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O que pensa a Constituição sobre um indicado para o STF?

O “NOTÁVEL” SABER JURÍDICO NA CONSTITUIÇÃO

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O que pensa a Constituição sobre um indicado para o STF?
(Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF)

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, dispõe, no art. 101, que “[o] Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada” [grifo meu].

Na língua portuguesa, “notável” é toda pessoa renomada, destacada e famosa por suas obras ou feitos. Trata-se de quem, à evidência, produziu obras de relevância e cujo conteúdo a tornaram insigne. Sem a produção de obras não há, portanto, notabilidade possível, pois somente se nota os feitos de uma pessoa pelo que ela efetivamente produziu em termos técnico-jurídicos.

É por esse motivo que as nomeações para Tribunais Constitucionais europeus dão-se levando em conta as obras e feitos produzidos pelos contemplados, notadamente realizados em ambiente acadêmico e ao longo de vários anos. Por isso é que são todos professores de grandes universidades, com dezenas de livros publicados e conferências proferidas em várias partes do mundo.

Esse é o critério que, também no Brasil, foi empregado pela Constituição Federal de 1988. Como leciona o constitucionalista José Afonso da Silva, para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal “[n]ão bastam, porém, a graduação científica e a competência profissional presumida do diploma; se é notável o saber jurídico que se requer, por seu sentido excepcional, é porque o candidato deve ser portador de notoriedade, relevo, renome, fama, e sua competência ser digna de nota, notória, reconhecida pelo consenso geral da opinião jurídica do país e adequada à função” (Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 533).

Perceba-se que o doutrinador, corretamente, diz que o escolhido para o STF deve ter competência “reconhecida pelo consenso geral da opinião jurídica do país”. Como haveria, porém, “consenso geral” da opinião jurídica de um país sobre a notabilidade jurídica de determinada pessoa? Há várias maneiras para tanto, como, por exemplo, a pessoa ter suas obras referenciadas na jurisprudência dos tribunais nacionais, ser referencial teórico para obras da área jurídica própria ou afim da que produziu, ou ainda ser docente e escritor formador de gerações e gerações de juristas.

Costumo brincar com os alunos – não obstante todos saberem que isso não ocorre na prática – que a Constituição pretendeu que fosse nomeado para a mais alta corte juristas como Pontes de Miranda, Clóvis Beviláqua, Afonso Arinos de Melo Franco, Vicente Rao ou Miguel Reale. Todos eles têm obras reconhecidas nacional e internacionalmente e foram formadores de gerações e gerações de juristas brasileiros.

Hoje, no Brasil, há inúmeros juristas com notabilidade doutrinária e que são grandes professores e impulsionadores da cultura jurídica nacional. Revolva-se à lição de José Afonso da Silva: a notabilidade não se completa com a graduação científica e a competência profissional presumida do diploma. Requer-se mais: que o indicado à vaga seja, efetivamente, um grande jurista, com obras sólidas e de relevância publicadas e serviços efetivamente prestados à ciência jurídica nacional.

A prática da indicação de ministros por Presidentes da República tem sido livre, sem levar em conta todos esses atributos referidos; porém, a sabatina pelo Senado Federal não poderá ser apenas pro forma, como muitas vezes já ocorreu. Os senadores têm a obrigação de questionar e verificar, de fato, se o candidato apresentado tem notabilidade nacional na seara jurídica. E repita-se: a notabilidade se faz com obras. Títulos acadêmicos – como mestrado e doutorado – também não trazem notabilidade, senão apenas as publicações e as lições deixadas ao longo de anos e anos de trabalho.

Certa vez um aluno me questionou sobre determinado nome cotado para ser ministro do STF, ao que eu respondi: em todos os livros jurídicos que você leu, quantas vezes viu esse nome ser citado nessas obras, em uma nota de rodapé que seja? Em quantas decisões de Tribunais Superiores, de Tribunais Regionais ou de Tribunais de Justiça dos Estados você viu o nome do pretendente ser referenciado? Em quantas sentenças de primeiro grau, para descer ao extremo, viu o nome do pretendente servir de fundamentação teórica? Quantas conferências dessa pessoa você já assistiu, quantas aulas, quantas comunicações, quantas participações em seminários ao redor do País você já viu dela? A resposta do aluno: nenhuma! Nunca tinha nem mesmo ouvido falar no nome dessa pessoa antes! Bingo. Eis aí uma pessoa sem qualquer notabilidade jurídica! Não satisfaz, portanto, o requisito constitucional.

Tanto o poder executivo quanto o poder legislativo (Senado Federal) devem ter muita preocupação com as indicações para o Supremo Tribunal Federal, pois, afinal, o que está em jogo é o respeito a uma regra posta pela própria Constituição Federal, que há de ser cumprida e respeitada não somente pelo futuro julgador, senão pela vontade anterior e conjugada dos poderes constitucionalmente competentes para a escolha de quem será um dos onze Ministros do STF.

 

Valerio de Oliveira Mazzuoli – É advogado e membro-consultor da Comissão Especial de Direito Internacional do Conselho Federal da OAB. É Pós-Doutor (Universidade de Lisboa), Doutor (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Mestre em Direito (Universidade Estadual Paulista). É professor-associado da UFMT (graduação e mestrado) e da Universidade de Itaúna (mestrado e doutorado).

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