Gostaria de agradecer ao site O Livre pelo espaço que abriu para mim. Sou biólogo, que estuda adaptação animal aos desafios do meio ambiente, mas também com interesse em análises do desempenho da ciência brasileira. Venho fazendo isso desde 2007, época que publiquei um estudo muito detalhado da ciência do Brasil em uma revista inglesa. Venho acompanhando ano a ano o desempenho brasileiro da ciência, sempre com muito desgosto, pois os antigos governos federais (entre 2003 e 2018) contorciam sem dó os fatos da nossa realidade científica e tecnológica.

O texto abaixo foi escrito em colaboração com o Luís Fabiano Farias Borges, analista em Ciência e Tecnologia da Capes. Este é o terceiro artigo que publicamos juntos. Espero que gostem. 

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O expressivo aumento orçamentário do MEC entre 2003-2013

O orçamento do MEC alcançou mais de R$ 100 bilhões em uma década, o que corresponde a um acréscimo de 205% entre 2003 a 2013. A CAPES, fundação pública vinculada ao MEC, foi beneficiada nesse processo, cujo incremento orçamentário mais expressivo ocorreu em 2015, na ordem de R$ 7 bilhões. Desde 2009, inúmeras matérias alegavam que o Brasil sustentava o 13º lugar entre os maiores produtores de conhecimento científico no mundo, ultrapassando a Holanda no ranking. O sucesso seria resultado da atuação das universidades e dos centros de pesquisa, contando com o apoio das agências de fomento na concessão de bolsas e com o conhecimento disponibilizado pelo Portal de Periódicos da CAPES.

Por meio de maciça propaganda oficial, o governo alardeava que, em poucos anos, o Brasil estaria entre os 10 maiores produtores de conhecimento do planeta. Nesse período, uma das únicas análises críticas que identificamos por parte do governo foi a menção ao baixo número de patentes no país. Ocorre que essas matérias destacavam apenas o aumento quantitativo das publicações, sem observar aspectos qualitativos por trás dos números, ou seja, sem avaliar o impacto da produção sob o critério da efetividade. Dentre as formas de avaliar o impacto da produção científica, destacamos as citações por publicação (CPP), o que nos permite avaliar objetivamente as menções que os trabalhos recebem por pesquisadores no mundo. Com o CPP, é possível comparar países de dimensões completamente diferentes, como por exemplo os Estados Unidos e a pequena Suíça.

Em uma lista de 68 países que produziram pelo menos 3000 publicações em 2017, o Brasil ficou em 14º lugar em quantidade (73,6 mil publicações), mas em 53º lugar em CPP, ou seja, em impacto científico. A Suíça foi a 1ª colocada em 2017. A péssima posição do Brasil em impacto se repetiu nos anos anteriores. O Brasil ficou em 53º lugar entre 66 países com pelo menos 3000 publicações em 2016; 53º lugar entre 63 países em 2015; 50º lugar entre 62 países em 2014. Essa tendência é observada em todos os anos anteriores analisados, de acordo com os dados da Scimago (1996-2017).

É possível avaliar a efetividade ao determinar o quanto o impacto científico de um país está distante do 1º lugar, a cada ano. Como a Suíça tem sido a medalha de ouro em quase todos os anos, dentre os países com pelo menos 3000 publicações, é bem elucidativo comparar os países diretamente com a Suíça. Desse modo, o CPP da Suíça foi de 0,98 e o do Brasil foi 0,41 em 2017. Logo, ficamos com 42% do impacto suíço. Em 2009, quando a Capes anunciou o 13º lugar em quantidade de publicações, estávamos com apenas 42,5% do CPP da nação alpina. Entre 1997 e 2017, o Brasil apenas patinou entre 40 e 50% do impacto da Suíça.

Para quem leu até o momento, poderá pensar: “Mas o governo não investe em ciência, por isso que estamos nessa situação”. Ao longo dos últimos anos, nós já ouvimos esse argumento tanto por parte de progressistas quanto de conservadores, mas veremos a seguir a improcedência desse argumento.

Brasil versus países da América Latina

Ao analisar países ao nosso redor, verificamos que o Brasil está atrás da Colômbia, Argentina, Uruguai, e Chile com relação ao impacto científico. Esses países apresentam 47%, 54%, 61%, e 64%, respectivamente, do CPP da Suíça. O Chile, por exemplo, ficou em 28º lugar no ranking CPP-2016 entre países com pelo menos 3000 publicações. Em 2016, o Brasil apresentou apenas 45% do CPP suíço (Figura 1). Curiosamente, a nação canarinho investe muito mais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em termos percentuais do PIB, do que os 4 vizinhos continentais. A Colômbia investe apenas 0,3% do PIB em P&D, enquanto Chile e Uruguai utilizam em torno de 0,4%, de acordo com dados da Unesco. A Argentina, por sua vez, investe 0,5% do PIB em P&D (Tabela 1). Em 2016, o Brasil investia 1,3% em P&D; portanto mais do que o dobro da Argentina (não há dados da Unesco sobre investimentos em P&D do Brasil para 2017 e 2018**).

 

(Figura 1)

 

Há pequenas variações anuais dos valores investidos em P&D ao observarmos a linha do tempo, mas nada que comprometa nossa interpretação dos fatos. Por exemplo, a Argentina investia em torno de 0,6% do PIB em P&D, entre 2012 e 2015, mas houve uma queda para 0,5% em 2016. Por outro lado, o Uruguai investia ao 0,30-0,35% do PIB em P&D entre 2010 e 2015, mas passou a investir 0,4% em 2016 (Figura 2).

Vale a pena analisar também o México. Ainda que esteja logo atrás do Brasil no ranking CPP de 2016 (54º lugar), o país caribenho gasta menos da metade do que o Brasil em P&D (0,5% do PIB); portanto o México apresenta um impacto científico análogo ao nosso com um custo bem menor. Desse modo, observamos que a ciência do Brasil apresenta baixa eficiência e baixa efetividade, se comparada até mesmo à ciência produzida por países latinos. O Brasil investe muito mais em termos percentuais do PIB em P&D, mas apresenta um impacto científico menor do que o do Chile, Uruguai e Argentina ou, ainda, um impacto semelhante ao México e à Colômbia, a um custo bem maior.

O custo do pesquisador

É crucial avaliar o custo do pesquisador, conforme dados também disponibilizados pela Unesco. Esse cálculo é feito dividindo o investimento em P&D (em dólares paritários, ou dólares PPP*) pela quantidade de pesquisadores. No caso do Brasil, o valor foi de 132,6 mil dólares PPP por pesquisador (Figura 3). Esse valor foi maior do que o do Chile e do Uruguai, sendo mais do que o dobro da Argentina (56 mil dólares PPP). Na Colômbia, o custo-pesquisador foi um pouco maior do que o nosso e, no México, foi bem superior. É paradoxal o fato de que países com baixo investimento em P&D acabem gastando mais do que o Brasil em termos per capita (população de pesquisadores).

Ao investigar a Estônia, país que temos analisado bastante, verificamos que o seu investimento em P&D (em termos percentuais do PIB) é praticamente o mesmo do Brasil; contudo o custo-pesquisador é significativamente menor que o nosso: 78,2 mil dólares PPP (Figura 3). A Estônia está entre os países do mundo com maior impacto científico, tendo se aproximado ao CPP da Suíça em 2015-2016 (Figura 1). Na década de 1990, a Estônia era um país extremamente pobre, mas se utilizou adequadamente da ciência e tecnologia para se desenvolver, tornando-se um país que desperta interesse por parte de empreendedores e estudiosos de todo mundo.

(Figura 2)

Efetividade científica versus eficiência econômica

Diante do exposto, há duas linhas de investigação cientométrica. Uma é a efetividade do investimento em P&D, relacionada ao impacto mundial em termos de CPP e outros possíveis indicadores. A segunda linha diz respeito à eficiência econômica do gasto. Como vimos, o Chile gasta muito pouco em P&D (cerca de 0,4% do PIB), mas apresenta um custo-pesquisador relativamente próximo ao nosso (Figura 3). Em contrapartida, a efetividade científica chilena é surpreendente para os padrões da América Latina, com 64% do CPP da Suíça em 2016.

Na segunda linha de investigação, é necessário avaliar o custo da efetividade científica, cuja análise é fundamental para saber até que ponto os países podem investir sem comprometer sua política fiscal. Se, por um lado, a Suíça apresenta uma elevada efetividade científica com altíssimos gastos (3,4% do PIB em P&D), por outro, a Estônia apresenta uma efetividade científica considerável mediante um baixo percentual do PIB em P&D.

Esse é um terreno ainda pouco explorado na cientometria da América Latina, cuja análise possibilitaria uma excelente tese de doutorado. De qualquer forma, para possibilitar o aumento do gasto percentual do PIB em P&D, é necessário buscar eficiência, sem o peso indevido da burocracia, pois os excessivos procedimentos burocráticos comprometem o tempo que deveria ser investido na pesquisa propriamente dita.

Concluímos que o Brasil não gasta pouco em P&D se compararmos tanto nações avançadas quanto vizinhos latinos. Devemos lembrar, porém, que apenas uma fração do gasto em P&D provém do MCTIC (orçamento de cerca de R$ 6 bilhões em 2016 comparado ao investimento total do Brasil em P&D na ordem de R$ 76 bilhões), pois o investimento é captado em diversos setores da sociedade. É imprescindível estudar mecanismos que possibilitem o aumento da efetividade e da eficiência na ciência e tecnologia, cujo problema é facilmente identificado tanto no Brasil quanto no México. É necessário melhorar a posição de 53º de impacto científico do Brasil com a devida urgência.

P.S.: Muitos dirão “e a solução do problema”? A resposta será dada em futuros artigos ou em um momento oportuno.

Tabela 1

https://data.oecd.org/conversion/purchasing-power-parities-ppp.htm#indicator-chart

**Com as reduções orçamentárias do MCTI em 2017 e 2018 (que era R$ 5,8 bilhões em 2016), o investimento nacional em C&T deve ter caído para cerca de 0,05% (em 2018).

LINKS:

https://www.capes.gov.br/36-noticias/2651-brasil-e-o-13o-entre-os-maiores-produtores-de-conhecimento

https://namidia.fapesp.br/brasil-e-o-13o-pais-que-mais-produz-conhecimento/28881

https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/brasil-ultrapassa-russia-holanda-e-13-do-mundo-no-ranking-da-ciencia-3170228

http://www.capes.gov.br/36-noticias/2654-ministro-preve-inclusao-do-brasil-entre-os-dez-maiores-do-planeta-

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