Em aldeias dos índios yanomami, oito em cada 10 crianças menores de cinco anos padecem de desnutrição crônica, o que pode comprometer, de modo irreversível, o desenvolvimento mental, motor e cognitivo ou mesmo levá-las a morte.
Sabe-se, ainda, que 67,8% delas estão anêmicas.
As conclusões constam de um estudo encomendado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e elaborado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Ministério da Saúde, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Socioambiental (ISA).
Os pesquisadores coletaram os dados entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, no Polo Base de Auaris, em Roraima, e no Polo Base de Maturacá, no Amazonas.
A equipe constatou que 81,2% das crianças menores de cinco anos de idade têm baixa estatura para a idade (desnutrição crônica) e que 48,5% apresentam baixo peso, se comparadas a outras da mesma faixa etária (desnutrição aguda).
A Organização das Nações Unidas (ONU) informa que a taxa de desnutrição crônica entre menores de 5 anos, em 2006, era de 7%. Já o índice entre crianças indígenas menores de cinco anos era de 28,6%, em 2018, segundo o Ministério da Saúde.
Alimentos ultraprocessados e obesidade
Outro aspecto relevante que os autores do estudo destacam é o fato de que os índices de desnutrição são ainda mais elevados no período do desmame das crianças que compuseram a amostragem.
De acordo com os pesquisadores da Fiocruz, fatores como o contato com alimentos ultraprocessados podem estar contribuindo para a condição nutricional das crianças yanomami.
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Esses alimentos são caracterizados por um baixo valor nutricional e um alto nível de gordura, sódio e açúcares. Estão associados, frequentemente, ao sobrepeso de crianças, que, no caso das yanomami, atinge uma prevalência de 2%.
Ao todo, um quinto delas já se encontrava em risco de sobrepeso associado a algum tipo de desnutrição, como deficiências em vitaminas e nutrientes essenciais.
Números já conhecidos
Segundo o médico Jaime Henrique Valencia, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, os números são conhecidos “há muito tempo” pelo governo federal.
O cerne da questão, afirmou, está em garantir que as políticas já implementadas tenham sequência e não sejam concebidas “do zero”.
“A pesquisa só vai mostrar e reforçar que a desnutrição existe nesses povos e, então, vai lembrar aos gestores, que sempre estão mudando, que esse problema continua e vai continuar, caso não se dê continuidade às ações que já vêm sendo feitas”, argumentou.
Valencia pondera, ainda, que a desnutrição generalizada pode até mesmo reduzir a atuação sociopolítica desses povos no futuro, uma vez que as crianças indígenas agora suscetíveis a essa condição de saúde são aquelas que representarão seus pares e podem acabar tendo suas faculdades cognitivas comprometidas.
“Provavelmente, não terão lideranças fortes para lutas por seus direitos”, observou.
Presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), José Mario Pereira Yanomami afirmou entender que há a necessidade de se recuperar os hábitos alimentares dos seus antepassados.
Ele relata que a demarcação de terras indígenas tem dificultado o cultivo de alimentos que os povos deveriam reinserir no cardápio.
“Na comunidade, eu conheço várias famílias que não têm condições [de plantar]. Uma roça não sustenta 15 famílias. Isso é muito pouco. A família tem que ter um roçado grande, plantação de mandioca, o que nossos avós plantavam”, diz ele, que vive na região de Maturacá, no Amazonas.