Desde o momento em que iniciei minha pesquisa tive muitos questionamentos de amigos, familiares, professores e gente de todo tipo me perguntando o porquê de eu estar investigando a sismologia, mesmo não tendo formação na área.

O terremoto de Portugal levou os grandes intelectuais da época a dissertarem a respeito do assunto. O filósofo e geólogo John Mitchell ficou conhecido pelo ensaio geológico “As conjecturas sobre as causas e as observações sobre a Phaenomena de Terremotos” (Philosophical Transactions, 1760). Mitchell sugeriu que os terremotos foram sentidos como ondas sísmicas de compressão elástica que teriam percorrido toda a Terra. Na época, ele foi capaz de estimar o epicentro e o foco do terremoto.

Immanuel Kant (1756), grande filósofo prussiano, fez publicações e ensaios sobre este evento com base em teorias de Aristóteles sobre canais no interior da Terra, cavidades e galerias estendendo-se por todas as partes do planeta, contendo fogo que, com um pequeno estímulo, poderia se agitar ou mesmo fender a terra. Voltaire, do Iluminismo, Rousseau e Goethe também escreveram sobre o evento e suas consequências. Esses filósofos escreveram sobre o assunto porque sentiram necessidade ou porque os estudos na época não respondiam às suas inquietações. Bem… eu estou fazendo o mesmo.

Terremotos e tsunamis no Brasil?
Nos últimos dias tenho recebido muitos e-mails com especulações sobre riscos de terremotos e tsunamis no Brasil. Sabemos que estamos bem no meio da placa sul-americana e que os riscos de terremotos e tsunamis por aqui são baixos. Será?

A história outra vez nos dirá se isso é mesmo verdade, se estamos seguros ou se eventos isolados que ocorreram tempos atrás poderiam se repetir no futuro.

Em 1955, nas proximidades da Serra do Tombador, em Porto dos Gaúchos, a 475 quilômetros de Cuiabá, tivemos um terremoto de 6.6 graus na escala Richter. Na época, o evento pode ter passado despercebido devido ao fato da baixa população local. Acredito que a população não deveria passar de algumas centenas, já que o censo do IBGE 2010 anota uma população de 6.285 habitantes.

O histórico de sismicidade para a região norte do estado de Mato Grosso tem se mostrado bastante ativo nos últimos anos. Água Boa, Alta Floresta, Cocalinho, Porto dos Gaúchos, Tabaporã e Confresa. Os abalos ocorreram entre agosto e novembro de 2014 com magnitudes entre 2.4 e 4.2 na escala Richter, segundo Observatório Sismológico (Obsis) da Universidade de Brasília (UnB).

Em novembro de 2015, um tremor de terra foi sentido em Sinop. Moradores de um prédio deixaram seus apartamentos por medo. Esse evento poderia ter sido um reflexo de um terremoto de 7.1 graus ocorrido horas antes na fronteira do Peru com o Brasil.

Em novembro de 1755, Portugal foi atingido por um terremoto de proporções catastróficas. Os eventos que se seguiram deixaram Lisboa destruída. Além do grande terremoto, houve cinco dias de incêndios e milhares de mortos. Esse terremoto teria provocado um tsunami que chegou horas depois à costa norte brasileira. Em uma entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o professor José Alberto Veloso relatou o fato de que em 1755 o Brasil foi atingido por um tsunami de pequena escala, ondas de até 6 metros teriam entrado cerca de 6 quilômetros no continente. A cidade de Tamandaré foi a que mais sofreu com o evento, tendo feito pelo menos duas vítimas fatais. Cartas entre autoridades e comandantes que estariam por aqui no dia foram enviadas a Portugal relatando o acontecido, e estão disponíveis no arquivo ultramarino histórico de Lisboa.

O fato é que esses eventos devem se repetir a qualquer momento. Mesmo que não tenhamos ideia disso, a preparação é algo levado a sério em países considerados sísmicos e deveríamos considerar esse risco para o nosso país.

Nossas praias estão sempre lotadas e eu nunca vi uma placa sinalizando áreas seguras em caso de tsunamis. Por outro lado, temos as cidades famosas por seus históricos de sismicidade: Montes Claros, em Minas Gerais; João Câmara, no Rio Grande do Norte, entre outras, onde os abalos são considerados comuns.

Em minha última palestra feita para a Defesa Civil em Arica, no Chile, ao ser indagado sobre a segurança e preparação do meu país me dei conta de que não temos um plano de emergência, não temos a cultura sísmica, não temos sinalização ou um estudo para praias em caso de tsunamis, nem mesmo os famosos kit de emergência no caso de terremotos.

Depois de mais de cinco anos trabalhando em conjunto com a Defesa Civil e Bombeiros voluntários no Chile, entendi que o problema não são os terremotos, mas sim as construções sem preparo ou em locais impróprios. É preciso saber que, se está construindo em uma zona sísmica, deve-se tomar as medidas seguras com construções próprias antissísmicas.

Nos últimos cinco anos, o Chile passou por centenas de tremores, entre os quais dois de 8 graus na escala Richter. Em abril de 2014 ocorreu um terremoto de 8.5 graus que produziu inúmeros danos residenciais, mas nenhuma construção que tenha sofrido destruição total. Em 2015 um terremoto de 8.5 atingiu a cidade de La Serena, costa Central do Chile, e as construções continuaram intactas. A destruição se deu pelas ondas gigantescas que invadiram a cidade 14 minutos depois do terremoto. A preparação do local e a cultura sísmica podem ter contribuído para que o saldo de vítimas fatais não passasse de 12.

A discrepância entre terremotos muitas vezes mais fortes e o número de vítimas podem estar relacionados com a preparação da população e as edificações antissísmicas. Um evento muitas vezes menor (6.2) ocorrido na Itália em agosto de 2016 teve um saldo de mais de 247 mortos e 75% da cidade destruída. A Defesa Civil local atribuiu a destruição às construções muito antigas.

Por último, um fato que marcou a vida de moradores no vilarejo de Caraíbas, em Itacarambi, Minas Gerais: um terremoto de 4.9 pontos na escala Richter em 2007 fez a primeira vítima no Brasil. Uma menina de 5 anos dormia junto ao seu irmão quando o terremoto fez a parede de seu quarto desabar. Além da menina, outras cinco pessoas ficaram feridas. O saldo de 69 casas condenadas e cerca de 400 desabrigados marcou para sempre a história daquela cidade.

Todos esses relatos deveriam servir de exemplos. Os terremotos e tsunamis são eventos naturais e, se obedecermos algumas regras de segurança, poderemos conviver com isso.

A preparação e a conscientização são os primeiros passos. Não podemos evitá-los, mas podemos estar preparados quando vierem.

Assinatura Coluna Aroldo

 

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