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Os fazendeiros da Serra de Ricardo Franco e a confiança na impunidade

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Os fazendeiros da Serra de Ricardo Franco e a confiança na impunidade

Ednilson Aguiar/O Livre

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Casas dos funcionários na fazenda Paredão: ocupação irregular

No fim de 2016, uma denúncia anônima chegou ao gabinete da promotora Regiane Soares de Aguiar, de Vila Bela da Santíssima Trindade. As ações e multas que havia movido contra 50 propriedades instaladas ilegalmente no Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco não impediram que uma delas continuasse sendo vítima de tratores e motosserras. Em dois meses, funcionários da fazenda Paredão II, que pertence a Marcos Antonio Assi Tozzatti – ex-assessor de Eliseu Padilha e sócio do ministro-chefe da Casa Civil em duas fazendas dentro da Unidade de Conservação – desmataram o equivalente a 170 campos de futebol.

Amparada em imagens de satélite registradas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), a promotora requisitou um mandado de busca e apreensão na propriedade. Na manhã de 5 de dezembro de 2016, policiais civis, militares e peritos baixaram na fazenda a bordo de caminhonetes. Encontraram três casebres de madeira. De acordo com o relatório policial ao qual o LIVRE teve acesso, em dois deles as “condições de habitabilidade não eram das piores”. No terceiro, entretanto, a situação era “a pior que se poderia imaginar”, descreve um trecho do documento.

“E por incrível que possa parecer existiam duas pessoas que, no período noturno, presume-se em razão do quadro apresentado, ao dormirem equilibravam-se insistentemente sobre dois pequenos colchões de espuma em duas camas de madeira muito próximas de quatro galões de gasolina prestes a entrar em combustão, cujos resultados não são difíceis de imaginar (…) ao lado de uma cozinha muito suja, insalubre, com restos de alimentos por todos os lados, ambiente em que convivem as duas pessoas acima mencionadas e muito provavelmente ratos, insetos e outros animais não menos perigosos”, relata outro trecho.

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Trecho de relatório policial de 5 de dezembro de 2016, quando houve busca e apreensão na fazenda de Tozzatti

Os policiais flagraram também o uso irregular de agrotóxicos, a destruição de vegetação ciliar de nascentes, duas espingardas, quatro motocicletas, um trator Massey Ferguson 275, motosserras, 1.912 cabeças de gado e mais gasolina. Além do casal de caseiros, Jeferson da Costa Marques e Iraíldes Ferreira Santos, três funcionários da fazenda Cachoeira – a outra propriedade de Tozzatti e Padilha, localizada a poucos quilômetros dali – também estavam no local. Tudo dentro de uma área de preservação permanente que, pela lei, só deveria permitir pesquisas científicas e turismo controlado.

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Imagem de satélite mostra a fazenda Paredão II em agosto de 2016

Sete meses antes, em abril de 2016, Tozzatti havia recebido uma multa de R$ 37,6 milhões pelo desmatamento de 752 hectares na Paredão II. A autuação não impediu que a retirada das árvores seguisse em velocidade galopante: entre agosto e outubro de 2016, imagens de satélite detectaram o desmate de mais 172 hectares. “Mesmo depois das autuações administrativas e da aplicação de multas pela Sema houve novos desmatamentos”, conta a promotora Regiane. “Hoje, encontra-se em andamento um inquérito policial para apurar esses crimes ambientais”.

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Imagem de satélite de outubro de 2016: mesmo depois de multa, 172 hectares desmatados em dois meses

Naquele mês, a fazenda vizinha, Santo Antonio, que também pertence a Tozzatti e cujo território fica em parte dentro da Paredão II, foi autuada em R$ 5,6 milhões pelo desmatamento de 109 hectares entre 1998 e 2015. Na mesma oportunidade, as fazendas Cachoeira e Paredão I, que Tozzatti mantém em sociedade com Padilha, receberam multas que somam R$ 108,1 milhões pelo desmatamento de 2.079 hectares de floresta amazônica e Cerrado.

Tozzatti e Padilha se conhecem há pelo menos vinte anos. Em 2003, uma ação do Ministério Público Federal revelou que o ministro, a pedido do ex-deputado Álvaro Gaudêncio Neto, havia ordenado ao Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER), atual Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o pagamento de um precatório de R$ 2,3 milhões a uma empresa a quem o Estado devia, segundo o MPF, apenas R$ 185 mil. O superfaturamento foi constatado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A ordem aconteceu em 1997, enquanto Padilha era ministro dos Transportes. Em dezembro daquele ano, um ofício assinado por Tozzatti, então assessor direto do ministro, foi enviado ao diretor-geral do DNER à época, Mauricio Hasenclever, pedindo celeridade no pagamento, e explicando que se tratava de uma “ordem do excelentíssimo senhor ministro dos Transportes, Eliseu Padilha”. O caso está em julgamento na 6ª Vara Federal do Distrito Federal.

Ministério Público

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Ocupação irregular: policial arromba galpão em propriedade localizada dentro do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco

Tanto a Paredão II quanto a Santo Antonio, ambas em nome de Tozzatti, e a Paredão I e a Cachoeira, de Tozzatti e Padilha, localizadas dentro do parque, eram mata virgem em 1998 – um ano depois que o parque foi criado. De acordo com o MP, tudo indica que foram ocupadas inicialmente por posseiros e grileiros. “As propriedades foram adquiridas após a criação da unidade de conservação”, diz a promotora Regiane. “Segundo o entendimento do procurador Luiz Alberto Esteves Scaloppe, da procuradoria especializada em Defesa Ambiental, é possível que tenham sido adquiridas por meio de grilagem de terras”.

Tozzatti comprou a fazenda Paredão II em junho de 2009, de João Sanchez Junqueira, um dos donos da megaconstrutora Sanchez Tripoloni. João, por sua vez, havia negociado os 1.168 hectares de terra com membros da família Tripoloni, de quem é sócio. O primeiro registro no Cartório Geral de Imóveis de Pontes e Lacerda é de dezembro de 1999.

Com obras espalhadas por todo o Brasil, a Sanchez Tripoloni, que nasceu no município paranaense de Maringá, esteve envolvida em 2011 em um escândalo de superfaturamento de obras de pavimentação contratadas pelo DNIT, à época comandado por Luiz Antônio Pagot, ex-secretário de Estado de Mato Grosso. Na ocasião, a empresa chegou a ser declarada inidônea, mas o processo foi revertido em poucos meses.

Moral da história: mesmo tendo sido autuado, Tozzatti continuou desmatando, não pagou a multa e recorreu na Justiça. Padilha fez o mesmo. Em poucos dias, a reação de Brasília chegou a Mato Grosso. Primeiro, pelos braços da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que em dezembro impetrou um recurso para suspender a fiscalização no parque. Agora, parte da Assembleia Legislativa de Mato Grosso se movimenta para sustar os efeitos do decreto 1.796, que, em novembro de 1997, definiu os limites da área a ser preservada. Enquanto isso, a Serra de Ricardo Franco aguarda silenciosamente por seu destino. Em vez de floresta preservada, pode acabar tornando-se um imenso pasto.

Na quarta e última reportagem da série, a fazenda do ministro Padilha que esconde, dentro de uma unidade de conservação, uma pista de pouso clandestina e um lixão a céu aberto.

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