A palavra mais procurada no Google pelos brasileiros em 2018 foi fascismo e a palavra do ano no inglês, o latim do mundo, foi tóxico.

O que nos revelam estas escolhas?

O jornalista Augusto Nunes diz que esta sua página na Veja on-line “tenta apressar a chegada do futuro” pelo qual o Brasil espera “deitado em berço esplêndido”, expressão vinda do Hino Nacional, cuja letra definitiva é um poema de Joaquim Osório Duque Estrada.

O hino é bonito e o autor dos versos era filho de um tenente-coronel e afilhado do general Osório. A música, porém, foi escolha de um marechal monarquista que se tornou quase sem querer o presidente da República que ele a contragosto proclamara,  derrubando o amigo Pedro II, homenageado no nome do colégio onde o autor do hino estudara e do qual era professor.

Não apenas Monarquia e República se misturavam como esta última parece ter sido por décadas uma concessão dos militares.

No Brasil não estranhamos essas coisas, que, aliás, se repetiram em 1985, quando José Sarney, do principal partido político usado pelos militares, tornou-se o primeiro presidente da Nova República, que os derrubara.

A Nova República era a República Velha, mas reformada para seguir a recomendação do escritor italiano G. Lampedusa em “O Leopardo”: “É preciso que tudo mude para que tudo permaneça como está”. E assim o futuro, também chamado  de porvir nos hinos, demora mais a chegar.

A outra parte da missão do blog de Augusto Nunes  é “lembrar ao sem-memória o que não pode ser esquecido”.

Estas referências acompanham todos os brasileiros desde os verdes anos, mas, sejamos sinceros, havia mais brasileiros deitados em berço esplêndido sem trabalhar por futuro algum do que brasileiros lembrados de quem assumiu no verão passado, depois de ter recebido na primavera anterior esses votos dos esquecidos.

Se os leitores têm alguma dúvida, passeiem pelo Rio de Janeiro em lugares onde multidões de brasileiros estão deitados em berço esplêndido. Pode ser o mais útil dos dias, mas as praias estarão lotadas, pois aquelas areias ainda não foram incluídas nas zonas da guerra civil que mata um militar por dia e alguns bandidos de vez em quando.

Diga-se “havia” porque cresceram em terreno hostil outras plantinhas. Uma delas é que os brasileiros passaram a interessar-se por política bem antes das eleições e depois também e querem saber o que é fascismo. Afinal, governantes fascistas adoram vestir uniforme militar, mesmo quando de militar só têm a roupa, as botas e os quepes, às vezes maiores do que heliportos sem que se saiba por quê, embora o pai do fascismo, o italiano Benito Mussolini preferisse um tipo de boné sem aba alguma.

Esta busca pelo que seja fascismo representa  grande avanço na memória brasileira. A etimologia pode contribuir para avivar o fogo destas lembranças. Vindas do Italiano, as palavras fascismo e fascista entraram para a língua portuguesa na década de 1920 e com um sentido positivo.

Fascismo teve seu primeiro registro escrito apenas em 1921, no número 159 da revista Cigarrra. Fascista entrou um ano mais tarde, o mesmo da irrupção do Modernismo, com a Semana de 1922, no número 758 da revista Careta.

No Italiano, estas palavras foram formadas a partir dos étimos do Latim medieval “fascium”, feixe. O feixe em questão designava na Antiga Roma um feixe de varas, símbolo acompanhado de uma machadinha, que ornamentava as vestes de autoridades ligadas aos magistrados.

Este símbolo fascista ainda persiste em muitos contextos e está presente nos uniformes da polícia da Noruega e da Suécia.

Todavia, na política e na ideologia recebeu excomunhões ainda mais emblemáticas, embora as forças que se dizem democráticas recorram com frequência a práticas fascistas, declarando entretanto abominá-las, seguindo o conselho de Lênin, um dos pais do comunismo: “Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é”.

Mas e tóxico? Tóxico formou-se das palavras gregas, “toxon”, arco, e “pharmakon”, veneno. Destas duas palavras surgiu a expressão “toxikon pharmakon”, veneno para as flechas, que os romanos, sempre muito práticos e simples, reduziram para “toxicum”, cujo étimo espalhou-se por numerosas línguas, já não mais designando o arco, como em grego, mas apenas a substância nociva.

Porém, ao eleger tóxico a palavra do ano, o prestigioso Dicionário Oxford acrescentou-lhe outros sentidos: o tóxico da masculinidade no patriarcado; o tóxico da “fake news” ou pós-verdade, que foi a palavra do ano passado, aliás;  e até o tóxico de diversas instituições que intoxicam, às vezes ocultamente, milhões de pessoas.

O remédio para desintoxicar os adeptos do fascismo, às vezes inconscientes,  incluem o norte que Augusto Nunes explicita como bordões nesta página.

Com efeito, é preciso levantar do berço esplêndido, abandonar comportamentos infantis e lutar contra as forças fascistas, ainda mais nesses tempos em que elas encontraram tantos esconderijos entre as palavras, pois o futuro já começou, embora com cara de passado, uma vez que o novo presidente da República, seu vice e diversos ministros de áreas estratégicas são militares.

Não é apenas a palavra “fascismo” que perturba os brasileiros. Muitos morreram para ajudar a Itália a se livrar de fascistas e de comportamentos fascistas no que eles têm de pior: usar a mão armada e o terrorismo para a solução dos conflitos, impondo supistas supremacias raciais.

Recuperemos a palavra como principal recurso na busca dos conflitos, pois conflitos sempre teremos conosco.

E celebremos a boa notícia de que estamos lendo e pesquisando.

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