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O que acontece em Vegas, fica em Vegas

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O que acontece em Vegas, fica em Vegas
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Em 2003, uma agência de publicidade, a R&R Partenrs, junto com o Departamento de Turismo de Las Vegas, criou o slogan “What happens here, stays here” – O que acontece aqui, fica aqui –, para ser utilizado em campanhas direcionadas ao turismo na cidade. A ideia surgiu depois que o órgão decidiu mudar a imagem de Las Vegas para algo mais positivo, não somente um lugar de apostas e jogatina.

Para a R&R Partners, o segredo do laço entre Las Vegas e seus visitantes é simples: liberdade. “Liberdade em dois níveis. Liberdade para fazer coisas, ver coisas, comer coisas, usar coisas, sentir coisas. Em resumo, a liberdade de ser alguém que não poderíamos ser em casa. E a liberdade de querer fazer coisas e deixá-las para trás em nossas vidas”, foi o que revelou um estudo feito pela agência na época. Ou seja: O que acontece em Las Vegas, jamais seria revelado.

O slogan acima cai como uma luva nos tempos que vivemos no legislativo mato-grossense. A escolha do deputado Guilherme Maluf para a vaga do ex-deputado e ex-conselheiro do TCE, Humberto Bosaipo, por ser de indicação da Assembléia Legislativa, causou nos últimos dias, uma verdadeira corrida sem regras para levá-lo ao céu, em total desrespeito às regras vigentes.

O cargo, cujo preenchimento está previsto na Constituição Federal, prevê, entre outras coisas, que o candidato tenha notável saber jurídico e conduta ilibada.

Se se pode alegar que notável saber jurídico é algo de avaliação subjetiva, podendo o indicado, embora não tenha títulos na área jurídica, mas uma prática que por exercício de cargos anteriores o credenciariam para tal,  compensariam a falta dos títulos necessários; conduta ilibada (grifo meu), é uma conduta limpa, correta, íntegra, com honra. Uma pessoa com idoneidade moral, honesta, que age sempre de acordo com a moral e os bons costumes. E isso não é o que a vida pregressa do deputado Maluf tem a demonstrar.

Além de réu em processo de desvio de dinheiro, corrupção passiva e formação de quadrilha, Maluf é investigado em um outro processo que trata de superfaturamento em contratos de informática.

A indicação ao TCE foi feita em um grande acordo que envolveu além de deputados, o próprio governo do estado. Não fosse Maluf o indicado e sim Max Russi, atual primeiro secretário da AL, cargo que ordena as despesas do legislativo junto com a presidência, indicado pelo grupo dissidente ao governo, liderado pela deputada Janaína Riva, a primeira secretaria cairia no colo do deputado Valdir Barranco, do PT, o que jamais serviria aos interesses do Palácio Paiaguás.

Outros dois candidatos, os deputados Dilmar Dal Bosco e Sebastião Resende, foram “convencidos” a retirar suas candidaturas em nome de um bem maior. Resultado: a provável vitória de Max Russi, de repente transformou-se em derrota, e Guilherme Maluf, sob o olhar envergonhado de seus pares, ganhou a indicação por voto secreto no Colégio de Líderes por 11×10, e por 13×8, no plenário, com o mínimo de votos necessários para a indicação.

O Ministério Público reagiu e conseguiu decisão liminar concedida pelo juiz Bruno D’Oliveira Marques, da Vara de Ação Civil Pública e Popular de Cuiabá, impedindo o ato de nomeação. O que era para ser um simples processo de indicação que engrandecesse a ALMT, tornou-se uma guerra suja de bastidores.

Com recurso ao TJ, coube ao presidente daquela instituição decidir não decidir. O problema era da Assembléia e ela que o resolvesse. O Judiciário não iria imiscuir-se em decisão de outro Poder, por não haver flagrante desrespeito constitucional, segundo o Presidente de TJ. Conseguida a suspensão da liminar, em menos de 24 horas o governador Mauro Mendes assinou o decreto de nomeação, Guilherme Maluf renunciou ao mandato de deputado estadual e tomou posse como Conselheiro do TCE. Uma posse que durou apenas 17 minutos, tamanha era o constrangimento de todos. Não houve festa. Em protesto, pela flagrante ilegalidade, não compareceram alguns Conselheiros nem o Procurador de Contas do TCE. A estrada para o paraíso, pela primeira vez apresentava obstáculos quase intransponíveis.

O Ministério Público, além de criticar a decisão do Judiciário, já entrou com medida judicial para estancar toda essa bagunça. Se anulada a posse, Guilherme que já renunciou, não poderá retornar à Assembléia e o cargo de deputado estadual continuará com o “ungido”, Carlos Avalone, que após 4 tentativas, será titular do mandato.

O episódio, embora tenha tido seu começo na sexta de carnaval, não se encerrará na quarta-feira de cinzas. Muito ainda vem pela frente e o que está cada vez mais claro é que o mundo mudou e a Assembléia não se apercebeu disso. As redes sociais, principalmente, deram uma transparência nunca imaginada aos atos do poder público e os cidadãos, a cada dia demonstram sua contrariedade. Passou o tempo dos acordões. Passou o tempo de “O que acontece na Assembléia, fica na Assembléia”, valendo o mesmo para os demais Poderes.

O princípio jurídico “in dubio pro reo” alegado por Maluf, por ainda não ter sido condenado pelos seus malfeitos, jamais poderia ser utilizado. Ele só deve ser utilizado quando houver dúvidas quando da aplicação da sentença condenatória, se houver dúvidas robustas por ocasião da condenação.

Para aceitar a denúncia que contra ele foi apresentada pelos crimes acima elencados, vale o princípio “in dubio pro societate”. Significa que, em determinadas fases do processo penal – como no oferecimento da denúncia e na prolação da decisão de pronúncia –, inverte-se a lógica: a dúvida não favorece o réu, e sim a sociedade. Ressalte-se que a denúncia foi aceita por unanimidade do Pleno do Tribunal de Justiça, não restando, pelas provas apresentadas na denúncia, qualquer dúvida levantada por nenhum dos senhores desembargadores.

Vale por fim destacar que o fato de a Assembléia Legislativa ser responsável pela indicação da vaga, não significa que o indicado tenha de ser algum de seus membros, como aconteceu até agora. Poderia, sim, ter indicado alguém que cumprisse os requisitos constitucionais exigidos e dado um exemplo claro que essa nova legislatura entendeu que não há mais espaço para debochar dos seus cidadãos. Lamentável. Muito lamentável mesmo!

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*Ricarte de Freitas é advogado, analista político e ex-parlamentar estadual e federal

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