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Os pastores neopentecostais e o reconhecimento de vínculo com as igrejas

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Os pastores neopentecostais e o reconhecimento de vínculo com as igrejas

Carla Reita Faria Leal

Sabrina Ripoli Bianchi

 

Recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que tem jurisdição na grande São Paulo e na baixada santista, reconheceu o vínculo empregatício entre um pastor e a Igreja Universal do Reino de Deus.

À primeira vista, tal decisão pode parecer inovadora ao universo jurídico. No entanto, processos com objeto semelhante ao da decisão citada já foram apreciados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), o qual, em alguns dos casos, também proferiu entendimento no mesmo sentido, ou seja, entendeu que os pastores eram empregados e não trabalhadores voluntários, como pretendiam as igrejas acionadas.

A Lei n.º 9.608/1998 estabelece que trabalho voluntário é a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.

Desta forma, ficam claro dois pontos nesse conceito: o primeiro deles é que o trabalho voluntário não pode ser remunerado. Logo, o pagamento de parcelas economicamente mensuráveis ao prestador desse serviço retira a sua voluntariedade. A pessoa que presta o serviço voluntário pode receber, a título de ressarcimento, valores para cobrir eventuais despesas que tenha em razão do trabalho que está ali desempenhando, como, por exemplo, com transporte e com alimentação. O montante que ultrapassa esse ressarcimento pode ser sim considerado remuneração.

O segundo ponto é que o trabalho voluntário precisa ser realizado em favor de entidade pública de qualquer natureza ou de instituição privada sem fins lucrativos. Dessa forma, se ficar caracterizado que a instituição para qual o trabalhador presta seu serviço tem finalidade lucrativa, o trabalho também deixará de ser voluntário.

No caso aqui mencionado, ficou provado nos autos que o reclamante da ação, antigo pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, não podia ser substituído por outros pastores na execução de suas atividades, a não ser com prévia autorização do pastor regional, caracterizando a pessoalidade da relação.

Ademais, tinha uma rotina rígida de atividades diárias e mensais, como a realização de 3 cultos por dia, com temas previamente estabelecidos pela direção da Igreja; a participação em reuniões obrigatórias, com aplicações de penalidades por parte dos pastores regionais e bispos nas situações de ausências injustificadas; a comercialização de jornais, livros, ingressos de cinema; bem como o cumprimento de meta mínima de arrecadação de dízimo de R$10.000,00 mensais; as transferências obrigatórias e rotineiras dos recursos angariados à sede da Igreja em que atuava, o que evidenciou não apenas a não eventualidade do serviço, como também a subordinação existente entre o pastor e a igreja, visto que não possuía liberdade na execução de qualquer atividade, além de ser penalizado caso não seguisse estritamente o que fora estabelecido.

Para a execução desses serviços, ele recebia a título de remuneração, e não de ressarcimento, o valor de R$ 3.200,00 reais mensais, mais as comissões sobre as vendas efetuadas na igreja, demonstrando, por fim, a onerosidade dessa relação.

Dessa forma, pelo conjunto de provas analisado no processo, o Tribunal entendeu que tal realidade não é a de quem faz trabalho voluntário ou por profissão de fé, mas sim de quem executa atividades por conta alheia, em típica subordinação trabalhista, evidenciando, portanto, todos os requisitos exigidos pela CLT para a configuração de um vínculo de emprego. Ou seja, trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, com continuidade, com inserção na atividade do empregador (no caso a igreja), com onerosidade (mediante salário) e com subordinação.

Lembramos que nesse tipo de processos são analisadas as provas que são produzidas pelas partes e elas são decisivas para reconhecer ou afastar o vínculo de emprego. Assim, não é possível afirmar, de forma genérica, que todos os pastores ou trabalhadores nas igrejas são empregados, mas sim aqueles que preencham os requisitos mencionados.

 

*Carla Reita Faria Leal e Sabrina Ripoli Bianchi são membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

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