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O pornofeminismo no Super Bowl

Como uma proposta feita para servir a libido masculina pode de alguma forma “liberar” a mulher de seu domínio?

6 minutos de leitura
O pornofeminismo no Super Bowl
(Foto: Reprodução)

O intervalo de meio-tempo do Super Bowl, o grande evento do esporte americano, é com certeza o segundo mais caro do mundo na TV. No último domingo, Shakira e J.Lo (Jeniffer Lopez) tiveram a honra de protagonizar os caríssimos 15 minutos do show, disputado sempre pelos melhores artistas do mundo.

Uma amiga latina escreveu no seu Facebook que estava orgulhosa com a apresentação das duas cantoras latinas,  ícones que são de centenas de milhares de garotas que aspiram o sucesso, o dinheiro e, por que não, os homens maravilhosos que as duas cantoras têm a sua disposição.

O grande show que elas se esmeraram em produzir me pareceu um ritual pagão de fertilidade, permeado de apelos sexuais vulgares e pautado numa estética religiosa na parte de Shakira – e que se transforma em  uma performance inspirada pelo submundo pornô e sadomasoquista quando a cinquentona J.Lo entra no palco.

Não tenho nada contra cinquentonas sexy. Pelo contrário, gosto de pensar que mesmo com meio século de vida é possível viver com plenitude a força vital da sexualidade.  Mas o show não era sobre isto.

O show faz uma propaganda tosca do que se chama hoje de “empoderamento feminino”, através do apelo pornográfico, que conta com muitas “pregadoras” ilustres: a super-diva Beyonce, por exemplo,  Katy Perry, Myley Cyrus, a nossa vulgaríssima Anitta, entre muitas outras.

Pornofeminismo

A ideia central desse pornofeminismo é que a modéstia que antes pautava o comportamento público das mulheres “de bem” era uma imposição machista.

As mulheres que se liberam, portanto, dessa imposição, podem não só se despir em público, mas exibir sem pudores a sua sexualidade como uma espécie de afirmação do feminino.

Nesse conceito, ao exibir meu corpo no dia a dia, em roupas desenhadas para chamar a atenção dos homens, ou ao participar de performances artísticas pautadas apenas em meus atributos sexuais, estou na verdade exercendo meu poder feminino e me liberando.

Ah, me desculpem aí, mas a fama inglória de ter criado esse novo tipo de feminismo pertence ao Brasil. Aqui, não só já tínhamos articulado há muitas décadas esse tipo de pseudo-liberação (é, sim, pseudo, e me explico já-já), mas tornamos tudo isto  parte da main-stream da cultura pop as músicas, gemidos e danças eróticas.

Cópias da Gretchen

Quem se lembra da Tiazinha, da Feiticeira, ícones infantis, do Bonde das “cachorras preparadas,” das Poderosas? A lista é interminável.

As nossas meninas de quatro anos desciam na “boquinha da garrafa” e concorriam pelo glorioso título de melhor funkeira no programa do Gugu desde a década de 90, enquanto a mama do pornofeminismo internacional, Beyonce, ainda estava cantando “modestamente” no trio Destiny Child.

Anitta por exemplo, a deusa atual do bumbum, não é precursora de nada, é uma simples cópia da Gretchen do final dos anos 70, “Freek le bumbum”, “Conga Conga”, a “rainha do bumbum”.

O ridículo da proposta

Cabe aqui, no entanto, a discussão do que este tipo de empoderamento gera. Que tal abortos? Gravidez adolescente? Filhos fora do casamento? Doenças venéreas? Dores emocionais dos mais variados tipos, que culminam em depressão e até suicídio em casos extremos?

Mas, vivemos num mundo em que considerações práticas desta natureza são vistas com maus olhos, e até consideradas como um dado irrelevante, que não justifica o “retrocesso” moral que normas e limites impostos à expressão sexual significariam. Vamos esquecê-las, então, e pensar apenas no ridículo da proposta.

No centro do palco vemos uma J.Lo dançando num poste – numa alusão à dança das strippers americanas chamada de pole-dancing, vestida de dançarina sado-masô. Ela se rebola e acaricia sua virilha fingindo se masturbar, fazendo referência às profissionais que se masturbam por dinheiro na rede,  e canta como a paixão a “libertou.”

Do seu lado, um monte de machos malhadões, igualmente vestidos de acordo com a fantasia de dominatrix-dominados.

Como dizer que este tipo de composição estética não foi criada com uma coisa em mente – o estímulo sexual masculino? Como uma proposta feita para servir a libido masculina pode de alguma forma “liberar” a mulher de seu domínio?

“Poderosa”

As brasileiras articulam essa dinâmica da seguinte maneira: ao se tornar sexualmente irresistível, a mulher exerce “poder” sobre o homem e, portanto, o domina, daí o adjetivo “poderosa”.

Certo? Num sentido bem primal, talvez. Numa sociedade dominada apenas por instintos biológicos, quem sabe seja esta uma forma de controle que mulheres poderiam exercer sobre seus machos.

É triste porém pensar que este é o único tipo de sociedade que podemos construir. Primeiro, esse poder não dura. É triste mesmo para a mulher, ainda do alto de seu poder de sedução, porque ela mesma sabe que ele não vai durar.

A própria J.Lo sabe que seu tempo de relevância só dura enquanto seu traseiro ainda causa alguma reação nos machos que o contemplam. Ela sabe que qualquer menina de 25 anos de idade, mesmo não sendo tão bonita, vai ter prioridade sobre ela, porque no mundo animal os feromônios da reprodução sexual têm vida curta na mulher.

Triste também porque esse domínio é plural, coletivo, nunca singular. Ou seja: como poderosa atraio “os homens”, o gênero, mas esse poder não me garante o amor dedicado de um macho em particular. O que torna o homem selvagem um ser humano responsável, com o caráter necessário para cuidar de uma mulher e de sua prole não é o pênis.

Escrava da sexualidade

A esmagadora maioria das mulheres do mundo sonham com um relacionamento estável. A mulher presa a esta obrigação de ser coletivamente sexual se torna uma escrava de sua própria sexualidade efêmera – e rouba de si mesma a oportunidade de se construir como um ser humano pleno. Acaba, infelizmente, sabotando o sonho que a fez abraçar esse empoderamento.

Engraçado que até as strippers profissionais sabem disto. Um artigo do HuffPost, site quase que normativo para o político-corretismo americano, publicou o protesto de várias strippers  pole-dancers e profissionais do sexo reclamando que J.Lo se apropriou de seu ganha-pão para promover-se – e que elas sentiram vergonha e aversão com o número da atriz no Super Bowl.

No artigo, as strippers dizem que não precisam da visibilidade que J.Lo se gaba de dar à profissão.

“Todos sabem que as strippers existem, não precisamos desta visibilidade”- dizem.  O que elas querem e que pedem no artigo,  é que os mecanismos de exploração, as mazelas e dores que sofrem nos clubes de strip-tease e atrás das câmaras da internet onde se masturbam por dinheiro,  se tornem também domínio público.

Lá se vai, por água abaixo, ao som do lamento das strippers, o argumento das “poderosas”.

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