Mato Grosso

O caminho da propina: Entenda como o dinheiro foi desviado do Detran-MT

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O caminho da propina: Entenda como o dinheiro foi desviado do Detran-MT
(Foto:Ednilson Aguiar/ O Livre)

Um esquema engenhoso foi utilizado para desviar recursos de um contrato do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso (Detran-MT) com a empresa FDL Serviços de Registro, Cadastro, Informatização e Certificação de Documentos Ltda entre 2009 e meados de abril deste ano. A empresa atualmente se chama EIG Mercados Ltda e teria mantido o contrato – e os pagamentos ilegais – na atual gestão. Cerca de R$ 30 milhões teriam sido subtraídos do órgão.

O deputado estadual Mauro Savi, o ex-secretário-chefe da Casa Civil Paulo Taques, o advogado Pedro Jorge Zamar Taques – irmão de Paulo, e os empresários Claudemir Pereira dos Santos, Valter José Kobori e Roque Anildo Reinhemer foram presos preventivamente no dia 09 deste mês.

O Ministério Público Estadual (MPE) denunciou 58 pessoas entre agentes políticos, assessores, empresários e parentes dos envolvidos.

O esquema teria tido início com a indicação feita pelo deputado Mauro Savi (DEM) para o cargo de presidente do Detran-MT. Teodoro Moreira Lopes, conhecido como Dóia, foi nomeado em 2007. Dois anos depois, em 2009, o esquema começaria a funcionar.

Direcionamento da licitação
Em 05 de junho daquele ano, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) editou a Resolução de número 320/2009. A medida estabeleceu que os “contratos de financiamento de veículos com cláusula de alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de compra e venda com reserva de domínio ou de penhor celebrados, por instrumento público ou privado” deveriam ser registrados pelo órgão estadual de trânsito.

A resolução ainda abriu caminho para que a execução deste serviço pudesse ser terceirizada pelos Detran de todo o país. Por aqui, o Detran-MT optou por realizar uma licitação para a contratação de empresa para o registro dos financiamentos.

Entre julho e agosto de 2009, o empresário Marcelo Costa e Silva, ligado ao ex-deputado federal Pedro Henry; Roque Reinhemer, sócio da Santos Treinamentos; além de Merison Marcos Amaro e Hugo Pereira de Lucena, representando os empresários José Henrique Ferreira Gonçalves e José Ferreira Gonçalves Neto, donos da FDL; teriam negociado o contrato, o pagamento da propina e a lavagem do dinheiro.

Em sua delação premiada, Dóia conta que incluiu no edital para contratação da empresa uma cláusula que exigia que o vencedor teria que realizar vistorias prévias em todas as Ciretrans de Mato Grosso. A ação não foi exigida, de fato, tendo sido incluída apenas para afastar concorrentes da FDL que não tinham condições fático-financeiras de realizar as vistorias.

Negócio entre a FDL e a Santos para viabilizar a propina
Assim, em 28 de outubro de 2009, o Detran-MT e a FDL assinaram o contrato. Menos de um mês depois, em 23 de novembro, a FDL fez uma manobra jurídica para direcionar parte dos pagamentos à Santos Treinamentos.

As duas empresas formaram uma “sociedade em conta de participação” registrada como CRDD/MT, com nome fantasia de Fidúcia Documentação Ltda. O objeto do contrato é a participação e a gestão da Santos Treinamentos no contrato entre a FDL e o Detran-MT, de modo que 30% dos valores ficavam com a empresa.

“As provas colhidas na investigação revelam que a Santos Treinamento e Captação de Pessoal Ltda é uma empresa de fachada, utilizada exclusivamente para dissimular a natureza das vantagens indevidas pagas pela FDL — Serviços de Registro Cadastro, Informatização e Certificação de Documentos Ltda, atual EIG Mercados Ltda, a agentes públicos integrantes da organização criminosa alhures descrita”, diz a denúncia do MPE.

Em abril de 2010, a participação da Santos ainda foi aumentada. Dos 30% iniciais, subgiram para 50% os valores desviados do contrato “tendo em vista que os custos políticos estavam aumentando”. Dóia afirma que tentou diminuir os repasses feitos à empresa no final daquele ano, mas que foi ameaçado por Dauton Luiz Santos Vasconcelos, então assessor do deputado Mauro Savi, com a retirada do apoio político a sua presidência no Detran-MT.

Pagamentos da Santos a assessores e parentes
Para que o dinheiro chegasse às mãos dos agentes políticos denunciados, o MPE narra que “atravessadores” do esquema – sócios da Santos Treinamentos – faziam pagamentos a assessores, familiares e parceiros comerciais dos envolvidos. Assim, a participação de deputados, ex-governador e outros ficaria mascarada.

O atual presidente da Assembleia Legislativa, deputado Eduardo Botelho (DEM), teria sido um destes operadores. Entre 10 de setembro de 2010 e 03 de abril de 2013, Botelho fez parte do quadro de sócios da Santos Treinamentos. Neste período, o Ministério Público afirma que ele recebia valores que seriam destinados ao deputado Mauro Savi. Ao todo, R$ 3.154.494,10 teriam passado pelas mãos do atual presidente da Assembleia.

O dinheiro seria retirado a título de “pagamento a fornecedores”, sendo direcionado, primeiro, a sócios da Santos. Nos dias 22 e 24 de maio de 2012, o MPE narra que Odenil Rodrigues de Almeida, servidor da Assembleia ligado a Savi, teria descontado dois cheques emitidos por Botelho nos valores de R$ 4,9 mil e R$ 4,4 mil. Durante a operação do esquema, o MPE afirma que cheques de valores baixos seriam utilizados para não chamar a atenção no Sistema Financeiro.

Mudança de governo, mudança de modus operandi
Com a chegada do fim do governo Silval Barbosa, também apontado como participante do esquema, o suposto grupo criminoso teria mudado seu modo de operar. Com a vitória do governador Pedro Taques (PSDB), seus primos Paulo Taques, que viria ocupar a Casa Civil, e Pedro Jorge Zamar Taques, advogado, teriam passado a negociar o recebimento de valores do contrato entra a EIG Mercados Ltda (antiga FDL) e o Detran-MT. Pedro Jorge seria o responsável pelo contato com a suposta organização criminosa.

O empresário José Kobori ocupava o cargo de Chief Executive Officer (CEO) da EIG Mercados. Ele teria sido encarregado de negociar o pagamento com o novo governo para a manutenção do contrato. Kobori teria acertado, antes mesmo do resultado das eleições de 2014, os pagamentos com Paulo Taques e Pedro Jorge Taques.

Em 06 de outubro daquele mesmo ano, um dia após as eleições, o escritório D’Almeida Cordeiro & Mesquita Advogados Associados, contratado pela EIG Mercados, assinou um substabelecimento para que Pedro Jorge pudesse atuar junto à empresa. O empresário José Ferreira Gonçalves Neto, da EIG, não teria aceitado realizar os pagamentos por este caminho.

Assim, José Kobori teria se prestado a “ser o atravessador-dissimulador da propina, recebendo-a pessoalmente sob o título de bônus pelos serviços pessoais prestados à EIG Mercados Ltda e repassando-a para os irmãos Paulo Cesar Zamar Taques e Pedro Jorge Zamar Taques, tendo restado acertado que o pagamento seria feito anualmente, tudo para que Paulo Taques, na qualidade de representante do Poder Executivo de Mato Grosso, garantisse a continuidade do contrato entre a EIG Mercados Ltda e o Detran-MT”.

Ao todo, o MPE afirma que R$ 2,6 milhões teriam sido repassados na gestão atual para a manutenção do contrato.

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