Cidades

O primeiro Dia das Mães da mulher que esperou oito anos pela maternidade

7 minutos de leitura
O primeiro Dia das Mães da mulher que esperou oito anos pela maternidade
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

“Um dia a cuidadora entregou a Helena para a gente ir com ela para o um parquinho que tinha no fundo do lar. ‘Vai ficar só vocês três’, ela disse. Levei chocalho, biscoitinho, água e fomos nós três para o parquinho. Não tem foto registrando esse momento, mas eu tenho na minha cabeça aquele parquinho colorido e o balanço de madeira que cabia nós três. Também sentamos e ela ficou no nosso meio.

Ficava um pouco com ele, depois comigo. Eu cantando para ela e ela só observando. Na hora do biscoito ela comia um pouquinho e colocava na boca do pai, comia mais um pouquinho e colocava na minha boca e assim ficou brincando. Aquilo ali foi muito especial. Depois fomos para uma área para que ela pudesse andar e correr. Eu falava ‘vem com a mamãe’. Ali eu já estava falando mamãe (risos) e ela vinha. ‘Vai com papai’ e ela ia”.

O relato da servidora pública e professora de música Patrícia Ribeiro relembra seu terceiro dia de maternidade, quando mãe e filha começaram a se entender. O episódio procedeu momentos receosos – e nem sempre românticos – comuns a mães de primeira viagem que se adaptam ao novo ser após a espera de tantos meses. No caso dela, foram oito anos.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Aos 40 anos, vítima de uma menopausa precoce, Patrícia não pôde gerar filhos, mas sempre desejou ser mãe. “Meu pai falava ‘sua mãe é uma rainha e você é uma princesa, quando você crescer vai se tornar uma rainha também’. Aquilo ali foi plantado dentro de mim e eu cresci com esse desejo de um dia ser uma rainha”.

Após dois anos casada com Jonas, decidiu encarar a fila de adoção. “Em um momento da nossa vida a gente se questiona ‘e aí o meu projeto de vida, como eu posso agir?”, pensou. Já tendo entrado com o processo, ainda ouviu uma segunda opinião médica e foi apresentada à possibilidade de inseminação com óvulo doador. “Eu tenho o útero, o meu problema é que eu não ovulo”, explicou.

A decisão veio depois do que considerou um sinal de fé, conversando com Deus e com o marido. “Eu questionava: ‘porque eu tenho esse desejo e aconteceu isso?’. Eu nasci perfeita, mas, entre minha adolescência e a idade adulta, aconteceu alguma coisa que fez com que eu perdesse todos os folículos dos meus ovários. Quando foi no outro dia, não foram nem dois, a assistente social ligou perguntando se a gente podia ir lá”.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Mas a fila ainda duraria mais seis anos e quando chegou a sua vez, ela conta que conhecer a filha foi difícil como um parto e a adaptação como um pós-parto. “Muita gente veio me perguntar se eu senti emoção, mas eu não senti. Eu senti muita compaixão em saber que um serzinho tão pequenininho está ali e não tem uma mãezinha, um paizinho, apesar de ser muito bem cuidada”.

O desconhecimento mútuo gerava dúvida. “Ela ficava me olhando, eu tentava me aproximar e ela meio arredia, foi difícil e eu pensava ‘será que é ela?’. Mas como é que a gente sabe né?”. Desde então, a maternidade foi uma construção. Os novos pais de Helena saiam do Bairro Santa Amália para o Coxipó para visita-la todos os dias e depois do terceiro, Patrícia já estava apaixonada.

“Mas ela ainda estava assustadinha e a gente tinha que decidir logo, porque o juizado entraria de férias. Quando chegamos em casa, o meu marido falou assim: ‘Bem, se a gente tivesse condição eu traria três’. E aquilo parece que foi Deus que colocou na minha cabeça ‘qualquer uma daquelas crianças pode ser minha filha’. Aí eu fiquei tranquila, depois o meu medo foi se ela ia curtir a gente, não era mais eu”.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Quem conhece Helena hoje com os pais, tão afetuosa e comunicativa, mesmo com seu jeitinho tímido e seus quase três anos, não imagina que quando chegou em sua nova casa falava pouquinho e escondia um sorrisão. A adaptação, no entanto, foi tão intensa que Patrícia não se lembra da primeira vez que Helena a chamou de mãe, como faz a todo momento, mas conta que foi logo na primeira semana. “E não é mãe, é mamãe, não é pai, é papai”, ressalta.

O Dia das Mães de Patrícia

“Tem mulher que pode gerar, mas não quer, tenho amigas que também não podiam, mas desistiram da ideia com o passar dos anos. Comigo aconteceu o contrário e era muito forte”, conta. Durante os oito anos de espera, os Dias das Mães de Patrícia nem sempre foram fáceis e o esforço era ficar bem para comemorar com a mãe. Alguns deram certo, mas tiveram outros em que a chateação tomou conta.

Assim, ela imergia no trabalho e os estudos de Licenciatura em Música na UFMT, concluído em setembro do ano passado. No período da graduação, ela se dividia entre a faculdade, durante a tarde, e o emprego no segmento cultural, pela manhã e à noite. “Até conquistar tudo isso foi faculdade trancada e disciplinas em outros cursos”, conta.

De toda a experiência pré-maternidade até agora, ela tira uma lição: “todos nesse mundo funcionam baseados no seu próprio fuso horário”, como a frase que mostrou ter lido um dia antes da nossa entrevista. Ela conta que não percebia, mas até o trabalho a preparava para maternidade.

(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Além da convivência com crianças nas atividades de musicalização infantil que ministra, Patrícia foi representante da Secretaria do Estado de Cultura no projeto do Governo Federal de incentivo aos mil primeiros dias da criança. Nesse período, ela aprendeu que o estímulo deve vir durante a primeira infância, pois é o período em que o cérebro faz mais conexões.

“Eu achava que aquilo estava me ajudando no trabalho com os meus alunos, mas já era uma preparação para quando a Helena chegasse. Até quando o micro-ondas aqui em casa estragou dois meses antes dela chegar, procurando um novo a gente comprou com a opção de esquentar mamadeira, achando que não precisaria”, brinca.

“Veio no tempo certo, se ela tivesse chagado antes de setembro eu teria ainda TCC para fazer e hoje, apesar das minhas atividades, minha prioridade é ela. E quando digo tempo certo é o tempo emocional também, eu era muito imatura. No curso que fizemos no início do processo, a gente ia lá no lar e eu chorava muito de pensar que tinha tanta criança abandonada. É triste mesmo, mas para ser mãe a gente tem que ser forte”.

Patrícia, que entrou na fila da adoção novamente, contou o que espera deste domingo: “Eu quero passar esse Dia das Mães como tenho passado os meus últimos quatro meses, curtindo ao máximo. Meu prazer é ouvir minha filha falar mamãe e tudo que eu faço eu penso nela”.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes