da Serra e Cuiabá.

Nos cálculos da AEEC-MT, cerca de 80% dos ciganos de Mato Grosso já não são mais nômades, característica cultural determinante destes povos. Uma estimativa feita em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) aponta para a existência de cerca de 700 ciganos no estado.

Procurador acredita que ciganos foram esquecidos pelo poder público tanto quanto quilombolas e indígenas

Para aqueles que perambulam a manutenção da cultura não é o principal problema. Entre os nômades, falta documentos básicos como RG, CPF e Carteira de Trabalho. Entre os “moradores” o reconhecimento da própria identidade é ainda mais difícil, já que o IBGE não registra dados sobre os ciganos no questionário étnico. Sem opção, muitos ciganos acabam se classificando como brancos ou pardos.

Outra questão é a falta de estrutura nos acampamentos, onde inexiste saneamento básico e o acesso à saúde pública é mais restrito. As dificuldades levaram a desistência do nomadismo de grande parte dos grupos ciganos, mas o sedentarismo foi também uma forma dos ciganos se misturarem, diluindo assim o preconceito.

“Ninguém quer falar que o é cigano porque sabe que vai sofrer preconceito, que as pessoas vão sofrer, os mais novos como eu ainda batem no peito e dizem, só que os mais antigos evitam porque eles viveram numa época em que a discriminação é maior”, resume Fernanda.

Dispersão e descaso

A dispersão das etnias ciganas e o aculturamento destes povos não chamou a atenção do poder público até os últimos dias. Neste mês de maio, o MPF tentou uma primeira aproximação, ainda que o dia dos ciganos tenha sido instituído em 2006.

“O foco principal sempre foi quilombolas e indígenas. Eu fiz uma busca no sistema do MPF daqui e não encontrei demandas dos ciganos, se existiram foram arquivadas”, comentou o procurador Ricardo Pael Ardenghi, que esteve reunido com membros da AEEC-MT no dia 15 de maio.

O encontro resultou na criação de quatro procedimentos preparatórios sobre saúde, educação, documentação e acampamentos dos ciganos. Os documentos devem servir de base para a discussão do estatuto dos povos ciganos, cujo projeto de lei tramita no Congresso.

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