Ela ajeitou o boné, empunhou a vassoura e arregaçou as mangas iniciando o trabalho mesmo com os termômetros marcando 36º. A oportunidade de sentir o sol, ver outras pessoas e se sentir respeitada pela sociedade é o que move cada nova braçada no instrumento de trabalho, uma vassoura, uma roçadeira, uma enxada.
O serviço é ofertado por meio do Poder Judiciário de Mato Grosso (TJMT), com o Executivo Municipal de Cuiabá e a Fundação Nova Chance (Funac) que prevê a contratação de reeducandas do regime fechado para o trabalho na capina, roçagem, limpeza e pintura de guias em canteiros centrais e calçadas dos bairros de Cuiabá.
Entre idas e vindas, Rosa* já ultrapassou os 25 anos de prisão. Todavia dessa vez assegura categórica que não voltará ao mundo do crime. “Estou com mais de 25 anos puxados de cadeia, mas o que mudou a minha vida é saber que quando sair terei meu dinheirinho pronto. Um começo para reestruturar minha vida longe do crime”, explicou a reeducanda que ainda cumprirá um ano de sua pena em regime fechado.
Assim como ela, Maria* disse que a nova atribuição – manusear uma roçadeira – não é um bicho de sete cabeças. “Foi tranquilo e fiquei surpresa com a confiança que tiveram em dar essa tarefa. Tivemos um curso de como manusear e aí me senti segura com o maquinário. O trabalho não é fácil, mas estamos aqui para fazer de bom grado. Recebemos por isso, temos esse dinheiro que nos servirá para recomeçar depois que sairmos do regime fechado e isso faz toda diferença”, pontuou.
Ressocialização
O juiz responsável pela execução-penal de Cuiabá, Geraldo Fidelis, explicou que ficou emocionado quando recebeu o feedback da diretora do presídio dizendo que as reeducandas estavam cansadas, porém felizes após um dia intenso de trabalho. “Isso é muito tocante, perceber que essas mulheres ficam ansiosas para retomar o trabalho. Não ficam só ociosas na prisão, podem contar com esse auxílio financeiro e são tratadas com respeito e dignidade pela sociedade que as veem trabalhando”, comentou o magistrado.
O secretário de Serviços Urbanos de Cuiabá, José Roberto Stopa, explicou que a oportunidade é boa para todos os envolvidos. “Estamos oportunizando a essas reeducandas um recomeço com dignidade. Além disso, temos uma ação adequada para a sociedade que recebe os trabalhos urbanísticos, boa para a prefeitura que consegue uma mão de obra para execução dos serviços e bom para as famílias dessas reeducandas que recebem uma ajuda financeira, apesar da prisão”, explicou o secretário.
O técnico do Sistema Prisional, psicólogo e fiscal do contrato do sistema com a prefeitura de Cuiabá, Walter Jorge Nutran Júnior, reiterou que o projeto é um ‘ganha-ganha’. “Esse trabalho é interessante para o reeducando porque ele está sendo remunerado. Antes ele tinha só a remissão da pena, cada 3 dias trabalhados remia um dia na pena. Elas querem e estão motivadas por receber uma oportunidade como essa, então o trabalho é de alta qualidade”, comentou.
Carga horária e salário
Para esse tipo de atividade externa, é feita a seleção interna por uma equipe multidisciplinar de cada unidade e depois é remetida para a Vara de Execução Penal, que pode autorizar a saída do preso. Todos que trabalham externamente são monitorados por tornozeleira eletrônica.
Conforme estabelece a Lei de Execuções Penais, a empresa ou órgão público que contrata a mão de obra de reeducandos tem a isenção de encargos trabalhistas, pois a CLT não se aplica à contratação de cumpridores de pena nos regimes fechado e semiaberto.
Todos eles terão o período de prestação de serviços limitado de 44 horas semanais, com oito horas diárias, de segunda a sexta-feira e, no máximo, quatro horas aos sábados. Durante a execução dos serviços, fiscais do Município estarão responsáveis pelo controle e comprovação da execução das atividades delegadas.
Os selecionados para a prestação do serviço à Prefeitura receberão, pelo trabalho, a remuneração equivalente a R$ 954,00 (um salário mínimo).
*nomes fictícios
(Com assessoria)