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O homem da cara de pau

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O homem da cara de pau
(Foto: Divulgação/Pixabay)

A foto do candidato a presidente da República, Fernando Haddad, atrás de uma máscara de Lula, impedido de concorrer por estar preso em Curitiba, trouxe-me à lembrança esta linha de A Trama, narrativa curtíssima de Jorge Luís Borges: “Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias”.

É impressionante o que acontece. Ressurgem expressões como voto de cabresto, curral eleitoral e o famoso personagem vivido por Paulo Gracindo como “dotô coroné prefeito”, dos textos de Jorge Amado e de Dias Gomes, entre outros. Quer dizer que o eleitor não pode escolher em quem votar? É obrigado a votar em quem está atrás da máscara do mandante?

[featured_paragraph]A etimologia nos ensina que máscara e personagem têm significados semelhantes, embora a primeira tenha vinda do Árabe más-hara, burla, engano; e a segunda, do Grego prósopon, careta, que se tornaria o Latim persona, pessoa, que nos deu também personagem.[/featured_paragraph]

Portanto, cara de pau não é usado aqui no sentido tão usual de caradura, desfaçatez e falta de vergonha, que lhe dão os dicionários, mas para designar quem simula ser outro. Ou pior ainda: ser o outro, mas continuando a ser o mesmo. O mesmo não pode mostrar a própria cara. É obrigado a mostrar a cara do outro. É uma pauta e tanto para nossa ciência política, para a literatura e para a psicanálise.

Cara de pau, embora tenha feito as vezes de máscara, não é máscara de ferro. Como sabem tantos, nos cárceres da França de Luís XIV havia um preso condenado a jamais mostrar o rosto. Passou anônimo à História, conhecido apenas como o homem da máscara de ferro. Não, não era cara de pau, era apenas máscara de ferro.

Tornou-se célebre personagem de Os Três Mosqueteiros, do escritor francês Alexandre Dumas, que teve um filho com o mesmo nome, também escritor, o conhecido autor de A Dama das Camélias. Mas foi o pai quem tornou famosa a figura literária, a seu tanto histórica e lendária, do homem da máscara de ferro, de existência comprovada. Pesquisadores que se debruçaram sobre o assunto chegaram à conclusão de que não era ninguém importante. Tendo vivido no século XVII, estava confinado em cela de segurança máxima. Alguma importância deveria ter…

Assim isolado, como veio a tornar-se tão famoso? É que, ao ser transferido da prisão de Pignerol para a da ilha de Sainte-Marguerite, uma escolta maior do que as habituais chamou a atenção do público e contribuiu para o mistério cultivado por seu carcereiro. Este, sim, em busca de dar maior visibilidade a seu ofício, fez saber ao distinto público, pelas vias das fofocas habituais, que tinha sob seus cuidados uma celebridade. Quem, na verdade queria ser célebre era o carcereiro.

Todavia, o mistério continuou. Condenado a trinta anos de prisão e a usar a máscara, ele nunca tirou a máscara, nem para dormir, para comer ou para lavar o rosto? Bem, outros mistérios persistem. Quando de sua transferência, desta vez para a Bastilha, em Paris, de novo o público assistiu à chegada do ilustre desconhecido, que usava então, não mais uma máscara de ferro, mas de veludo, que ele teria usado até morrer, já no século XVIII.

[featured_paragraph]Havia outro motivo para o prisioneiro usar a máscara. Ele seria irmão gêmeo do rei Luís XIV e, condenado, não poderia mostrar o rosto! Quem teria formulado tal hipótese teria sido o filósofo Voltaire, que também esteve preso na Bastilha entre 1717 e 1718, e teria ouvido detalhes sobre a identidade do encarcerado.[/featured_paragraph]

Este foi, aliás, o argumento do filme em que o homem da máscara de ferro foi revivido no cinema, em 1998, com atuações de Leonardo DiCaprio, Gérard Depardieu e Jeremy Irons, entre outros. O filme foi pouco notado porque teve que render-se, como todos, ao megassucesso de Titanic, que reinou soberano nas bilheterias por naquele ano.

Outras evocações virão, pois estas eleições prometem reviver, não apenas famosos eventos literários e lendários, mas também a República Velha. Tomara que não sejam trágicos, como já o foi o assassinato de João Pessoa, então presidente da Paraíba, em 1930, estopim da revolução deflagrada naquele ano. O nome do cargo mudaria mais tarde para de presidente para governador.

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