“Caramba, preciso entregar um relatório hoje, pagar uma conta de ontem, comprar uma passagem para o mês que vem, mas, ao mesmo tempo, não consigo esquecer a última briga com a minha mulher.”

Então seu coração acelera, pensamentos a mil, a respiração acompanha esse mesmo ritmo. Durante desse turbilhão, ele se senta no sofá, liga na série de sempre da Netflix e abre uma lata de cerveja.

Eis um extremo do pêndulo: a ansiedade.

“Já? Não…, quero mais alguns minutos. Ainda não. Só mais uma soneca. Acordei, sem vontade, mais um dia. No trabalho nada novo. Novos filmes, novas séries, nada demais. Me chamaram para sair, mas ontem já fui a uma festa, que preguiça. Ah, amanhã tem mais do mesmo.”

No outro lado do pêndulo: o tédio.

Vejo esse pêndulo de um lado para o outro e cada vez alcançando extremos mais distantes. Muito se fala sobre a ansiedade – que, em si, não é um problema, quando não nos paralisa ou nos impede de agir – mas não é isso que estamos vendo.

Sobre o tédio: sempre foi uma reclamação que soava estranha aos meus ouvidos. Nunca fez muito sentido, na infância, ouvir meus colegas se queixando disso, de não ter nada para fazer – porque eu sempre tive muitos planos, projetos e atividades, algo sempre estava acontecendo na minha vida.

Mas, para ser bem sincero por aqui, houve um tempo em que eu senti tédio: foi durante episódios de depressão pelos quais eu passei. O prazer pelas coisas me escapava e o tédio aumentava em um círculo vicioso. Só que, aqui, estamos entrando numa questão psiquiátrica, que não é o meu foco hoje.

O texto de hoje é uma conversa direta com outra reflexão minha a partir do filme “O Náufrago”, na qual eu apresento o nosso moderno paradoxo: a tecnologia, teoricamente, nos deu mais tempo – mas por que parece que, ultimamente, ele nos falta?

Voltemos uns anos atrás, quando nos comunicávamos por carta. A carta era escrita, levada aos correios, que entregavam para o destinatário, que lia, respondia, levava aos correios, que entregavam de volta. Sabe-se lá quanto tempo demorava todo esse processo – que hoje em dia dura segundos.

Todo avanço é bem-vindo, mas será que nos preparamos para mudanças tão drásticas dentro de tão pouco tempo? Tal qual uma cidade pequena que, sem planejamento, começa a se expandir, vemos consequências. Tal qual um corpo que, de uma hora para outra, começa a crescer, deixa marcas na pele. Acredito que a ansiedade moderna gera essas marcas.

Se, num distante passado, comíamos o que conseguíamos caçar, hoje podemos comer o que quisermos, na quantidade que quisermos; e tudo isso está a um clique de distância. Podemos maratonar séries, filmes, acompanhar o que as celebridades estão fazendo, enquanto mostramos, também, o que nós estamos fazendo, por meio do Instagram. Será que estávamos prontos para essa quantidade de estímulos e prazeres? Acredito que o nosso tédio moderno seja consequência disso

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