Judiciário

Pacientes desistem de cirurgias ou são dispensados, mas governo pagou por elas, diz MPE

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Pacientes desistem de cirurgias ou são dispensados, mas governo pagou por elas, diz MPE
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

O Ministério Público Estadual (MPE) tomou depoimentos de nove pacientes da Caravana da Transformação de Cuiabá que negaram ter feito cirurgias que estão na planilha de produção da empresa 20/20 Serviços Médicos S/S, alvo da Operação Catarata. Na ação, o promotor Mauro Zaque afirmou que “os fatos estão a apontar no sentido de que houve, sim, fraude na execução dos contratos ora atacados, com a cobrança de procedimentos cirúrgicos em pessoas que não foram submetidas a tal”.

Confira os relatos contidos na ação:

Isaurino José dos Santos mora no Lar dos Idosos São Vicente de Paulo, em Várzea Grande. Ele se recusou a fazer a cirurgia pois “não admite que ninguém toque em seus olhos”. A assistente social insistiu com o idoso para que ele fizesse a cirurgia, explicou que isso iria beneficiá-lo. Mas ele estava decidido e não permitiu a intervenção. Assim, a diretoria do abrigo decidiu respeitar a decisão do paciente e ele não passou pelo procedimento. Segundo o MPE, porém, a lista de produção da 20/20 traz duas cirurgias para ele.

Lucinei Marcia da Silva Lima tem câncer e estava fazendo quimioterapia quando foi à Caravana. Ele teve indicação para fazer cirurgia de catarata nos dois olhos, porém, não fez nenhuma. O procedimento foi contraindicado em função do tratamento. O MPE apontou que ela aparece duas vezes na planilha de produção com cirurgias de catarata, ambas no mesmo dia.

Nilce da Silva Lara foi à Caravana e ficou desconfiada das consultas. Com medo, ela se recusou a fazer as cirurgias. “Eu achei muito estranho, eu passar por várias pessoas que não tinha nada a ver com médico. Aí fiquei preocupada […] Quando era pra mim voltar pra fazer a cirurgia, eu falei ‘não vou fazer porque eu não quero arriscar a minha vida’, porque depois eu não vou conseguir recuperar, se alguma coisa acontecer”, disse. Ela também aparece na tabela de produção como tendo passado por duas cirurgias, no mesmo dia.

Agemiro Gonçalves da Silva tinha indicação médica para cirurgia no olho direito. No dia agendado, foi à Arena Pantanal sem acompanhante e, por isso, foi impedido de passar pelo procedimento. “Eu moro sozinho no residencial São José e ele falou que tinha que ter uma pessoa para ir e voltar comigo. Como eu não tinha, eu não fiz a operação no olho”, disse ele ao MPE. Agemiro aparece na planilha de produção da 20/20 como beneficiário de duas cirurgias de catarata. Os dois procedimentos teriam sido realizados no mesmo dia, o que é contraindicado.

Adão Milton Rodrigues tinha indicação médica para fazer cirurgia nos dois olhos. Porém, no dia agendado, a pressão do olho esquerdo estava muito alta. Desse modo, o procedimento foi feito somente no olho direito. Quando ele retornou, no pós-operatório, e quis fazer a cirurgias no outro olho, não foi mais possível porque a edição de Cuiabá havia sido encerrada.  No entanto, Adão consta duas vezes na tabela de produção da empresa como tendo realizado a cirurgia de catarata.

Joana Maria de Arruda Santos passou pela consulta, mas segundo a avaliação médica, não precisava de nenhuma cirurgia. Ela pediu à atendente que cancelasse seu cadastro. “Ela bateu que bateu, eu achei que ela tinha cancelado.” Em seguida, ela foi cuidar do marido, que passou pela cirurgia. Segundo o MPE, Joana também aparece duas vezes na lista de produção da empresa.

 

Hudson Antonio de Siqueira tinha indicação para cirurgia nos dois olhos. Porém, ele não pôde ir à arena no dia agendado, e não passou pelo procedimento. Segundo o MPE, ele também aparece com duas cirurgias na planilha de produção da empresa.

Armantino Ferreira da Silva tinha indicação para fazer duas cirurgias. Porém, tinha uma lesão no olho direito. Por isso, acabou fazendo a cirurgia somente no olho esquerdo. Aparece na lista, porém, como tendo passado por cirurgia nos dois olhos.

Alice Ferreira dos Santos disse que precisava de cirurgia somente no olho esquerdo e, por isso, não fez no direito. Segundo o MPE, ela aparece também duas vezes na lista.

Operação Catarata

Segundo o promotor, a Secretaria de Saúde não tinha controle sobre o número de cirurgias pagas. As 14 edições da Caravana, realizadas entre 2016 e 2018, consumiram R$ 69,8 milhões, dos quais R$ 48,2 milhões foram com os procedimentos oftalmológicos.

Mauro Zaque destacou também que os procedimentos não passavam pelo controle do Sistema de Centrais de Regulação (Sisreg) nem do Datasus, e que o número de pessoas atendidas pela Caravana era maior que a fila existente.

“Esta demanda reprimida de 14 mil procedimentos que o governo declara na prestação de contas não está registrado no SIREG na fila de procedimentos. Então questionada a Sra. Pio sobre de onde veio o número 14 mil, respondeu que é uma estimativa calculada sobre o número de habitantes com mais de 50 anos, que estaria em tese sujeito a apresentar catarata”, diz trecho da ação.

Outro lado

O governo negou ter pagado pelas cirurgias não realizadas dos nove pacientes ouvidos pelo MPE. Leia na íntegra a nota emitida na semana passada:

O Governo do Estado de Mato Grosso, considerando os questionamentos a respeito da “Operação Catarata”, vem a público esclarecer que:

1) Contesta, frontalmente, todos os 9 (nove) casos concretos descritos pelo Ministério Público Estadual que, supostamente, evidenciariam irregularidades em decorrência do suposto pagamento de cirurgias de catarata em relação a pacientes que não vieram a se submeter a tal procedimento médico.

O Ministério Público afirma de forma equivocada que, por amostragem, constatou que o Estado autorizou, ou até mesmo já efetuou o pagamento por cirurgias de catarata que não foram realizadas. Os pacientes nominados são: Adão Milton Rodrigues, Agemiro Gonçalves da Silva, Joana Maria de Arruda Santos, Lucinei Marcia da Silva Lima, Nilce da Silva Lara, Isaurino José dos Santos, Hudson Antônio de Siqueira, Armantino Ferreira da Silva e Alice Ferreira dos Santos, todos da “Etapa Cuiabá” da “Caravana da Transformação”.

Em TODOS OS CASOS citados a Secretaria de Estado de Saúde (SES) NÃO CERTIFICOU a ocorrência, NÃO AUTORIZOU O PAGAMENTO e MUITO MENOS EFETUOU O PAGAMENTO referente às cirurgias de catarata que não foram realizadas.

O Governo do Estado confirma que os nove pacientes citados DIZEM A VERDADE nos vídeos e depoimentos trazidos pelo Ministério Público. O equívoco do MPE é supor, com base em um documento incompleto, que cirurgias não realizadas foram pagas. Documentação da Secretaria de Saúde comprova que, dos nove casos trazidos aos autos pelo MPE, NÃO CONSTAM os pagamentos de procedimentos não realizados.

Conforme documentação dos processos administrativos apreendidos pelo Ministério Público, referentes à Etapa Cuiabá de Caravana da Transformação, nº.s 225.233/2018, 242.037/2018, 263.533/2018 e 300.476/2018, Adão Milton Rodrigues, Armantino Ferreira da Silva e Alice Ferreira dos Santos somente tiveram um dos olhos operado de catarata (facoemulsificação com implante de lente intra-ocular), enquanto que os demais pacientes mencionados não se submeteram a nenhuma cirurgia. O que eles têm em comum, e por conta disso a empresa fornecedora deve ser remunerada, é que todos se submeteram à consulta médica e exames oftalmológicos diversos, todos estes previstos e autorizados pelo contrato, em benefício da população – aspecto este incontestável, confessado nos próprios depoimentos e vídeos trazidos pelo Ministério Público.

Para exemplificar:

1 – Adão Milton Rodrigues: além da cirurgia em 1 olho e da consulta, paquimetria ultrassônica, ultrassonografia de globo ocular, biometria ultrassônica e microscopia especular de córnea;
2 – Agemiro Gonçalves da Silva: além da consulta, tonometria e mapeamento de retina com gráfico;
3 – Joana Maria de Arruda Santos: além da consulta, mapeamento de retina com gráfico, tonometria e biomicroscopia de fundo de olho;
4 – Lucinei Marcia da Silva Lima: além da consulta, mapeamento de retina com gráfico e tonometria;
5 – Nilce da Silva Lara: além da consulta, mapeamento de retina com gráfico, tonometria e biomicroscopia de fundo de olho;
6 – Isaurino José dos Santos: além da consulta, mapeamento de retina com gráfico, tonometria e biomicroscopia de fundo de olho;
7 – Hudson Antônio de Siqueira: além de consulta, biomicroscopia de fundo de olho, tonometria e mapeamento da retina com gráfico;
8 – Armantino Ferreira da Silva: além da cirurgia em 1 olho e da consulta, microscopia especular de córnea, paquimetria ultrassônica, ultrassonografia de globo ocular e biometria ultrassônica;
9 – Alice Ferreira dos Santos: além da cirurgia em 1 olho e da consulta, paquimetria ultrassônica, ultrassonografia de globo ocular, biometria ultrassônica e microscopia especular de córnea.

Para confirmar a veracidade dessas informações, com base nas quais o Estado de Mato Grosso efetuou ou pretendia efetuar pagamento em favor da empresa fornecedora, basta a conferência da documentação apreendida, que se encontra sob posse do Ministério Público, tal como prontuários médicos, Autorização de Procedimento de Alto Custo (APAC) e relatórios da equipe técnica da SES.

Por outro lado, para confirmar que não houve o pagamento de cirurgia de catarata nas hipóteses rechaçadas pelos referidos pacientes, basta comparar o quantitativo de cada procedimento descrito em cada nota fiscal emitida pela empresa fornecedora com a lista de nomes constantes dos mencionados processos administrativos, nas quais se evidencia, inclusive, eventual falta/ausência de pacientes ou cancelamento de cirurgias por motivos variados. Mais detalhes estão nos respectivos prontuários, que encontram-se apreendidos com o Ministério Público.

2) O Governo do Estado ressalta ainda que o Ministério Público e o Poder Judiciário jamais questionaram, no referido processo judicial, a idoneidade e/ou legitimidade no processo de escolha, contratação, seleção da empresa 20/20 SERVIÇOS MÉDICOS, tampouco o preço pago pelo Poder Público por cada procedimento a partir da Tabela SUS, cobrando-se em 2018, por exemplo, apenas R$ 10,00 por cada consulta médica especializada. Não se indicou, portanto, sequer a existência de indícios de direcionamento na contratação ou superfaturamento dos valores cobrados pelos serviços prestados.

3) Por fim, o Governo do Estado lamenta que, se mantida a suspensão completa do contrato, serão prejudicados cerca de 150 pacientes cujos atendimentos estão agendados para os próximos dias 14/09/2018, 21/09/2018 e 29/09/2018. Estes pacientes ainda não receberam alta médica e, com a decisão judicial, os atendimentos não poderão ser realizados, de modo que os pacientes ainda estavam sendo objeto de acompanhamento médico pela referida empresa sem qualquer custo adicional ao Estado.

Governo do Estado de Mato Grosso

06.09.18

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