Basta parar no sinal vermelho para que as batidinhas nas janelas dos carros comecem. São vendedores de todo tipo de artigo. Água, refrigerante, suco, balas, acessórios para carro e ainda o serviço de limpeza de para-brisa. Tudo acompanhado de uma performance artística com show de malabares.
Um comércio pulsante feito nos semáforos de Cuiabá por empreendedores formados pela necessidade e que, com o tempo, descobriram que a liberdade da rua não tem preço.
Willer Dias, 37 anos, trabalha há 20 anos nas ruas. Ele vende limpadores de para-brisa que variam entre R$ 20 e R$ 30, conforme o modelo do veículo.
No currículo, ele carrega a experiência como cozinheiro, manobrista, mensageiro e taxista. Porém, afirma que, hoje, não aceita mais trabalhos formais como os que já passou, por conta do salário.
“Eles querem pagar para uma pessoa com pouco estudo no máximo R$ 1,5 mil. Este dinheiro não dá para nada. Sem contar aquela coisa de cumprir horário, que eu não quero mais”.
Para Dias, a rua é o melhor lugar para se trabalhar e, por dia, ele consegue faturar entre R$ 150 e R$ 200.
A rua transformada em picadeiro
Miogo é o nome provisório do personagem criado por Jefferson. Ele é um profissional da arte da palhaçaria, malabares e frequentemente faz seu show na Avenida Mato Grosso.
Os ganhos do nobre palhaço são menores, não passam dos R$ 50 diários. Porém, ele usa a rua para divulgar o seu trabalho e conseguir outros freelances.
Foi no semáforo que conseguiu um contrato para atuar na animação de uma festa de Carnaval em Várzea Grande e também teve a chance de se apresentar em um baile de debutantes que tinha como tema o picadeiro.
“Além de ser um cartão de visita, a rua é o melhor lugar do mundo para um artista testar. Aqui, o público traz sempre a verdade. Quando não tem graça, não tem acordo”.
Miogo diz que, normalmente, as gorjetas são pequenas, mas uma vez chegou a ganhar R$ 100.
“A mulher me entregou bem enroladinho. Ela disse parabéns e toma o dinheiro para tomar um café. Naquela correria do semáforo abrir, eu coloquei no bolso. Pensei que era R$ 2 por causa da cor da nota. Quando fui abrir, nem acreditei”.
Limpeza forçada
Cleomar Rodrigues da Costa, 27, está há 2 anos jogando água com detergente no para-brisa das pessoas e limpando com um pequeno rodo.
“Jogamos sem a pessoa pedir. Se não jogamos, não ganhamos, porque ninguém quer”.
A estratégia de “marketing” usada pelo trabalhador de rua, nem sempre é bem aceita pelos motoristas. Ele mesmo relata que muitas vezes enfrenta o mau humor das pessoas e até mesmo é alvo de violência.
“Um cara passou com o carro sobre o meu pé. Fiquei dias deitado na cama com febre, não conseguia nem me mexer”.
Segundo Cleomar, a esposa dele pede para ele mudar de trabalho todos os dias. Ela tem medo que aconteça algo, porque acha a rua muito violenta.
“Eu não quero sair daqui. Posso falar com as pessoas, brincar e, ao mesmo tempo, ganhar meu dinheiro. Todos os dias faço no mínimo R$ 150, mas começo às 8 da manhã e paro depois das 21h”.
Nem todo motorista gosta do comércio
O técnico do SUS, Benedito Queiroz, de 55 anos, não gosta da ação dos trabalhadores no semáforo. Ele acha que eles atrapalham o fluxo do trânsito, brigam entre si e, muitas vezes, usam a coação para conseguir o dinheiro.
“Eles se aproveitam das mulheres. Quando é um homem no volante, mudam o comportamento”.
Queiroz é nascido e criado em Cuiabá e diz que o aumento dos trabalhadores de rua aconteceu recentemente, a partir de 2010. Segundo ele, é uma nova realidade para o cuiabano.
“E chegou para ficar. O tempo não volta e teremos que conviver com isso”.