Caro leitor, tenho visto palestrantes, debatedores e professores abrindo uma palestra, debate ou começando uma aula com a saudação “boa noite a todas e a todos, alguns acrescentam “a todes”. O intuito seria chamar atenção para um suposto caráter sexista do idioma português?

Acredito na existência de inocentes submetidos ao condicionamento do politicamente correto no melhor estilo Pavlov, onde até a língua portuguesa já foi instrumentalizada.

Existe um movimento artificial, portanto, revolucionário neomarxista na intenção de tornar a língua portuguesa “neutra” ou “neutre”. E tal intenção, que é impossível, já ganhou ares de paranoia com o patrulhamento e rotulagem em desfavor de quem argumenta contra esse modismo fantasioso. É irracional querer forçar mudança estrutural numa língua que não tem uma estrutura capaz de suportar tal mudança, conforme veremos na sequência do texto.

As línguas levam vários séculos suprimindo o uso corrente de certas palavras e incorporando outras à medida que os costumes, a ciência e a tecnologia avançam no tempo. É por esta razão que uma pessoa lúcida que contasse hoje cem anos de idade não deixaria de compreender uma criança ou ser compreendida por ela, pois as mudanças nas línguas acontecem naturalmente e de forma muito lenta, obviamente sem alterações na sua estrutura. Por exemplo, quem leu a carta de Pero Vaz Caminha, escrita em 1500, conseguiu compreendê-la, ainda que a mesma contenha termos grafados de forma diferente dos dias de hoje. Mas por que conseguimos ler e até compreendermos um documento escrito há mais de quinhentos anos? Porque toda língua tem uma estrutura impossível de ser alterada.

Quando dizemos que uma língua não existe mais, significa dizer que não há mais falantes desta língua. Em outros termos, a língua existe, mas não é falada por nenhum povo, salvo por raros pesquisadores. Por exemplo, o latim, que não é mais falado pelos populares, continua existindo agora como língua morta, mas deu origem a várias línguas, tais como a portuguesa, a italiana, a francesa etc. que adotam novas formas de escrever e falar por terem sido a influenciadas por várias outras línguas. Foi uma transição muito lenta e assimilada por decorrência da mistura de povos. Entretanto, o latim conserva sua estrutura e foi adotada (desde o século XVIII) como língua universal para nomear cientificamente plantas, animais, bactérias etc.

Pretendo na sequência do texto tentar convencer o leitor do quanto é infantil a proposta de alterar a estrutura da língua portuguesa sob a alegação de que a mesma é machista. Pretendo também demonstrar que é infinitamente mais fácil e mais inclusivo ensinar corretamente as regras gramaticais do que fazer contorcionismo linguístico para ludibriar quem ainda não domina minimamente o idioma português, acusando-o de sexista.
Quando alguém dá “boa noite” diante de uma plateia precisa complementar com a expressão “a todas, a todos e a todes”? Existe “boa noite” que não seja direcionado a todas e a todos? Será que em sã consciência alguém acha que dizer apenas “boa noite” queira o emissor se dirigir só aos homens?

Convido o leitor para refletir sobre um cenário que pretende projetar mudanças autoritárias no âmbito da língua portuguesa.

Considerando o cenário que se desenrola, seriam os complementos “a todas, a todos e a todes” uma sutil forma desagregadora de invocar que o “boa noite” também é para as mulheres e demais pessoas que não se identificam como homem ou mulher? Como se um simples “boa noite” fosse historicamente direcionado tão somente aos homens. Infelizmente pessoas de boa-fé se entregam ao politicamente correto, talvez com medo das rotulagens. Estamos diante de uma ideologia cujos seguidores não se contentam em apenas defender seus pontos de vista, mas querem empurrar goela abaixo suas visões de mundo e quem questiona são xingados com os pejorativos de sempre: retrógados, sexistas, fascistas e por aí vai.

O “X” da questão e os ecos na língua portuguesa

O “X” ganhou status de incógnita fora da matemática, juntando-se aos ecos na língua portuguesa. Tenho percebido que há também um movimento revolucionário do “X” e do caractere “@” (arroba) para conferir às palavras um gênero indefinido. Em outros termos, trata-se de um movimento não binário para lidar com o masculino e o feminino na língua portuguesa. No lugar das vogais “o” e “a” coloca-se a incógnita “X” ou o símbolo “@” (arroba). Tais vogais são “acusadas” de identificarem os gêneros masculino e feminino, respectivamente.
Quando se propõe colocar “X” no lugar do “a” e do “o” a fim de se construir palavras neutras temos uma situação de palavras impronunciáveis. Como é que se lê “todxs xs meninxs são bonitxs”?

Para fugir do problema das palavras não pronunciáveis, a outra solução que se propõe para acabar com o suposto sexismo da língua portuguesa é evitar os pronomes flexionados. Por exemplo: não se diria mais “boa noite a todos”, mas “boa noite a todas as pessoas”. Ou então simplesmente se repete os dois gêneros em todas as frases dizendo “boa noite a todas e a todos” e para quem não se sentir confortável, pode acrescentar “todes”. Imagine, caro leitor, se para cada palavra do gênero masculino acrescentássemos a correspondente forma feminina. Nossa fala ficaria repleta de ecos. Por exemplo, veja a frase seguinte:

Os vinte amigos portadores de deficiências físicas serão reunidos para receberem dos professores os diplomas de graduação, os quais serão fotografados e homenageados.

Mas se você é uma inocente preocupada ou um inocente preocupado com a ditadura do politicamente correto a sua frase ficaria assim:

As portadoras e os portadores de deficiências físicas, no total de vinte amigas e amigos, serão reunidas e reunidos para receberem das professoras e dos professores os diplomas de graduação, as quais e os quais serão fotografadas e fotografados e homenageadas e homenageados.
Imagine um livro inteiro escrito desta forma! Será que as pessoas estão ficando paranoicas?

Também como forma de fugir das palavras não pronunciáveis propõe-se o uso da vogal “e” no lugar das vogais “o” e “a” quando as mesmas finalizam as palavras identificando o gênero. Por exemplo, as palavras “querido” e “querida” seriam substituídas por “queride”; “amigo” e “amiga” por “amigue”. Sempre que o gênero da palavra também identifica o sexo coloca-se a vogal “e” para neutralizar.
E o que fazer com a vogal “e” na palavra “professores” que tem como gênero oposto “professoras”? O que fazer também com a palavra “presidente?” Ah! neste caso a vogal “e” nesta palavra não serve à causa, coloca-se a vogal “a”.

Certamente trata-se de uma guerra de sexo e não uma guerra de gênero. Se não for isto, o que se poderia fazer para neutralizar o gênero de “parede, alface, árvore e artrite que são palavras do gênero feminino terminadas na vogal “e”? Da mesma forma, convoco os “especialistas” para neutralizar o gênero de “abacate, azeite e asteroide”, palavras do gênero masculino também finalizadas com a vogal “e”.

Vogais temáticas são diferentes das desinências indicadoras de gênero. Nas palavras “menina” e “menino” as vogais “a” e “o” identificam o gênero masculino/feminino que nos traz também o significado sexual. Mas muitos substantivos não sofrem flexão de gênero, como se pode observar na palavra “igreja” que não tem a flexão “igrejo”, bem como em “tijolo” que não possui a flexão “tijola”. Neste caso as vogais temáticas “a” e “o” nada têm a ver com a ideia de gênero sexual.

Para piorar a loucura linguística, o que fazer com as palavras terminadas na vogal “e” que representam formas verbais, por exemplo, “pegue, agarre e compre”? A única flexão possível nos verbos acontece na sua forma passiva, ou seja, no particípio passado. Por exemplo, “O livro foi comprado” e “A mesa foi comprada”. O particípio passado sempre concordará com o gênero do sujeito da frase.

E o que dizer dos advérbios que nem têm flexão? Por exemplo, “longe, defronte e aonde”. Exemplo: “A menina mora longe e defronte de uma padaria”. O menino mora “longe e defronte de uma lanchonete”. Os advérbios “longe e defronte” permanecem invariáveis. Onde vamos chegar com tanta loucura?

É surreal acusar a língua portuguesa de ser um idioma sexista e culpá-lo por ser um elemento perpetuador do preconceito contra a mulher. É inacreditável que existam tantos inocentes de nível superior que reproduzem os ecos cavernosos produzidos por manipuladores da linguagem.

Não há como neutralizar o gênero de tudo, pois a estrutura da língua exige flexão em gênero, número e grau na maioria das palavras.

Os significados das palavras em diferentes contextos

Os conceitos pejorativos são criados para designarem determinados comportamentos de homens, mulheres ou de um conjunto de pessoas. Por exemplo: a palavra “galinha” tem significado original que dispensa comentários. Mas em outros contextos, conforme a região, quando falamos “aquele rapaz é um galinha” expressamos referência a um homem mulherengo cujo significado soa como pejorativo. Mas o impacto deste pejorativo pode ser menor do que quando dizemos que uma determinada mulher é “uma galinha”. Expressões pejorativas são atribuídas a pessoas ou grupos independentemente de haver correlação entre o significado e a conduta quando se tem por objetivo apenas depreciar a pessoa ou grupo.

Embora os tratamentos pejorativos possam prejudicar uma pessoa ou grupo, há que se ter em mente que nem todo xingamento pejorativo, mesmo que exaustivamente repetido, adere ao seu significado real. Por exemplo: quem é torcedor certamente já xingou o juiz e sua mãe. Alguém conhece ou conheceu a mãe do juiz para saber se realmente ela é aquilo do que é xingada? Nesta clássica situação o tratamento pejorativo não funciona. Faz parte do jogo.

É fato que os populares podem usar termos totalmente alheios aos seus significados originais. Estou falando de uma espontaneidade linguística que a sabedoria popular ao longo dos séculos cria expressões para sintetizar a comunicação e torná-la compreensível rapidamente. Por exemplo, quando digo que você comprou uma “galinha morta”, não significa dizer que você tenha comprado um animal bípede que tem asas mas não voa. A expressão “comprar uma galinha morta” tem por objetivo expressar que você fez uma excelente compra de um imóvel ou qualquer produto por um preço baixo.

Usos de palavras cujo significado original muda totalmente quando inseridas em determinados contextos não explicam o artificialismo sexista que se pretende atribuir à língua portuguesa.
Quem atribui natureza sexista a uma língua são as pessoas que ecoam construções ideológicas as quais são perpetradas com exclusiva intenção de turbinar mais uma espécie de “luta de classes” (homem X mulher) escondendo-se por trás de um suposto combate à discriminação de gênero. Não seria melhor e mais fácil ensinar corretamente as regras gramaticais? Ensinar o correto significa incluir. Mas há quem prefira ecoar um novo linguajar que só serve para aumentar a exclusão social. Talvez seja esta a intenção sei lá de quem.

O fato é que sem bandeiras identitárias associadas aos inimigos imaginários não há rivalidades. E as lutas só se justificam se houver ambiente hostil. Estimular ressentimentos e explorar de forma exaustiva e negativamente os defeitos de um determinado grupo social nada tem a ver com a construção de direitos, mas sim com um projeto de poder em busca de um novo totalitarismo. E o idioma torna-se um dos instrumentos deste intento.

Pares do tipo menino/menina representam minoria na língua portuguesa. O que é comum são os substantivos terminados em “o” e “a” que não têm correlação com a ideia de sexo, pois não designam pessoas. Por exemplo, “o copo” não tem como oposto “a copa”, são coisas inanimadas para usos totalmente diferentes. Sem querer ser repetitivo, o que dizer dos substantivos terminados na vogal “e”? Nos substantivos “poste” e “ponte”, masculino e feminino, respectivamente, não cabem qualquer associação entre a vogal “e” e um suposto gênero neutro ou marcador na língua. Não existem as formas “a poste” e nem “o ponte”.

O fato de a língua portuguesa ter palavras designadas pelo gênero masculino que determinam a ideia de sexo, não significa uma relação de poder do homem sobre a mulher. Atribuir influência da língua portuguesa na construção de preconceitos contra as mulheres significa desconsiderar as origens históricas da própria língua.
Uma língua se constrói ao longo de séculos e não numa reunião de homens num passado bem remoto inventando propositadamente palavras para darem conotações depreciativas às mulheres. Acreditar neste enredo fictício conduz a crença de que aqueles “conspiradores linguísticos” falharam ao atribuir ao gênero feminino a função de marcador. Afinal, marcar não significa poder? Marcar território (dominar espaço físico; animais e bandidos fazem isto). Marcar presença (se fazer presente num evento e participar ativamente) e por aí vai.

Os avanços significativos quanto às igualdades factíveis entre homens e mulheres não guardam qualquer relação com a necessidade de se alterar estruturas gramaticais como forma de contribuir para atenuar violência contra mulheres. Sem dúvida, é irracional atribuir à língua cotas de responsabilidades misóginas.

A tentativa de solução que inventaram para neutralizar uma suposta preponderância do gênero masculino na língua portuguesa, acusando-a de sexista, é surreal. Na verdade, acho que a intenção dos criadores desta solução tem a ver com a abertura de mais um canal para fomentar discussões sobre “Problemas de Gênero”. É preciso manter o assunto sempre em pauta para se cooptar novos inocentes que acusarão de sexistas quem for contra este surrealismo. Para os manipuladores a finalidade é criar uma nova linguagem e não faltarão inocentes para ecoarem um novo modo de falar.

Gênero não é sexo

Ainda nesta toada é tão direcionada a proposta de neutralidade da língua que passo a explorar agora situações onde o gênero da palavra nada tem a ver com o sexo.

Veja as palavras que não terminam nas vogais “a” ou “o”. Por exemplo, “parede”, “luz”, “celular”, “baú” e por aí vai. Duas femininas e duas masculinas. Onde se colocaria o X para neutralizar o gênero? Ou será que a solução contra o suposto caráter sexista da língua portuguesa refere-se apenas às palavras que identificam o sexo da pessoa?

O que dizer das seguintes palavras: sistema, poema, teorema, fonema, axioma e sintoma? São todas do gênero masculino, mas terminam com a vogal “a”. Não se diz “a poema”, “a sistema” ou “a teorema”, e assim por diante, justamente porque não existe gênero feminino para tais palavras. Neste caso, há milhares de palavras que não têm flexão para designar um caráter um termo oposto.

Mas, as palavras “feminino” e “masculino” são flexionadas. Por exemplo: “qual será a ‘moda masculina’ para o próximo verão?” Notem que utilizei a palavra “masculina” para concordar com a palavra “moda”.

Quando dizemos que os sapatos femininos fazem mais sucesso do que os masculinos, alguém duvida que a palavra “sapato” seja masculina? O termo “femininos” (flexionado no masculino) foi utilizado aqui para concordar com “sapatos”. Não existe a palavra “sapata” para designar o oposto de “sapato”. A palavra “sapata” significa a parte mais larga de um alicerce que serve para sustentar um prédio.

Parece complicado, mas não é. Complicado mesmo é falar “todxs xs meninxs são bonitxs”. É muito “X” fazendo chiado. Chiado ou xiado? Ch ou X? Será que a próxima “luta de classes” será entre o “ch” e o “x”?

O problema dos defensores de uma tal língua neutra é com o gênero das palavras em si designadas pelas vogais temáticas “a” e “o” ou é somente quando o gênero da palavra se refere aos seres humanos? Por exemplo: “todxs xs meninxs são bonitxs” vale colocar o “x” ou “e”; e não valeria na expressão “todos os lagartos são feios”? Se o “x” ou “e” não vale para animais ou coisas, então minha tese está correta: o suposto sexismo do idioma português é apenas mais um instrumento para confrontar homem versus mulher, ou melhor, para confrontar quem discordar deste linguajar surreal.

No intuito de eliminar suposto sexismo da língua o símbolo “@” também tem sido utilizado até mesmo em palavras cujo gênero já é naturalmente determinado pela concordância, como por exemplo, na expressão “pessoas roubad@s”. Neste caso o gênero “roubad@s” é determinado pela concordância com a palavra “pessoa” como ocorre em “indivíduos roubados”. Embora os falantes nem sempre consigam realizar a concordância é fato que nenhum deles diria “pessoas agredidos”.

Os defensores de um tal sexismo linguístico e, em particular, desse movimento do “X”, alegam que a distinção de gênero na língua portuguesa tem o caráter de reproduzir preconceitos de gênero ao desqualificar um dos pares. Mas, as palavras “todos” e “eles” são apregoadas como referências apenas aos homens? Até você deve estar pensando: realmente isto é verdade. E aí você passa a enxergar a necessidade de se colocar “X” ou “e” no lugar das consoantes “a” e “o” como forma de demonstrar neutralidade, ou simplesmente você passa a produzir ecos na fala como se estivesse dentro de uma caverna. Lembras do “bom dia a todas e a todos e a todes?”

Não te disseram, porém, que são pouquíssimas as palavras que estão atreladas somente à determinação do sexo de uma pessoa. Coisas não têm sexo! Desculpe a insistência, mas as palavras que representam as coisas se enquadram, necessariamente, numa ou noutra classificação de gênero.
Quem marca é o gênero feminino. O gênero masculino é neutro
No nosso idioma há o que os linguistas chamam de marcação. Em regra, o plural é marcado pelo “S”, ao passo que o singular se identifica pela ausência do “S”. Já a marca do feminino é o “A” colocado no final da palavra sempre que for possível fazer sua correlação com o sexo oposto. Por exemplo: sabemos que “aluna, mestra e professora” se referem ao sexo feminino, pois nestas palavras ocorre a marcação, e a marcação significa exclusão. Ao contrário, sabemos que “aluno, mestre e professor” são termos masculinos porque essas palavras não são marcadas. Por exemplo: “os professores precisam de mais qualificação”. Significa que TODOS os professores (homens, mulheres, homossexuais etc.) precisam de mais qualificação. Mas se dissermos que “todas as professoras precisam se qualificar”, significa que estão excluídos os homens ou qualquer pessoa que não se identifica nem como homem ou mulher.

Quando queremos ser genéricos, ou seja, sem identificação de número e sem marcação de gênero, podemos dizer: “O Brasileiro trabalha mais do que o Alemão” (entenda-se: “todos”, independente do sexo e da quantidade). E é justamente dessa forma que o dicionário registra os substantivos. Você achará somente a palavra “brasileiro” no dicionário. Não encontrará as palavras “brasileira”, “brasileiros” e nem “brasileiras”. Todos nós aprendemos na alfabetização como marcar a palavra pelo número e gênero.
Ironicamente, para quem acredita na teoria do sexismo do idioma, o gênero que exclui é o feminino: se dissermos que o aumento dos proventos será estendido aos aposentados, você acha que alguma mulher se sentirá excluída? Mas se o aumento for prometido às aposentadas, significa dizer que os homens estão de fora. Eles precisarão de um movimento revolucionário masculino para chamar atenção.

Imagine a seguinte notícia de jornal: “Maria do Carmo foi o quinto juiz suspenso este mês”. Você diria que o jornal foi preconceituoso? Se Maria do Carmo é mulher, o jornal não poderia usar a palavra “juíza”? Se o jornal usou o termo “juiz” significa que as suspensões anteriores podem ter sido de homens e mulheres. O uso do termo “juiz” engloba homens e mulheres. Se o jornal tivesse usado “juíza” todos saberíamos que só mulheres foram suspensas. Isto é marcação. É a estrutura da língua. “Juiz” é o nome do cargo que tanto pode ser ocupado por homens ou mulheres. Coisas não têm sexo, têm gênero, que nada tem a ver com designação de sexo.

O fato é que o gênero masculino coincide com o gênero não marcado na língua portuguesa. Quando dizemos “todos chegaram” referimo-nos às pessoas, não reservamos a palavra “todos” somente para homens, mas para qualquer grupo constituído por homens, mulheres e homossexuais ou qualquer outro enquadramento que cada qual se enxergue. Mas quando dizemos “todos os livros” ou “todas as canetas”, obviamente que não estamos nos referindo ao gênero com a conotação de sexo, mas classificando as palavras “livros” e “canetas” como masculina e feminina, respectivamente. Estamos apenas flexionando os substantivos. Só para lembrar, os substantivos são flexionados em gênero, número e grau. Gênero, refere-se ao masculino e feminino; número, ao plural e singular; e grau, ao diminutivo e aumentativo.

O gênero da palavra “todos” não é somente gênero masculino é também um gênero neutro. Todas as palavras masculinas são do gênero neutro. Elas se prestam para qualquer ocasião, exceto quando houver somente a presença feminina. Então, quando dizemos “elas chegaram”, entendemos que somente mulheres chegaram ou quem se identifica como tal. Desta frase estão excluídos os homens e qualquer coisa que denote o gênero masculino. Mas quando dizemos “eles chegaram”, entendemos que podem ter chegado homens, mulheres e homossexuais e até os cachorros e as cachorras, os gatos e as gatas que, porventura, estiverem acompanhando o grupo de humanos. Notem que o gênero masculino na língua portuguesa não discrimina nem os animais. O que faz a marcação, repito, é o gênero feminino. Onde ele estiver não existirão homens, bodes, leões, gatos etc. Mas quem discrimina mesmo são os histéricos.

Ainda argumentando, se dissermos que “todos nascem com igualdade de direitos”, estamos incluindo homens, mulheres e qualquer pessoa que não se identifica como heterossexual. Entretanto, não se incluiriam os homens se a frase fosse “todas nascem com igualdade de direitos”.
Qualquer estudioso mediano de gramática sabe que gênero é uma categoria inseparável do substantivo. Ou seja, todos os substantivos da língua portuguesa têm gênero. Assim, o gênero é uma categoria essencialmente linguística e não há uma correlação absoluta com a ideia de sexo. Ou seja, na maioria dos casos não há correspondência entre gênero e sexo.
Consideremos os substantivos: menino, menina, criança, pessoa. “Menino” e “menina” são referências aos seres humanos do sexo masculino e feminino, respectivamente. Neste caso a flexão do gênero coincide com o sexo. Já “criança” e “pessoa” são substantivos do gênero feminino que designam seres humanos tanto do sexo masculino quanto do feminino.

Na seara dos animais, “jacaré” e “tubarão”, por exemplo, são substantivos que possuem apenas um gênero gramatical que determinará animais de ambos os sexos. É a inserção dos termos “fêmea” ou “macho” (formas mais usuais) que determinarão o sexo do animal. Substantivos do tipo “jacaré” e “águia” são denominados substantivos epicenos, pois só servem para identificar nomes de animais com apenas um gênero gramatical.

Há também uma série de substantivos na língua portuguesa que mudam de significado quando mudam de gênero sem mudar a grafia. Por exemplo: “a capital” (cidade) e “o capital” (dinheiro); “a moral” (conjunto de valores) e “o moral” (ânimo); “a caixa” (recipiente) e “o caixa” (pessoa encarregada de guardar o dinheiro); “a cabeça” (parte do corpo) e “o cabeça” (líder); “a grama” (capim) e “o grama” (unidade de medida); o rádio (objeto tecnológico que recebe uma programação de músicas e notícias) e a rádio (infraestrutura onde se produz e transmite uma programação, emissora de rádio). Note que é o artigo “o” ou “a” que determina o gênero da palavra conforme o contexto.

Ainda nesta linha de raciocínio, os artigos definidos “o” e “a” também servem para designar os gêneros sexuais masculino e feminino em “o agente, a agente”; “o artista, a artista”, “o docente, a docente”; “o estudante, a estudante”; “o dentista, a dentista”; “o presidente, a presidente” e assim sucessivamente. No mesmo sentido empregam-se os artigos indefinidos “um” e “uma”.

Por falar em “presidente”, lembrei da “presidenta”. Se a vogal “e” tem sido invocada como uma forma de neutralizar o gênero, por que a necessidade do termo “presidenta”? Nesta toada, o que impede de se inventar a palavra “docenta” em oposição ao termo “docente”? Considerando que, onde for possível inventar um confronto, por mais absurdo que seja, não ficaria surpreso se surgissem “especialistas” defendendo a neutralização do que já estaria neutralizado.

Portanto, imaginei que a palavra “presidente” não seria alvo de discórdia, já que se propõe a vogal “e” no final da palavra para neutralizar o gênero.
Por fim, há inúmeras situações que a designação do gênero sexual de um ser vivo é feita por palavras completamente diferentes umas das outras. Por exemplo: bode e cabra; cavalo e égua; homem e mulher; genro e nora; cavalheiro e dama; pai e mãe, zangão e abelha, cavaleiro e amazona, e assim por diante.

E para complicar ainda mais o juízo de vocês, há substantivos que têm gênero oposto ao sexo que eles designam. Por exemplo: o substantivo “mulher” é do gênero feminino, mas “mulherão” é do gênero masculino. E alguém duvida de que “um mulherão” não seja uma bela mulher?

Conclusão

É loucura querer incutir na cabeça dos estudantes, de forma sorrateira e até maliciosa, uma associação absoluta do termo “gênero” como se fosse sinônimo de “sexo”. A real pretensão tem como foco difundir mais um enredo depreciativo à heterossexualidade. Será que o combate à discriminação sexual precisa de um elemento depreciativo à língua portuguesa na intenção subterrânea de fomentar rivalidades homem versus mulher? Ou será que estamos assistindo o início da deturpação da Língua Portuguesa na intenção de alterar significados? Acho que George Orwell foi visionário em sua obra “1984”.

Gênero é meramente uma categoria formal, classificatória, que serve para determinar essencialmente a concordância. Eventualmente, há palavras cujo gênero gramatical coincide com o sexo quando se troca a vogal “o” pela vogal “a” como ocorre em “menino/menina”.
As coincidências do gênero gramatical das palavras com o sexo se restringem a menos de dez por cento das palavras. A maioria esmagadora das palavras da língua portuguesa não dão significado sexual ao que se referem. A ideia sexual transmitida pelo vocábulo ocorre quando as palavras estiverem relacionadas ao homem ou à mulher e a determinados animais.

Não faria sentido deletar da língua portuguesa a palavra “homem” e usar as expressões “mulher macho” e “mulher fêmea” ou mesmo suprimir a palavra “mulher” e usar os termos “homem macho” e “homem fêmea” como forma de determinação sexual. Isto se faz, por exemplo, com “águia macho” e “águia fêmea”, não porque foi suprimida a palavra “águio” (como se fosse masculino de “águia”), mas porque é a estrutura da língua desde sempre.

Mesmo as pessoas que não se definem nem como homem e nem como mulher, acabam adotando um ou outro gênero quando escolhem um nome social. Há quem deseja ser identificada como mulher e outros como homem. Sempre se adota um estereótipo sexual: masculino ou feminino ou o mais próximo possível de um ou de outro. Ou, simplesmente, nas relações homossexuais ambos se identificam como “eles” ou “elas” e vida que segue, sem as tais complicações da neutralidade que causam mais depressão do que saúde. Todos queremos nos definir como alguma coisa. Ninguém quer ficar no limbo. Não devemos embarcar em mais uma “luta de classes”: heterossexuais versus homossexuais e homem versus mulher.

Sabemos que os ativistas já criaram inúmeras definições numa tentativa desesperada de desvincular a todo custo tudo aquilo que soa como binário. Mas acho que as explicações anteriores elucidam a questão sem apelar para surrealismos quando se luta por direitos. Demonizar as vogais “o” e “a” por serem responsáveis explícitas pelo gênero masculino e feminino e, por conseguinte, atribuir caráter sexista à língua, vejo isto mais como dissonância cognitiva do que preocupação com os direitos das mulheres.

Qualificar a língua como sexista é uma loucura ideológica que pretende construir luta de classes até entre as palavras: “menino versus menina”, retirando-lhes as vogais “o” e “a” e substituindo-as por “x” ou pela vogal “e”. Qual é o problema de nos referirmos ao substantivo “menino” como alguém do sexo masculino e “menina” do sexo feminino?

Sugestões de mudanças artificiais para a língua portuguesa desse tipo se prestam a tumultuar os significados reais das palavras. Parece-me que a todo momento se constrói novos “Muros de Berlim” para renovar e inventar rivalidades dentro de uma sociedade. A primeira tentativa de eternizar a luta de classes entre proletários e burgueses foi um fracasso total. Mas na seara cultural os estragos foram feitos e já ecoam até na língua portuguesa com o “boa noite a todas e a todos”, e também a “todes”.

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