Colunas & Blogs

O ranzinza e a Páscoa

Tentar amputar as dimensões filosófica e harmonizadora dos ensinamentos religiosos é renegar a própria gênese humana enquanto sociedade organizada

3 minutos de leitura
O ranzinza e a Páscoa
(Photo by Simon Matzinger on Unsplash)

No ultimo domingo, dia 12 de abril, o mundo todo celebrou a Páscoa. Algum ranzinza vai dizer: “Não foi o mundo, foram apenas os cristãos, e olhe lá”. Coitado: mais um que fecha os olhos para o óbvio que o cerca.

Houvesse algum cidadão maduro próximo ao desavisado, diria a ele assim de pronto: “A Páscoa já pertence à cultura mundial, meu amigo, principalmente aqui no Ocidente. Aliás, não só ela, mas vários elementos da cultura cristã.

Veja os outros feriados nacionais, por exemplo – sem contar os estaduais e municipais – nascidos de comemorações cristãs. Será que somente os cristãos ficam liberados do trabalho nesses dias?”.

Nosso ranzinza, que, por sua vez, não é tão ingênuo, devolveria: “Isso é resquício do atraso medieval que perdura até hoje nesse país. Religião tem seu lugar, e ele fica bem longe dos assuntos estatais, como feriados”. “Mas por quê?”. “Ora, porque religião depende de visão de mundo, opinião pessoal, superstição, filosofia de vida, entre outras coisas que não se baseiam na ciência. E hoje em dia não existe mais espaço pra isso”.

(Nessa hora, o cidadão maduro abriria aquele sorriso, pois adora oportunidades de ser útil a alguém).

“Bom, então as filosofias e visões de mundo não religiosas estão liberadas? Vamos fazer o seguinte: no dia 7 de setembro, você organiza uma passeata anti-feriadista (‘Feriados, não passarão!’), pois essa coisa de independência colonial foi só um resquício da filosofia franco-americana pós-revolucionária.

E no dia 15 de novembro a gente imprime uma bandeira do Império e desfila pela avenida enrolados nela. ‘Fora positivismo! Fora golpe!’”. Meio assustado, diria o ranzinza: “Mas eu não sou imperialista! Nem monarquista!”.

Completaria com paciência o bem-intencionado: “Até onde eu sei, nenhum cientista provou em laboratório as qualidades da autodeterminação dos povos e do exercício do poder pelo povo, através de seus representantes. Essas ideias nasceram de visões de mundo, juízos morais, filosofias de vida, que foram absorvidas e internalizadas livremente pelos autores da História: os seres humanos. Se você é uma pessoa coerente, por favor: comece seus protestos!”. Com isso, nosso ranzinza se recolhe: não quer brigar com aquele sujeito simpático e razoável.

Tentar amputar as dimensões filosófica e harmonizadora dos ensinamentos religiosos é renegar a própria gênese humana enquanto sociedade organizada; é naufragar numa rasa lagoa de pseudociência, identificável pela crença ingênua de que as conquistas materiais são a única carícia oferecida à face humana pelo intelecto com o qual o homo sapiens foi dotado.

Estando cientes dessa realidade, podemos respirar com calma o ar pascal, sabendo que nele – sorvido ou não por narizes estritamente religiosos – pairam umas moléculas de confiança na renovação, no reerguimento e, talvez mais que em todo o resto, na vitória após uma luta aparentemente impossível de ser ganha.

Esse sentimento pode e deve lambuzar as almas doloridas como o alívio de um bom remédio – inclusive aquelas que desconfiam de receitas caseiras tradicionais, por não serem fruto do trabalho científico de alguma gigantesca farmacêutica multinacional.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes